Este novo ano foi anunciado com preocupação. E está a começar de modo preocupante.
O xadrez de crises no Médio Oriente está hoje mais complicado e imprevisível. A confrontação entre a Arábia Saudita e o Irão passou para um nível mais arriscado. E tem um impacto em toda a região, sobretudo na Síria, no Iraque e no Iémen. Mais a Oriente, as tensões entre a Índia e o Paquistão ganharam um novo impulso, com o ataque que acaba de ter lugar contra uma base da aviação indiana, na zona de fronteira com o país rival. Ainda mais a Leste, a rivalidade marítima entre a China e o Vietname agravou-se este fim-de-semana.
Na Europa, a questão das migrações levou a Suécia a adoptar medidas de controlo fronteiriço em relação a quem vem da Dinamarca por terra. Esta, por sua vez, apertou hoje as verificações na fronteira com a Alemanha. Fala-se de Schengen e dos riscos em que este acordo fundamental para a construção europeia se encontra. Talvez haja um certo exagero quanto ao futuro de Schengen, uma morte anunciada prematuramente, mas a verdade é que não surgiram ainda medidas comunitárias que nos tranquilizem.
E do lado russo, a retórica continua a não ser das melhores. As cabeças de quem manda em Moscovo continuam a ver as relações com a Europa e os Estados Unidos à moda da Guerra Fria. Ora, essa época já passou. Do lado Ocidental, já são poucos os que sabem o que isso queria dizer.
Quanto aos mercados, as bolsas entraram em 2016 com quedas acentuadas. Por causa da China, que está a crescer menos do que o previsto, e também por motivo das incertezas geopolíticas. Curiosamente, foi o mercado de acções alemão que mais perdeu, no conjunto da Europa. A razão é clara: as empresas alemãs estão em boa medida dependentes das suas exportações para a China.
O meu amigo Kanteh, que sobrevive das artes e ofícios mais diversos, tem uma obsessão: emigrar para a Europa. Vive na periferia da confusão que é hoje Dakar. Conheci-o há vinte e cinco anos, quando ainda havia emprego, esperança e um mínimo de disciplina institucional no Senegal, na Gâmbia e nos países vizinhos. O tempo passou. Trouxe a desertificação, o abandono das zonas rurais, a explosão demográfica, o caos e transferiu a miséria e o desespero para as grandes cidades. Para Kanteh e sobretudo para os mais jovens, a única ambição que conta é sair dali para fora. Por isso, telefona-me de tempos a tempos, desesperado, sempre a pedir que o ajude a emigrar para a Europa.
Voltei a falar com ele há dias. Está mais convencido do que nunca que desta é que vai ser. As notícias dizem que as portas se abriram. Expliquei-lhe, mais uma vez, que na nossa parte do mundo também há pobreza e muitas dificuldades. Não acredita. Para ele e para os que têm como horizonte a poeira do Sahel, a violência das megacidades africanas, a sistemática falta de respeito pelos direitos fundamentais das pessoas, a desumanidade dos campos de deslocados e de refugiados, a Europa é vista como o El Dorado. E, pela primeira vez, como um paraíso acessível, se a deslocação se fizer em grandes números.
Na verdade, as barreiras exteriores da UE têm agora várias brechas. E há outras que se abrem, como um dique que já não consegue conter a pressão das águas. A mais recente é a que passa pelo Ártico russo – obrigado, Vladimir! –, com entrada no espaço Schengen pelo extremo norte da Noruega. Temos, deste modo, um princípio essencial da soberania em derrocada, a proteção das fronteiras. Isto deixa muita gente importante com sérias dores de cabeça. Tenta-se, então, aplicar os remédios tradicionais. O problema é que um fenómeno novo, com muitos Kantehs a preparar as mochilas, requer um quadro de análise original e respostas viradas para a frente. É um erro tentar recriar o passado quando o futuro nos entra de rompante pela casa adentro.
Assim acontece ao nível do Conselho Europeu. Decidiu investir num pacote de medidas que deveriam permitir a repatriação à força de todos os que não forem reconhecidos como refugiados. A mensagem vinda de Bruxelas é clara: acelerem-se os procedimentos de expulsão. E também é óbvio o que está por detrás dessa diretriz. Primeiro, recuperar a unidade e a confiança entre os estados membros. Esta é, aliás, a preocupação central. Donald Tusk sabe que as divisões podem pôr em causa Schengen e comprometer muito seriamente a cooperação europeia. Para isso, é preciso mostrar determinação na defesa das fronteiras exteriores. Em segundo lugar, pensa-se que a deportação dos indivíduos considerados ilegais terá um efeito de desencorajamento, incluindo junto do meu amigo senegalês. Terceiro, o centrão europeu, ao mostrar determinação, procura tirar o tapete aos ultrarradicais da direita xenófoba, que estão a ganhar terreno à custa dos sentimentos anti-imigração.
Tudo isto é muito bem pensado mas pouco eficaz. A deportação em massa é um mito. Irrealizável, diz-nos a experiência. Existem já vários milhões de pessoas que vivem no espaço europeu sem autorização legal. Nem esses nem os que agora chegam irão ser expulsos, exceto num ou noutro caso, sem expressão significativa. A imigração veio para ficar. Há que enfrentar este desafio com clarividência, coragem e pela positiva.