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Vistas largas

Crescemos quando abrimos horizontes

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Crescemos quando abrimos horizontes

Terras sem fim

 

Copyright V. Ângelo

 

Passo uma boa parte do meu tempo dentro desta máquina. Não consigo explicar a relação que tenho com este Learjet, sinto-me apenas obrigado a utilizá-lo. Rentabilizar, talvez seja essa a palavra.

 

As Nações Unidas, ao colocarem à disposição pessoal de gente como eu um brinquedo deste tipo,  eu que decida o quero fazer com este bicho muito rápido e muito prestigiante,  encontraram a maneira mais eficaz de nos escravizar. Quando se tem um jet à porta de casa, quem diz que não a todo o tipo de deslocações?

 

Sinto-me um escravo deste pássaro metálico.

 

E dos helicópteros.

 

Ontem e hoje, passei a minha vida fechado nestas coisas. Voámos para Birao, passámos a noite na tenda que já revelei neste espaço, depois fomos de helico, esta manhã, para Haraze-Mangueigne e para Daha, zonas de refugiados, e já ao fim do dia, voltámos a Birao, voando sobre a parte desértica da RCA, numa zona infestada de rebeldes, para seguir depois para N'Djaména.

 

No voo de regresso, até os meus polícias morriam de sono.

 

Há quem diga que temos uma vida invejável. Que andamos por sítios onde mais ninguém, vindo de fora, põe os pés. Talvez. Não há, de facto, muita gente que ande por estas terras onde os tiros são o meio de comunicação mais usual. Mas o que me faz inveja, quando estou cansado como hoje, depois de muito andar, de falar com funcionários jovens das ONGs e da ONU, que vivem no meio de cobras, às dezenas, nas camas, nos lençóis, debaixo da mesa, nos corredores, nas latrinas, animais estranhos que congelam o sangue dos mais bravos, é a paz de alma que os meus amigos possuem, aí, pelas terras do Norte do mundo, quando se perdem nos shopping centres e nos Ikeas e pensam que os problemas do mundo são os definidos pelos Sócrates, Louçãs, Portas, Jerónimos e uns senhores de um partido que vive à deriva. Sem contar os alegres e mais, os sombrios do cavaco seco.

 

Permitam-me, por favor, que me sinta um pouco diferente, esta noite.

Os fumos cinzentos de Bangui

 

Ao chegarmos a Bangui, não havia visibilidade. As queimadas nos arredores da cidade enchiam o horizonte de fumo. Não deixavam fazer a aproximação ao aeroporto. Andámos cerca de vinte cinco minutos às voltas. A paisagem é linda, mesmo tendo em conta que a floresta equatorial já está muito desbastada.

 

Tínhamos que encontrar uma abertura. Era importante ter as reuniões que haviam sido programadas para o dia.

 

Os pilotos sabiam que esta era uma missão decidida à última hora, necessária devido à gravidade da situação junto da fronteira. Acabaram por conseguir pôr as rodas na pista.

 

Começámos com a representante de Guterres em Bangui. Uma senhora senegalesa muito decidida. Tinha estado em contacto com Genebra e preparado a nossa visita com o ministro centro-africano que se ocupa da matéria. Vamos mudar o campo de sítio, transpor os mais de três mil refugiados ainda mais para o interior do país? Não significa isso ceder à chantagem de um grupo armado influente? Enfim, uma discussão a sério sobre questões muito sérias.

 

Depois, foi a vez das ONGs que têm sido mais atacadas na região. Uma delas tem dois dos seus funcionários raptados há mais de um mês. Assuntos relacionados com sequestros são muito delicados. Mas concluímos que há esperança.

 

Fomos para o Ministério da Defesa. O ministro é filho do Presidente. Como de costume, recebeu-nos bem, mas com uma conversa muito vaga. Fora do assunto principal. Um longo discurso, sobre um tema que não estava em cima da mesa. Penso que queria reservar o diálogo para a discussão que iríamos ter, de seguida, com o seu pai.

 

A Presidência cheirava a férias de Natal. Não havia a azáfama habitual. Os conselheiros, gente de idade muito acima do respeitável, não andavam pelos corredores, como é habitual. Tivemos uma reunião muito pormenorizada. O Presidente Bozizé quis percorrer cada assunto com tempo. Uma digressão. O essencial é que as mensagens que tinha pensado transmitir-lhe foram dadas, repetidas, e sublinhadas. Houve tempo e ambiente para se ser claro.

 

Nestas coisas, cada um tem as suas responsabilidades. Cada um responde pelas suas. Fiz a minha parte.

 

Antes de voltarmos para o aeroporto ainda houve tempo para ver o técnico que se ocupa do programa de desmobilização dos combatentes irregulares. Rebeldes, diria o leitor. Um velho coronel francês, que já viu muitas. Veremos se consegue ver esta, que é bem complicada. Há homens armados por todos os cantos desta casa grande, fumarenta e de pouca visibilidade.

