Há uns sete ou oito anos atrás, foi produzido um filme de animação com o título de “Elefante Azul”. A narrativa era simpática: um jovem elefante, bem azul e com olhos grandes, que ia dando os primeiros passos na vida e com eles, encontrava os primeiros desafios ligados à amizade, ao amor e ao dia-a-dia de quem anda pela floresta de todos nós. Foi um filme cativante, embora todos percebessem que não existem elefantes azuis e que o paraíso terrestre é um pouco mais complicado.
Lembrei-me do “Elefante Azul” e da fantasia a ele associada, ao pensar na atmosfera em que muitos dos nossos comentadores políticos resolveram agora passar a viver. Assim a política torna-se mais simples. E mesmo não sendo, no nosso caso, muito “azul”, dá, no entanto para muitas historietas e muita palavra. Seria, como a visão que temos, um “elefante a preto e branco”.
Depois de duas longas ausências, duas viagens por países imaginários, que é assim que se discutem as questões estratégicas de defesa, eis-me de regresso a Lisboa, por uns dias. Depois, será a migração do Outono, a caminho do centro da Europa.
Encontrei um país à espera. E uma situação curiosa. O político que a maioria dos portugueses achou que não tinha perfil para primeiro-ministro encontra-se agora no centro das iniciativas. É uma jogada inteligente. Na nossa ordem constitucional, o que conta é reunir uma maioria de deputados na Assembleia da República. E na realidade da nossa precariedade económica e social, o que interessa é a estabilidade governativa. As diferenças programáticas, quando ninguém tem a maioria, terão tendência para se esbaterem. É tempo de compromissos. Para todos os lados, enquanto se procura uma solução.
Noutros horizontes, teríamos aquilo que muitos apelidam de uma “grande coligação”. Por aqui, os enredos são outros. Veremos. Com serenidade, que o mundo não acaba hoje ao fim do dia.
António Costa demonstrou ter uma capacidade rara para conseguir o que parece impossível em política. Veja-se. Qualquer observador imparcial diria que seria impossível ver o PS perder as eleições. António Costa conseguiu perdê-las. Agora, dir-se-ia que uma aliança de governo com o PCP seria pura e simplesmente impensável. Seria uma união da pequena burguesia que o PS representa com os órfãos de uma época que já não conta para o futuro.
Ora, António Costa acaba de passar uns bons momentos com os dirigentes do PCP e, no final, disse que talvez seja possível chegar a um acordo. O homem acredita, de facto, no impossível e tem jeito para perder tempo e procurar moinhos de vento. Ou então, anda lançado numa fuga para a frente, que a realidade que o rodeia é bem dolorosa.
Só que, nos tempos que correm, até o absurdo se torna possível. Não convém, por isso, nesta fase, dizer que dessa água não beberei.
O debate político de ontem à noite, transmitido por um canal de televisão que faz parte dos pacotes pagos – e por isso de acesso reduzido –, lembrou-me uma vez um dos aspectos singulares de Portugal, enquanto Estado da UE. Em que outro país da Europa existe um partido comunista como o PCP e com o seu peso eleitoral?
Fora isso, o debate mostrou que o PCP e o Bloco de Esquerda têm políticas que não permitem pensar numa qualquer aliança com o PS. As discordâncias dizem respeito a questões fundamentais, nomeadamente em matéria de obrigações europeias e de política externa. No caso do PCP são inultrapassáveis. O Bloco pareceu-me ser ligeiramente mais flexível. Mas mesmo assim, não vejo qualquer possibilidade de acordo entre o BE e o PS.
A liderança socialista deveria ter essa impossibilidade em conta e falar claramente sobre o assunto, durante a campanha eleitoral.
Uma das características marcantes da Esquerda portuguesa é a sua fragmentação. As divisões resultam de uma notória falta de liderança combinada com a inexistência de um projecto credível e agregador. No meio de tudo isso, existe um Partido Socialista às aranhas e um Partido Comunista amarrado a uma visão impraticável da sociedade e das relações de Portugal com os seus parceiros naturais.
Por isso vamos ter, nos próximos meses, no que respeita às eleições presidenciais do próximo ano, mais candidaturas à esquerda.
Um líder forte não deixa arrastar as situações nem permite que outros o tentem fazer.
Quando é atacado, responde de imediato e de maneira resoluta, que estas coisas da liderança não se compadecem com longos períodos de indefinição. Quando o poder está em jogo, a experiência de trabalho com políticos de muitos cantos do mundo ensinou-me que a regra a aplicar é muito simples: ou vai ou racha!
Por outro, quem resolve pôr em causa o líder no poder tem que mostrar uma grande determinação, ferrar bem as canelas do adversário e não largar enquanto a disputa não estiver resolvida.
