Os nossos intelectuais gostam de produzir opiniões definitivas sobre questões complexas. Têm opinião sobre tudo e de modo categórico. Cortam a direito, quando haveria necessidade de fazer um percurso cuidadoso das ideias e dos contextos, de proceder a uma escolha criteriosa das opções e da hierarquia das prioridades.
Assim acontece, por exemplo, quando se levanta a questão de saber qual é o principal problema que Portugal enfrenta. Este tema apresenta uma grande complexidade, requer um leque de análises e de pistas conectadas. Mas as nossas inteligências públicas não hesitam. Têm pronta uma resposta directa, uma espécie de verdade indiscutível, uma linha que explica tudo.
Depois disso, deixa de haver espaço para o debate. A opinião emitida por quem tem banca na praça é definitiva e dogmática. Qualquer desvio, ou interpretação diferente, é vista como uma aberração. O diálogo é substituído pela disputa, a argumentação pela guerra das palavras e dos egos.
A falta de diálogo não será o problema mais sério que o país enfrenta. Mas que é um problema, disso não tenho dúvidas.
Escrita com dentes, capaz de morder os adversários e de atrair leitores, não falta nas nossas colunas de opinião.
O que falta, e muito, é juntar aos dentes uma boa dose de miolos. Morde-se a torto e a direito, mas sem a reflexão necessária. Sem a profundidade e os prismas de análise que os temas exigiriam. Como se cada questão não devesse ser tida em conta a partir de vários ângulos, esquecendo-se deste modo que a vida é mais complexa do que umas dentadas no adversário. E do que umas penadas no assunto.
Assim temos estado a criar uma opinião pública que se baseia apenas em sobressaltos emocionais e preconceitos.
A intolerância e o sectarismo são os dois pilares do debate político em Portugal.
Debate-se para atacar. Raramente é para encontrar posições comuns. Isto é próprio das discussões de paróquia, ou de capoeira, das querelas entre caciques. Expressa bem o narcisismo intelectual que caracteriza muitas das nossas personagens públicas. E a falta de profundidade, de substância e de ideais verdadeiramente patrióticos e progressistas.
Temos um cronista conhecido que escreve todas as semanas no Público. Por mais diverso que seja o tema, o fulano acaba sempre por malhar forte e feio em Passos Coelho. É assim uma espécie de obsessão. Mas é uma mania de baixo valor. Primeiro, porque bater no antigo Primeiro-Ministro é coisa corrente, que muitos fazem há vários anos. Não vale a pena estar constantemente a chover no molhado. Depois, porque esse cronista até sabe umas coisas, mas a repetição permanente dos ataques acaba por lhe tirar altura. Dá a imagem de um indivíduo que tem umas contas por ajustar e que não consegue saldar a coisa. Um doente crónico do passismo, diriam alguns.
Em política e em matéria de opinião, a sabedoria é bater uma vez ou outra e depois passar-se ao lado. Há vida para além dos rancores antigos. Assim se distingue o pequenino do grande.
A minha neta fecha a conversa, quando vê que eu pretendo não estar a perceber, com uma expressão bem típica: laisse tomber, ou seja, esquece! São os seus seis anos de vida que lhe dão esse tipo de sabedoria.
E eu aprendo.
Por exemplo, quando leio o que certos intelectuais escreveram no Público de hoje, limito-me a concluir que não vale a pena insistir, é mesmo para esquecer.
Dirigentes políticos nacionais, com voz nos secretariados partidários e na comunicação social, continuam a acreditar que existe uma “doutrina “ europeia que defende o “empobrecimento colectivo” de cidadãos dos Estados membros. Nessa versão, o que aconteceu em Portugal nos últimos anos foi a “aplicação” dessa referida “doutrina”.
Tudo isso é mera fantasia. Os países mais ricos da Europa querem, isso sim, que os restantes tenham um poder de compra mais elevado. Precisam que haja prosperidade um pouco por toda a parte da EU.
Primeiro, porque um poder de compra mais elevado faz aumentar o consumo. Ou seja, é benéfico para todos, incluindo para os países como a Alemanha que produzem muitos bens que outros compram. Quanto maior for a capacidade média aquisitiva dos portugueses, espanhóis e outros, mais bens alemães e de outros cantos da Europa se vendem.
Segundo, porque a estabilidade da União assenta na prosperidade do conjunto dos cidadãos europeus. Esta verdade é uma evidência aceite pelos principais líderes do nosso continente. Uma Europa de disparidades muito acentuadas não tem futuro, acabará por se desagregar.
