Nesta altura pré-eleitoral, uma das perguntas que aparece em cima de algumas mesas tem que ver com o significado da democracia. Que queremos dizer, quando se fala na democracia que se pratica nos países europeus?
Para mim, democracia é a procura de inclusão, de consensos entre diferentes correntes de opinião, bem como um processo de construção de equilíbrios entre os interesses de várias camadas sociais. É, ao nível do quotidiano, um exercício permanente de comunicação clara e construtiva.
A democracia deve ser praticada pela positiva.
Não se trata de tentar excluir os outros. Não é uma espécie de guerra civil. Não pode ser um concurso de propostas demagógicas. Nem uma campanha de insultos.
Quem pratica a política pela negativa tem nos seus genes o embrião comum dos ditadores. E há muitos, em potência, por aí.
Há 98 anos, Portugal era um país pobre, pouco instruído e profundamente rural. Um país de servos, sem perspectivas, perdido na ignorância dos preconceitos de outrora e dirigidos por incompetentes políticos. Foi nesse ambiente que o meu Pai nasceu, numa aldeia de Pombal. Faria hoje anos. E veria agora um país diferente. Os políticos talvez não sejam mais competentes do que os de outrora. Nem menos oportunistas. Mas os Portugueses são hoje mais vivos, melhor preparados para enfrentar o futuro e mais abertos a todo um leque de ideias, para além da cartilha tradicional.
O massacre de fiéis em duas mesquitas de Christchurch, na Nova Zelândia, deixou-me horrorizado. Tem que ser condenado com convicção e sem qualquer sombra de reservas. Todo o tipo de violência é condenável. A violência em massa e de modo cego, levada a cabo por razões de diferença étnica ou cultural, é particularmente perversa. É um acto de terrorismo. Tem como objectivo criar um clima de medo colectivo e de intolerância.
Não me parece estratégico falar de populismos de um modo indefinido. O verdadeiro risco, a ameaça em vários países europeus, provém da extrema-direita. É essa gente que tem a possibilidade de chegar ao poder, se os contextos nacionais e europeu continuaram a não responder às ansiedades de uma boa franja dos eleitores. Por isso, o combate político deve ter como alvo principal esses movimentos. E deve ser feito de modo amplo, em aliança com todos os que se opõem ao ressurgimento das ideias xenófobas, racistas e fascistas.
Começou na Europa o fim-de-semana mais movimentado do ano. É a altura de partida de férias de muitos milhões de cidadãos europeus. E os próximos quinze dias são um período de afrouxamento da actividade económica. Esta é a normalidade de agora. E que não deverá ser destruída. Está profundamente enraizada na Europa, ao fim de cinco ou seis décadas de prática generalizada das férias pagas.
O Papa Francisco também anda em viagem. Por terras da Polónia. Mostra um ar muito cansado e preocupado. Os últimos tempos parecem ter pesado muito. Precisaria também de parar um pouco.
Quem deveria também ir de férias é quem anda a escrever asneiras sobre asneiras sobre as ameaças à nossa civilização ocidental. Não é um tresloucado de faca na mão que porá em causa a nossa maneira de viver, marcadamente laica e que não aceita que a política e a religião se misturem.
Aliás, depois das férias, talvez fosse bom voltar ao velho debate sobre a vocação ateísta e temporal de uma boa parte das populações europeias do presente. É uma tema que perdera a importância de outrora. Mas penso que está a necessitar de voltar à discussão pública.
Tragicamente, os atentados terroristas continuam a encher os ecrãs da actualidade. Os objectivos dos seus perpetradores são os de instilar o temor no nosso quotidiano, de criar tensões incontroláveis entre nós e as minorias que connosco vivem, de desestabilizar o funcionamento das nossas instituições e economias. São igualmente o produto de uma mistura perigosa e primitiva de revanchismo e ódio contra a nossa maneira de viver.
Os desafios que as nossas sociedades democráticas, laicas e tolerantes têm que enfrentar são fundamentalmente de três tipos: reforçar a segurança dos cidadãos, mas sem cair na posição extrema do tudo securitário e do estado permanente de excepção; denunciar sem ambiguidades os países e as ideologias que sistematicamente promovem uma visão radicalizada, arcaica, brutal e totalitária da religião e da vida; e continuar a viver sem medos, com a normalidade e a naturalidade que fazem parte da nossa maneira moderna de encarar a vida, as diferenças, a diversidade e a liberdade de cada um.
Quarenta e dois anos depois, 25 de abril continua a ser uma data muito especial. Em particular para os mais velhos, que ainda se lembram do que era Portugal antes desse dia.
Mas, para além da memória que é preciso conservar e celebrar, há o futuro que tem que ser construído a cada momento, cada dia, por cada um de nós. A liberdade passa pela aceitação da diversidade e também pela luta individual e de todos pelo progresso económico e social. O bem-estar é uma dimensão importante da liberdade. Dá-nos a segurança que nos permite uma cidadania mais completa e mais respeitadora de cada indivíduo e da sua maneira de pensar e de ser.
Bruxelas continua a viver ao ralenti. O choque foi extremamente violento. Recuperar leva algum tempo. Mas os cidadãos têm sabido manter a serenidade.
Ontem, por exemplo, fui ao teatro, como estava previsto há bastante tempo. A sala estava quase cheia, poucos foram os que tiveram receio e preferiram ficar em casa.
Ora, o teatro, uma instituição muito conhecida, com três peças a correrem cada serão, está situado num bairro marcadamente “estrangeiro”, quase inteiramente muçulmano, Saint Josse, para quem conhece Bruxelas.
Uma boa parte dos espectadores são pessoas de “uma certa idade”, gente que já tem muita experiência da reforma, muitos anos de pensionista. Lá estavam, ontem, como das outras vezes. E os mais jovens também.
