O Estado da União Europeia, ou seja, o discurso que Ursula von der Leyen proferiu ontem no Parlamento Europeu é longo, mas vale a pena ler. A Presidente da Comissão Europeia fez uma análise positiva e progressista das várias questões que afectam a União Europeia e apresentou um programa de trabalho que deverá contribuir para o aprofundamento da agenda comum. As referências à economia digital e tecnológica, ao pacto verde, à soberania industrial da Europa, à cooperação em matéria de saúde pública, aos rendimentos mínimos, ao futuro dos Balcãs como parte do espaço europeu, à imigração, etc, bem como as observações sobre a Rússia, a China e os Estados Unidos são no essencial correctas. O problema estará na sua implementação. Primeiro, vários destes temas têm estado em cima da mesa há muito tempo, sem que haja acordo. Segundo, apesar da clara referência que faz aos valores europeus, a verdade é que estes valores não são entendidos da mesma maneira pelos diversos líderes europeus. Entre outros, Viktor Orbán poderá explicar-nos as razões de tais diferenças. Terceiro, ainda não saímos da crise provocada pela pandemia. O discurso deveria reconhecer esse facto e sugerir algumas medidas que tratassem da urgência que temos em frente de nós. Deveria, pelo menos, apelar a uma maior coordenação entre os Estados membros, para que se evitasse o que tem acontecido até agora, em que cada um decide à sua maneira, sem consultar o resto dos membros nem mesmo os vizinhos do lado. Quarto, Von der Leyen não menciona os perigos que existem no que respeita à continuação do projecto europeu. Ora, esses perigos são hoje mais reais do que nunca. Precisam que se fale deles com realismo. Creio que está aí o ponto mais fraco da sua intervenção. Não reconhecer que existem linhas de fractura muito fortes é um erro grave.
Hoje, os ministros das Finanças do Eurogrupo voltam a reunir-se para discutir como custear os investimentos excepcionais que a pandemia vai exigir. Esta é uma questão muito delicada, que tem dividido a zona euro em dois campos. Também deu azo ao aparecimento de toda uma série de colunas de opinião, aqui na nossa praça, que se inspiraram mais no emocional e nas ideias feitas do que numa análise da realidade do que é o mosaico europeu.
A UE é o resultado de um equilíbrio de interesses diversos, de vários tipos, não apenas económicos, de modo a garantir um certo modo de vida, que tem na democracia, na segurança humana e na prosperidade os seus principais pilares. Este equilíbrio será mais forte se os diversos países membros conseguirem evitar grandes disparidades entre eles. Creio que em relação a isso não há dúvidas nas diferentes capitais e nas cebeças de quem pensa nestas coisas pela positiva. Como também não me parece que hajam dúvidas quando se trata de reconhecer as diferenças que existem e peso negativo que essas disparidades trazem para o projecto comum.
Mas estas coisas entre Estados constroem-se progressivamente. Em certas áreas e em dados momentos, é possível avançar mais depressa. Outras vezes, estaremos perante um trabalho penoso de discussão, de resolução das divergências. É nessa altura que é precisa muita diplomacia, ideias claras e argumentação inteligente.
Certos comentaristas caem na estupidez ou, então, no jogo barato e afirmam, por exemplo, que os Estados membros têm como modelo uma Europa desigual, com níveis de desenvolvimento diferentes. Esse afirmação soa bem, nos meios que querem destruir a união, mas não corresponde à verdade.
Estamos numa união muito estranha. Em caso de crise grave, como a que agora temos pela frente, cada um fecha-se em casa e procura esquecer-se dos outros. É uma resposta à antiga, com pontes levadiças e a desconfiança de tudo o que é estrangeiro. O mecanismo europeu criado para responder a crises de emergência não foi accionado e nem um ventilador enviou para a Itália ou para Espanha. Ao nível de vários Estados membros, o que se ouviu até agora foram as velhas carpideiras nacionalistas, que têm lugar cativo nos ecrãs de certas televisões e influenciam negativamente a opinião pública.
Entretanto, há dois ou três dias, a China enviou uma equipa médica para ajudar a Itália no seu combate desesperado contra o COVID-19. Não vieram com as mãos a abanar. Trouxeram trinta e tal toneladas de equipamento hospitalar adequado e caixas e mais caixas de medicamentos. Isto aconteceu dois dias depois da ajuda ter sido prometida pelas autoridades chinesas.
Quando a crise viral passar, vai ser necessário ter uma conversa muito séria sobre o significa a União Europeia.