 

O voo de regresso a N'Djaména foi um martírio. O céu estava limpo, mas correntes de ar quente abanavam o nosso Learjet. Parecia que estávamos na turbulência da política portuguesa.

 

Claro que depois disso, só se pode estar cansado e com uma dor de cabeça.

A dúvida faz bem à saúde

 

A dúvida está presente no meu quotidiano. É fundamental dar espaço à dúvida, para que a compreensão do que nos rodeia se torne mais clara.

 

Neste tipo de vida, o que parece nem sempre é. Há, tantas vezes, um grau de incerteza sobre a realidade de um facto. Com a experiência, aprendemos a ir para além das aparências. Das interpretações simples. Que pode estar por detrás de um incidente, de uma declaração, de uma acção militar, de uma abertura política? Será que nos querem fazer crer em determinada coisa, tomar uma determinada direcção, quando a realidade é outra?

Os serviços secretos e os meios de comunicação social são muito dados à fabricação de factos. E de boatos, de medos, de papões.

 

Estou, neste momento, a lidar com alguns deles.

 

Não convém, no entanto, cair na teoria da conspiração, que vê um enredo em toda a parte, como acontece muitas vezes em regimes totalitários. E nas mentes simples.

 

Hoje cerca das 10:30, os militares das FACA (Forças Armadas Centro-Africanas), acampados em Sam Oundja, entraram em parafuso e começaram a disparar uns contra os outros. No final do tiroteio, havia quatro mortos para enterrar e dois feridos graves. Um dos militares mortos foi o comandante do contingente, um jovem tenente. Tinha passado uma parte do dia de Terça-feira a negociar com ele. Achei-o um homem inteligente e carismático. Tinha vindo para Sam Ouandja, com os seus homens, para uma expedição de três meses, e já ia em nove...Estava desejoso de voltar para Bangui, o que iria acontecer dentro de um ou dois dias...

 

O meu conselheiro político principal, que também o conhecia, disse-me que, nestas terras, o carisma não protege das balas.

 

É verdade. Mas ser prudente, ter dúvidas, ver bem todos os ângulos, ajuda muito.

 

Se se abre bem os olhos, fica-se mais sábio, cada dia que passa.

Paz de Natal

 

O pobre do camelo não teria cornos mas a sua carne era rija como os ditos.

 

E muito mal temperada. Não dava para disfarçar.

 

Uma ceia de Natal diferente.

 

Com a situação na área das nossas operações, na RCA, a ficar cada vez mais violenta, incluindo o risco acrescido de raptos de Ocidentais, o desejo desta quadra é que haja tranquilidade e respeito. Duas características pouco frequentes, nas terras que frequento.

 

E ainda há quem diga que o pessoal dirigente da ONU são uns meros burocratas...

 

Fora isso, e esquecendo a comida, um bom Natal.

 

 

Sam Ouandja, uma cidade ecológica

 

Hoje, Sam Ouandja teve um novo tipo de visitas. Ontem, foi a minha vez. Ainda tenho que escrever sobre essa missão. Agora, foi um grupo rebelde rival, que resolveu, esta manhã, atacar os combatentes do UFDR. Cada grupo representa uma etnia vizinha, inimiga nas horas más, detestável, nos tempos mais serenos.

 

Foi uma confusão de morteiros, rajadas de kalash, gritos, a população civil a fugir para o mato, os meus soldados a tomar posição à volta do campo de refugiados.

 

No final dos combates, os assaltantes retiraram-se, levando consigo as duas únicas viaturas que existiam na cidade e que pertenciam às ONG Triangle e IMC ( International Medical Corps). Os ecologistas diriam que temos agora uma localidade sem carros. É verdade. Mas não sei se este facto entra nos planos da Conferência de Copenhaga.

 

Acabei por ter que proceder a uma evacuação do pessoal humanitário. Mandei dois helicópteros. Mas a lista de passageiros a evacuar e o grupo que nos esperava na pista não coincidia. Alguns humanitários tinham feito umas "amizades" locais e queriam levar as moçoilas amigas...Os pilotos, Russos que são, não tinham instruções para tanto. E, por isso, estavam prestes a levantar voo, de regresso à base, sem trazer ninguém...O meu conselheiro político principal, homem velho e sabido, que compreende bem a natureza humana e a força da vida, encontrou finalmente uma solução...

 

Só que com a demora, os helicópteros já não tiveram tempo de ir buscar um outro grupo de gente a evacuar, a cerca de cem quilómetros a Norte de Sam Ouandja.

 

É uma tarefa para amanhã. São quatro, sem contar com as companhias possíveis...A vida no mato não é só feita de espinhos...