Eu olhava para aquela grande sala, e pensava na tragédia que seria se alguém resolvesse lançar alguma coisa no meio daquela gente. É difícil não pensar assim. Estamos todos obcecados pelas hipóteses de mais atentados.
Mas, no final, a vida continua e o espectáculo não pode parar.
Esta sim, esta é que é a normalidade. O terrorismo não é nem nunca será a normalidade, nem nova nem velha. É uma aberração de doentes e criminosos.
Vamos assistir, na próxima semana, a mais uma cimeira da UE sobre os refugiados e imigrantes. Desta vez, o prato do dia será especialmente indigesto. Tratar-se-á de aprovar o projeto de acordo com a Turquia sobre a questão.
Muito se tem dito e escrito sobre esse projeto, no essencial um documento proposto por Ancara e uma tábua de salvação lançada aos europeus, em que ninguém acredita de verdade. As medidas com alguma possibilidade de serem aplicadas são apenas as que beneficiam a parte turca. O resto é praticamente impossível de executar e não resolve os problemas que contam: a crise humanitária, a insegurança, a imigração ilegal, o crescendo xenófobo e a falta de unidade e solidariedade entre os estados da UE.
Em resumo, os custos deste acordo são excessivamente elevados e os resultados demasiadamente incertos. Sem esquecer as implicações negativas de longo prazo que a aceitação, por parte da Europa, acarretaria.
Vamos por partes.
O pacto com o governo turco inspira-se na lenda de Fausto. Vendemos a alma, os valores e a reputação em troca de um alívio que mais não é que uma quimera. Com efeito, o ajuste não respeita os princípios básicos das Nações Unidas sobre refugiados. Curiosamente, isso acontece na mesma altura em que a Europa do Leste reivindica o lugar de Secretário-geral da ONU. Se eu fosse um candidato proveniente de um dos países dessa parte da UE ficaria com a impressão que as minhas hipóteses de eleição estavam a encolher…
Também prejudica gravemente a imagem da Europa, enquanto guardiã e promotora da lei internacional, dos princípios humanitários, dos direitos humanos e da tolerância. Com que voz e autoridade se irá falar noutras assembleias e noutros tempos sobre esses ideais? Os princípios universais, a boa governação e o respeito pelas pessoas constituem, há duas décadas, temas essenciais da agenda externa europeia, incluindo na área da cooperação. No futuro, vai ser mais difícil dialogar sobre esses valores e exigir a outros que os respeitem.
Aprovar o acordo não pode tampouco deixar de ser visto como um sinal de fraqueza perante as exigências do Presidente Recep Tayyip Erdogan. Cede-se nos vistos. Os cidadãos turcos passam a ter acesso ao espaço Schengen sem restrições. Ou seja, muitos deles irão engrossar a multidão dos novos imigrantes na Europa, seja por motivos económicos ou por razões de discriminação étnica e política na Turquia. Ironia das ironias, não se aceitam novos refugiados com medo da imigração descontrolada, mas abre-se a porta a uma nova onda de imigrantes turcos. Cede-se igualmente nas negociações de adesão, quando é claro que Ancara não reúne as condições básicas que lhe permitam responder aos critérios exigidos. Cede-se por fim financeiramente, com um volume de transferências excecional, seis mil milhões de euros, num horizonte temporal curto, até 2018. Erdogan consegue assim pôr a Europa de joelhos.
E perde-se em relação a África. Os dirigentes africanos ficam a perceber que a Europa tem apenas duas preocupações maiores e convergentes na sua agenda externa: tornar as suas fronteiras exteriores tão herméticas quanto possível e fechar a torneira da imigração. São certamente preocupações legítimas, mas demasiado redutoras. É para aí que serão canalizados todos os recursos disponíveis. O resto, incluindo o que foi acordado na cimeira Europa-África de novembro de 2015 em La Valetta, parece ser apenas trinta e um de boca. O nível de confiança nas promessas europeias é cada vez menor. A Comissão em Bruxelas tem consciência disso. E está a ficar agitada, sem saber como tratar a relação com África, sobretudo à medida que nos aproximamos da próxima consulta entre a Comissão Europeia e a Comissão Africana, prevista para 7 de abril em Adis Abeba.
Perante isto, quais são as alternativas, para além de não se poder aceitar o acordo, tal como está redigido?
A resposta deve assentar num tratamento completo e coerente da questão dos refugiados e dos imigrantes, e basear-se no princípio do mal menor. É esse o verdadeiro desafio que temos pela frente.
A crise é multifacetada. Tem dimensões humanitárias, que são as mais urgentes e de curto prazo, mas também possui aspetos relativos à segurança europeia, à estabilidade política de alguns dos estados, à identidade cultural e ainda à imagem da Europa, vista quer pelos seus próprios cidadãos quer pelos outros, na cena internacional. Tudo isto deve ser equacionado.
Liderar é, numa crise como a presente, conseguir encontrar os equilíbrios possíveis, sem pôr em causa o fundamental. Isto passa por uma triagem muito mais expedita e completa dos que já chegaram e dos que irão chegar, pela adoção de medidas visíveis que desencorajem os aventureiros e os imigrantes meramente económicos, por um empenho a sério na resolução dos conflitos políticos que estão na origem dos movimentos populacionais, e por uma cooperação muita mais estreita com as agências das Nações Unidas, experientes que são quanto a este tipo de emergências. E se for preciso suspender, por uns tempos e nalguns casos específicos, as regras de Schengen, por que não?
O fundamental é mostrar que a Europa sabe ser generosa quando necessário, mas com robustez e clareza de princípios. Incluindo nas suas relações com líderes de países vizinhos, sobretudo quando esses sabem jogar habilmente com um pau de dois bicos.