Estamos num momento que exige atitudes positivas e construtivas. Deixo, por isso, a crítica negativa para outros.
A declaração feita pelo Presidente da República terá os seus adeptos e os seus detractores. Mas tem, pelo menos, o mérito de pôr em evidência a gravidade da situação económica e social em que nos encontramos e de mostrar que não existem soluções simples nem tradicionais para a crise. Os partidos devem, de facto, procurar chegar a um compromisso alargado, tão amplo quanto possível. Um compromisso histórico para um momento histórico. Sem ressentimentos, com os olhos postos no futuro, não no passado. Ao responderem ao apelo, os dirigentes políticos terão a oportunidade de mostrar por que bitola vão querer ser medidos: a partidária, das vantagens de grupo e de clientelas, ou a do interesse nacional.
Um compromisso que deve igualmente mobilizar as organizações representativas dos interesses económicos e sociais, incluindo os principais movimentos sindicais.
A sondagem, que a edição de hoje do jornal i revela, mostra-nos que 32,7% dos eleitores portugueses votariam agora pelo Partido Socialista. Este resultado seria insuficiente e não permitiria ao PS governar sozinho. Ou seja, a haver eleições agora, teríamos que enfrentar um período de incertezas, com Seguro a negociar à direita e à esquerda. Com o programa de ajuda financeira em execução, o mais provável seria o aparecimento de uma coligação PS-CDS, que reúne actualmente 9,5% das intenções de voto. Uma mistura deste tipo não seria novidade, mas teria certamente as suas fragilidades.
Poder-se-ia igualmente pensar numa aliança governativa PS-BE. O BE teria mais ou menos o mesmo número de votos (9,4%) que o CDS. No entanto, na cena europeia que hoje prevalece, um governo desse tipo encontraria sérias dificuldades no seu relacionamento com os países líderes da UE.
Na sondagem, a extrema-esquerda (CDU mais BE) soma 22% das preferências. É um valor alto, que mostra bem que a situação presente tem levado à radicalização de muitos portugueses.
Continuo com a impressão que muita gente não entende ou talvez não queira entender que a situação em que Portugal se encontra – gravíssima – tem raízes profundas. Não vem de agora nem do passado recente, mas sim de um acumular, ao longo de décadas, de erros políticos e de fraquezas estruturais.
Por isso, quem pensa que a situação se resolve com mais do mesmo e sem modificações profundas na nossa maneira de organizar a vida pública, a economia e a sociedade, está bem enganado. Ou, simplesmente, não tem a coragem necessária para dizer a verdade.
Como também anda de olhos fechados quem pensa que isto se resolve em meia dúzia de anos, digamos, numa década. Convém, no entanto, começar a tratar das questões quanto antes…
É igualmente falacioso acreditar que a solidariedade europeia, se for restabelecida, será a solução dos problemas. É verdade que precisamos dos outros. Mas a história dos anos que se seguiram à adesão de Portugal à União Europeia mostra que a solidariedade, que nessa altura existiu, não é suficiente para resolver os nossos défices estruturais. É preciso um empenho nacional e uma direcção política esclarecida e patriótica.
Sem o nosso empenho a sério e sem uma classe política à altura, o atraso vai continuar a ganhar raízes mais vastas e mais profundas.
No seguimento do que escrevi ontem, queria deixar claro que não compreendo a euforia politica que a decisão do Tribunal Constitucional tem criado, nalguns sectores da nossa opinião pública.
A decisão, cujos méritos não ponho em causa, tornou claro que existe uma profunda crise política em Portugal. O governo ficou com uma autoridade fortemente abalada. A oposição, por seu turno, e por si só, não parece ser alternativa. Mas, mais importante, vamos ter que encontrar argumentos de peso para que possamos ter uma negociação efectiva com os representantes dos nossos credores, numa altura em que a nossa economia não responde, a opinião pública não aceita as reformas do Estado que são necessárias, e as receitas fiscais ficam muito aquém das despesas que esperamos o governo faça.
Tudo isto num contexto europeu que é muito pouco flexível, numa altura francamente desfavorável, em que quem decide, na Europa, não está disposto a fazer concessões. Antes pelo contrário. Quem manda pensa que chegou a hora da verdade, das clarificações, da separação do trigo do joio, de refundação da Europa.
Ou seja, estamos, isso sim, a viver uma crise nacional profunda. Que não se compadece com euforias. Nem com ligeirezas. Nem clubismos. Nem ódios pessoais. Exige, sim, um vasto movimento de unidade e muita chama patriótica. Como também pede gente firme, que seja capaz de falar com a Europa de maneira que possamos ser ouvidos.
O oposto da euforia não é ansiedade. A verdadeira alternativa passa pela mobilização de todos nós.