Lá fui a Goz Beida, para tranquilizar a comunidade humanitária. Os rebeldes estão na zona, um ou outro campo de refugiados já foi visitado pelos homens armados. O governo organizou esta tarde uma ofensiva aérea, o que atrasou a minha partida de Goz Beida -- não convém voar quando está a chover metal, metralha grossa, a cair de forma bem cerrada.
A aterragem ainda esteve para ser a pique, para minimizar os riscos. Levantámos voo virando logo para Oeste, que a Leste está a fronteira, a Norte, a base aérea do governo e a Sul, a zona onde estavam a cair prendas do céu.
Mais um dia com uma certa agitação. Sobretudo, porque andar de avioneta onde os caças andam à procura de presa faz um bocadinho de comichão atrás das orelhas.
Este bicho, apanhado ao acaso dos meus andares, passa a vida à janela, como qualquer senhora dos prazeres, no distrito vermelho de Amesterdão. Mas tem um modo de vida mais ingénuo. Mais ainda. Não é candidato às eleições europeias, embora pense que a abertura das fronteiras tornou a vida de cão que muitos de nós vivemos um pouco mais fácil. Quando se está farto de sofrer em Portugal, na miséria da nossa ignorância que se ignora, tenta-se recomeçar a vida noutros Luxemburgos, à trela dos interesses locais. É tudo uma questão de andar à procura do osso, que o bife está pelas horas da morte.
Conta-se nas terras secas que as formigas estavam cansadas de ver o seu formigueiro espezinhado, com regular frequência, por manadas de elefantes. É verdade que o formigueiro ficava muito à beira do trilho habitual dos elefantes.
Um dia, uma formiga mais ousada e expedita, certamente um bicho com cabeça, mas agindo à revelia das suas colegas, resolveu aproveitar a passagem da manada para subir por uma das pernas do elefante alfa. Tinha que chegar à orelha do líder do grupo e explicar-lhe, bem no ouvido, que certos líderes têm dificuldades em ouvir, que o caminho que esses grandalhões estavam a seguir era contra o interesse das formigas. Tudo seria uma questão de o aconselhar a desviar de rumo.
A vida é como é. Mesmo para uma formiga sem medo, caminhar ao longo de um elefante é um percurso longo e com riscos. Nesta lenda, conta-se que a dada altura o paquiderme resolveu, como acontece muito frequentemente, roçar-se contra uma árvore. É uma maneira de limpar a pele, matando os parasitas que todos os animais de porte atraem, e escovando a lama que entretanto, seca, se colara ao corpo. A lama faz parte da vida do bicho grande.
Segundo parece, a formiga foi apanhada entre o tronco da árvore, um pau duro como é usual encontrar nestas terras sem dó, e o lado esquerdo do elefante alfa. Quando este tipo de acidente tem como protagonista uma formiga, os pormenores do acontecimento não fazem parte da história.
O recado nunca chegou à orelha do líder. E as formigas continuam a reconstruir o seu formigueiro de tempos a tempos.
No Dia da Liberdade, é importante dar asas à imaginação e montar o cavalo que nos faz sonhar. Portugal precisa de gente que tenha a coragem de pensar em novas conquistas. Gente sem medo, capaz de cavalgar para além de Alcochete e dos escândalos que nos consomem e nos distraem
Estas são imagens do meu bairro no Norte. Tiradas ontem, antes da viagem para África. Deixei a Primavera na Europa. Um tempo que faz bem à tranquilidade do espírito. A estação dos sonhos que se renovam. Os políticos precisam de voltar a aprender a ver a Primavera.
Em tempos de Páscoa, é bom esquecer a política. É que a política, tal como a praticamos nesta terra, precisa de pausas sanitárias, de vez em quando. Sobretudo quando o país está de dar em doido.
Pausa. Que viva o sonho das cores que alimentam a esperança.
Este quadro, pintado há 25 anos pelo artista moçambicano Mankeu, e que faz parte da minha colecção pessoal, deveria ter sido exposto na sala de Londres onde o G20 se reuniu. Para que quem manda não se esqueça do sofrimento de quem só tem a pobreza como companhia.
Ter uma visão ampla da vida, mesmo na rotina do dia-a-dia, dá-nos uma certa paz de espírito e uma perspectiva de conjunto. Vê-se a floresta. E os jogos de cores e contrastes.
Chego a Lisboa vindo do Norte da Europa, desvio-me por Benfica, para fugir ao engarrafamento da Segunda Circular, corto por ruas com lixo e pedaços de jornais a voar no vento forte do desleixo e incompetência da Câmara Municipal do senhor Costa, chego a casa a tempo de ver que o prato forte das notícias é o Portugal do Freeport, com engenhocas que sabem a alta corrupção, mas não há problema, diz-me depois quem conhece bem a justiça portuguesa, que mais Freeport menos Freeport, mais lixo menos lixo, tudo acabará como de costume, nas memórias esquecidas de uma classe que finge que é dirigente, e de um pequeno povo que passa os tempos livres nos Centros comerciais dos arredores da vida.
Morrer ao sair dos Correios de Oeiras, no meio do mato que são os arredores de Lisboa, baleado por gangsters rafeiros à caça de meia dúzia de Euros, quando no Freeport ninguém é atingido, nem cai de vergonha, e quando nenhum professor é avaliado, nem tido nem achado, com o Isaltino da mesma Oeiras a dizer que não se reconhece no monstro que o Procurador pintou no tribunal, não será certamente por estar mais gordo, e sem ter a certeza de que haverá um dia um novo Provedor de Justiça que o ouça, caso necessite, que o que se passa com essa tachada só mostra a falta de diálogo e bom senso políticos, mas não haja pressas, que o escândalo do BPP, sem esquecer todos os outros, continua a navegar em águas cinzentas e nevoeiros intensos, que a falta de sentido de urgência também não nos permite avançar com os grandes projectos de obras públicas, com aquele Lino do deserto a ficar preso nas confusões dos aeroportos que não arrancam, e a senhora dos sociais-democratas a dizer que auto-estradas nos tempos de crise só nos fazem chegar mais depressa à bancarrota final, e as barragens servem apenas para que nos afoguemos no lodo da vida pantanosa que se reúne todos os dias na Assembleia da República, agora com mais brinquedos electrónicos, para distrair o pessoal que dormia nas bancadas, com tudo isto mais vale tomar um calmante, que cair doente num dos hospitais desta santa terra, agora com mais um santo Nuno a fazer negócio, é muito má ideia, e leva à vala ao lado da do senhor que caiu hoje à porta de um país que se perde todos os dias.