Cada ser humano é um diamante

 

Estou cansado.  Viajei cerca de dois mil quilómetros, num dia que começou muito cedo, era ainda noite cerrada, para ir negociar com homens armados, gente muito violenta. São cem, neste sítio, têm estado a ameaçar de morte e destruição uma quinhentas famílias de refugiados provenientes do Darfur. Ameaçam igualmente muitos dos civis que vivem na zona.

 

As negociações tiveram lugar em Sam Ouandja, na República Centro-Africana. Tenham a paciência de procurar no Google.

 

Voltarei ao assunto. Que é muito grave. Está em causa a vida de muita gente, em terras isoladas, é verdade, são três a quatro dias de viagem com o todo-o-terreno, desde a capital do distrito, 120 marcos a Oeste, oito dias às cavalitas de um burro, a partir da fronteira com o Darfur. Os diamantes e o ouro, que são explorados artesanalmente na região, explicam muita coisa.

Viagens e conflitos

 

A visita de Luís Amado ao Chade, prevista para amanhã e Segunda-feira, incluía uma volta por um campo de refugiados, o maior e numa zona perto da fronteira com El Geneina, um importante centro urbano, no Sudão.

 

Por razões de última hora, completamente justificadas, o Ministro não pode fazer a viagem. Terá que ser em Janeiro.

 

Entretanto, está em preparação a minha viagem a Sam Ouandja, uma localidade 200 quilómetros ao Sul de Birao. É a ponta Sul da área de intervenção das tropas da MINURCAT. Uma região de refugiados sudaneses e de homens armados, pertencentes ao grupo rebelde centro-africano conhecido como UFDR. As duas partes estão em conflito. Com violência e com casos de morte. É uma terra com diamantes e caça grossa. São dois recursos naturais que levam a grandes disputas. Não há segredo. Trata-se de ver quem controla as riquezas. Lá como por cá. 

 

 

Violências

 

A ameaça de represálias contra os refugiados do campo de Sam Ouandja continou a ocupar as atenções de todos: governo, Nações Unidas, agências humanitárias. Os rebeldes exigem que o campo seja mudado para uma outra região da República Centro-Africana. Dizem que vão bloquear os acessos ao campo, impedir a passagem dos camiões do Programa Mundial de Alimentos. Na verdade, não querem estes refugiados nas suas terras, por razões tribais. É o problema das identidades e das diferenças. Quando há instabilidade, gente diferente faz medo.

 

Tive que enviar 18 militares para a zona. Amanhã irão mais. São tropas de elite, mas não tenho muitas, que o Conselho de Segurança só me autorizou um pequeno número de soldados nesta região, vasta e abundante em problemas. Um dia terei que contar as razões desta decisão do Conselho.

 

Tornei público um comunicado, para lembrar que todas as acções de violência contra os refugiados e os agentes das ONGs e da ONU caiem no âmbito da lei humanitária internacional e das violações dos direitos do homem.

 

Veremos.

 

Entretanto, mal tive tempo de ver a tragédia em que a Grécia se encontra. Os jornais falam já dos países da zona euro que estão com problemas fiscais semelhantes. Portugal aparece na lista. Estes factos vão ter um impacto sobre o euro. Mostram, por outro lado, que a disciplina macroeconómica da área do euro está de pantanas. Quando esta disciplina falha, o que se pode seguir é ainda pior.

 

Vi, no entanto, o drama pessoal que Berlusconi está a viver. As imagens foram repetidas por toda a parte. Uma vez mais, convém reafirmar que nada justifica a violência contra as pessoas. Nem em Sam Ouandja, no meio das florestas mais fechadas, na fronteira com o Darfur, num mundo que continua embrutecido, nem em Milão, às portas da moda e das catedrais que nos esmagam.

A guerra está aberta aos Domingos

 

Uma coluna rebelde, de cerca quarenta homens, está a movimentar-se, em direcção ao campo de refugiados sudaneses de Sam Ouandja, situado a cerca de duzentos quilómetros ao Sul de Birao. Dois combatentes foram assassinados ontem no campo. Receia-se que este movimento tenha que ver com uma possível retaliação contra os refugiados, a quem acusam de ter morto os seus camaradas.

 

Entretanto, o chefe desta rebelião, Damane, foi contactado hoje. A mensagem que lhe fizemos chegar é que qualquer violência contra os refugiados é inaceitável e não resolve o problema da justiça que precisa de ser exercida.

 

O grupo de Damane, o UFDR, é um aliado do governo de Bangui. Por isso, pedimos ao governo que passasse a mensagem.

 

Amanhã teremos cerca de vinte capacetes azuis junto ao campo. Militares de elite togoleses. Com ordens claras para que não deixem espaço para nenhuma acção violenta por parte de grupos irregulares.

 

Esquecemos de lembrar aos rebeldes que hoje é Domingo. É verdade que não há tradição de combater de noite, aqui nestas paragens. Diz um dos meus conselheiros que a guerra fecha às seis da tarde, para a oração do fim do dia e para descanso. Mas não fecha aos Domingos.

 

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