Há quem responda, então, que os países mais poderosos querem que haja uma mão-de-obra barata, noutros cantos da Europa. Já terá sido assim. Agora, com a deslocalização das indústrias e dos serviços para outras partes do mundo, onde o trabalho é de facto mais mal remunerado, e onde os impostos sobre as empresas são relativamente suaves, a questão do preço da mão-de-obra europeia já não pesa o que pesava.
O que a Europa quer é trabalhadores altamente qualificados e produtivos. São as qualificações profissionais e os níveis de produtividade que fazem a diferença.
Quem anda por aí a apregoar a tal “doutrina” não sabe do que está a falar. Intervém e vê o mundo com base em slogans. É tão burro que até acredita no que repetidamente diz.
Os intelectuais de serviço, neste estranho país que é o nosso, continuam a primar pela superficialidade e a acreditar num mundo que já foi. São produtores de ideias reacionárias com sabor a radicalismo progressista.
Os directores dos jornais e das televisões, que pertencem o mesmo clube de aldeões iluminados, dão-lhes guarita e amparo.
E assim se forma uma opinião pública que nada tem que ver com a modernização da sociedade e a responsabilização de cada um de nós. Uma opinião que vê nos outros a culpa de todos os seus males.
Alguns dos nossos desnorteados públicos continuam a dizer e a escrever que a Europa não tem uma visão geoestratégica, que anda por esse mundo às apalpadelas e ao sabor dos ventos mais fortes. Não é verdade. A UE tem hoje um serviço de acção externa de alto calibre, experiente, pertinente e capaz de propor direcções estratégicas. Tem também um novo tipo de competências em matéria de análise de conflitos e de identificação de crises potenciais. Nessa área, desenvolveu recentemente um quadro metodológico que tem servido de modelo para os estados membros mais atentos.
O problema é outro, quando se trata da política externa europeia. Os principais estados têm interesses internacionais que nem sempre coincidem uns com os outros. E por vezes não é possível chegar a uma plataforma comum. Daqui resulta, para os observadores menos sérios ou menos atentos, ou para os nossos demagogos, uma imagem de falta de direcção. Ora, não é bem assim. Às vezes, há direcções a mais, opções distintas e todas elas suficientemente pertinentes.
O caso da Rússia tem sido um bom exemplo de acordo estratégico entre os estados membros. Mas é cada vez mais um processo arrancado a ferros. E isso acontece não por falta de inteligência política, mas porque os interesses dos países são muito distintos, quando se trata desse grande vizinho da Europa.
Alguns “pensadores” da Direita portuguesa gostam de ir buscar ideias e inspiração ao Financial Times (FT). Depois, publicam uns textos de opinião, que pouco mais são que um aportuguesamento do que lerem no diário conservador inglês.
Como o FT publicou esta semana dois ou três textos de comentário contra Jean-Claude Juncker, opondo-se à sua candidatura à presidência da Comissão Europeia, os nossos brilhantes homens de ideias de Direita lançaram-se ao ataque do luxemburguês. Um deles até escreveu que Juncker vem de um micro-Estado e por isso não tem condições para estar à frente da Comissão. À falta de melhor argumentos, saem coisas deste género.
Na ânsia de copiar os conservadores ingleses, esquecem-se dos interesses de Portugal. O Luxemburgo é um país que acolhe uma vasta comunidade imigrante portuguesa. Juncker foi sempre a favor da presença portuguesa no seu país. Defendeu a nossa imigração durante os muitos anos que esteve à frente do governo do seu país. É, além disso, um político europeu que gosta de Portugal e que compreende que a Europa só se construirá se houver um equilíbrio entre o Norte e o Sul.
Sem deixar de mencionar que Juncker defende uma grande coligação com a família socialista europeia. Ou seja, entende bem que a Europa também só é viável se tiver uma base de apoio político muito vasta.
Mas, para a nossa inteligência de Direita, nada disso conta. O que é importante é parecer esperto, contrário e alinhado com as posições do FT. É uma inteligência sem visão, pobre e pobre de espírito.
José Medeiros Ferreira, que hoje faleceu, foi um intelectual íntegro e um homem inteligente, que soube amar Portugal com os olhos abertos, mas sempre pela positiva. Independente na maneira de pensar e franco de fala, Medeiros Ferreira tornou-se num paradigma do que acontece aos melhores de entre nós: os partidos excluíram-no da governação e da participação na vida política. Foi, polidamente, marginalizado. Felizmente, Medeiros Ferreira não era um homem que se deixasse abater. Utilizou a escrita, o ensino e a comunicação social como meios de intervenção. E assim contribui para um país melhor.
Hoje só podemos dizer-lhe que ficámos muito gratos.