Boris Johnson ganhou as eleições legislativas britânicas. De uma maneira clara, seja qual for o prisma de análise dos resultados. Tem o poder nas mãos, de modo absoluto. É ele quem manda, no governo e no Parlamento. E isso poderá continuar assim, nos próximos quatro ou cinco anos de mandato. O que mostra que um líder forte, na chamada democracia britânica, usufrui de um nível incontestável de autoridade. Os outros poderão dizer o que entenderem, fazer o barulho que quiserem, no Parlamento ou fora dele. Mas quem manda é o Primeiro-Ministro, quando esse lugar é ocupado por uma personalidade como Johnson e, por outro lado, quando dispõe de uma maioria muito folgada, em Westminster.
Para além do Brexit, Boris Johnson irá propor uma série de medidas, incluindo uma que reduza o poder do Tribunal Supremo, que limite a sua capacidade de controlar os abusos de poder vindos da Primatura ou do Parlamento. Também aqui fica claro que a democracia de que se fala é mais cosmética do que uma beleza política de facto.
Boris Johnson ganhou porque soube mostrar determinação, clareza, foco e repetir constantemente as mesmas três ou quatro mensagens-chave. Prometeu a Lua e mais um ilusão, mas evitou prometer um catálogo sem fim de medidas, que por serem muito diversas, perdem-se na cabeça dos eleitores e arruínam a sua credibilidade. Mas ganhou, acima de tudo, por ter sabido bater a tecla do Brexit. A opinião pública estava farta do tema, das divisões que acarretava. Votar em Johnson significaria fechar esse capítulo.
Agora que tem o poder nas mãos, Boris Johnson poderá tentar a via da moderação. Sabe que essa é a única maneira de manter o reino unido. Terá, nomeadamente, que mostrar resultados na Escócia. Mas, não será fácil. O processo de desintegração do Reino Unido – agora com maiusculas – aprofundou-se com as eleições de ontem.
Do lado europeu, há que manter uma posição que mostre interesse na continuação de uma relação privilegiada com Londres e Boris Johnson. Creio que assim acontecerá.
Os ultraradicais brancos que apoiam o Presidente dos Estados Unidos têm estado em campanha contra Emmanuel Macron e Angela Merkel. No essencial, acusam estes dirigentes europeus de estarem empenhados no enfraquecimento da NATO, na promoção da imigração de gentes de fé islâmica e de colaboração com a Rússia e o Irão.
Estas acusações são meras armas de arremesso e de tentativa de divisão da liderança política europeia. No fundo, existem por esses dois dirigentes não se alinharem acefalemente com as posições que o Presidente Trump vem tomando, nessas e noutras áreas.
A verdade é que a Europa tem interesses estratégicos distintos dos americanos. Por outro lado, não pode seguir de modo acrítico políticas em que não acredita e que poderão levar a graves crises internacionais.
A agenda do próximo Presidente da Comissão Europeia deveria dar uma importância maior às questões do meio ambiente e do clima, da paz e da segurança nas diferentes vizinhanças da UE, bem como ao desenvolvimento económico e social dos Estados membros e à segurança dos cidadãos.
Isso passaria por um esforço mais intenso, quer internamente quer no exterior, na aplicação do acordo de Paris sobre o clima. Também significaria um aprofundamento da diplomacia comum. Igualmente, tratar-se-ia de conseguir chegar a mercado único, no espaço europeu, em matérias de telecomunicações, banca e transportes, incluindo a ferrovia. E, finalmente, a prossecução passo a passo de um programa de defesa e de segurança.
Tratar-se-ia de uma agenda ambiciosa, mas realista e suficientemente clara. Mostrar-se-ia, assim, aos cidadãos europeus o que significa uma União Europeia. A qual, a título simbólico, porém altamente significativo, deveria pôr em cima da mesa a possibilidade de um passaporte único, que reconhecesse as várias nações, mas que investiria na criação de uma cidadania comum e partilhada.
Hoje, no meu blog em inglês, escrevo sobre a visita de Federica Mogherini a Washington, uma visita que está a decorrer e que tem a situação à volta do Irão como tema.
Na verdade, a UE deixou-se enredar numa teia que não lhe concede qualquer tipo de autonomia estratégica em relação aos americanos. Sabe que a política actual do EUA em relação ao acordo nuclear com o Irão não está certa, mas não vê outra alternativa senão subordinar-se e pôr em prática o regime de sanções unilateralmente decidido pelo Presidente Donald Trump. O mecanismo criado de propósito pela UE para continuar, de modo reduzido, algum comércio com o Irão -- chama-se INSTEX – é um nado-morto. Tem um âmbito demasiado reduzido, não assenta em nenhum sistema de compensação de pagamentos credível e segue fielmente a política de sanções dos americanos. Estes, mesmo assim, estão já a preparar novas medidas legislativas para tornar o INSTEX completamente inviável.
Tudo isto mostra que um dos grandes desafios que a Europa tem pela frente é o de ganhar espaço político, na cena internacional, que lhe permita estar em pé de igualdade com as grandes potências. Nestas coisas das relações internacionais, os interesses contam mais do que as amizades. A Europa precisa de saber defender os seus.
Esta manhã desloquei-me à câmara municipal da minha comuna de Bruxelas. Pouco passava das nove. O imenso átrio onde se situam os principais guichés de atendimento já estava completamente cheio de gente. Calculei que seriam umas três centenas de pessoas. A grande maioria – a quase totalidade – parecia ser composta por pessoas de outras origens que não a belga ou a europeia, em geral. O quadro humano era muito distinto do que conheci em 2010, quando, vindo de África, me fui inscrever, nesse mesmo local, como residente em Bruxelas. Mesmo diferente do que verificara em 2015, quando tratei da renovação da residência.
O átrio mostrava a importância da imigração de pessoas de fora da Europa, nesta parte do espaço europeu. Fazia-me entender, se ainda fosse necessário, a actualidade do tema em matéria política. E permitiu-me voltar a pensar que esta é uma questão prioritária, à qual os partidos tradicionais não têm sabido responder de modo que satisfaça o cidadão comum, o cidadão que não é extremista mas tem interrogações sobre a política de imigração que a UE e cada um dos seus Estados membros deve seguir.
Fora isso, fui atendido sem grandes esperas e com a eficiência habitual.
Já faltou mais para que cheguemos a uma nova crise política na Itália. Matteo Salvini quer mais poder. Tudo fará para que, em breve, seja necessário organizar novas eleições.
O problema das coligações com os extremistas de direita é conhecido. Começam por participar no jogo, mas sempre com a intenção de, com o tempo, poderem controlar o campeonato. Salvini não é nenhuma excepção à regra.
Entretanto, o governo italiano continua a contribuir para o enfraquecimento das instituições europeias. Entre outros aspectos, o país não obedece às regras orçamentais comuns. Prossegue um processo de endividamento excessivo, insustentável e demagógico. Em 2020, a dívida pública italiana deverá representar 135% do PIB nacional.
De todos os dirigentes europeus, Matteo Salvini é, neste momento, o que mais ameaça a estabilidade da União Europeia.
A Itália é um país em falência política e esta traz por arrasto um colapso económico.
Theresa May anunciou hoje a sua demissão. A pressão vinda dos Brexiteiros mais duros, dentro do seu partido, acabou por derrubar a Primeira Ministra. Foram muito ajudados pelos jornais conservadores, que fizeram uma campanha diária contra May.
No fundo, como escrevi noutro lado, foi uma vitória da ala mais nacionalista, mais idealista e irrealista da classe política conservadora, que pensa que poderá restaurar a Grã-Bretanha do tempo da Rainha Victoria. Uma ilusão irracional que é muito difícil de combater com argumentos racionais, como a Primeira Ministra tentou fazer.
Boris Johnson será provavelmente o próximo líder do governo de Sua Majestade. Boris tem muitas facetas de alienado e pouca profundidade na compreensão dos problemas. É um confuso mental. A sua capacidade de mentir e exagerar é legendária. Mas fala bem, escreve à antiga mas de uma maneira que atrai algum público, é o menino querido da imprensa da direita tradicional. O principal trunfo que tem é ainda mais forte. Muitos membros do partido conservador pensam que Boris é o único líder que conseguirá derrotar Jeremy Corbyn, o dirigente trabalhista, em caso de eleições gerais. Boris irá cultivar essa crença e, por isso, deverá ser eleito chefe do partido. E, consequentemente, tornar-se o sucessor de Theresa May.
Vai também repetir, alto e bom som, que é o único capaz de fazer frente aos dirigentes europeus. Isso dar-lhe-á votos igualmente. Mesmo que se diga e repita que não há nada a que fazer frente, pois as negociações de saída estão terminadas.
Deve ficar claro que a escolha de quem manda na política britânica cabe aos cidadãos do Reino Unido. A Europa sentar-se-á à mesa com quem vier a ser escolhido. Não haja, todavia, ilusões. O lado britânico pode fazer o barulho que entender, mas isso não fará esquecer aos europeus que a saída da União tem regras e que os interesses da UE são a primeira preocupação de quem tem a responsabilidade de conduzir os destinos do projecto comum. Nós tratamos de nós, Boris ou qualquer outro que venha, que trate dos seus, se puder.