Três reacções a quente sobre o novo orçamento europeu para o período 2014-2020, agora aprovado pelo Conselho Europeu – mas ainda por aprovar pelo Parlamento Europeu, o que não se anuncia como sendo favas contadas.
Primeira. Numa altura é que seria preciso “mais Europa”, o orçamento europeu diminui. Será mais com menos? Em vez de 1 045 mil milhões, o limite máximo de despesas efectivas, para o período em causa, não deverá ultrapassar os 908,4 mil milhões. Isto é, de facto, uma quebra importante, num período de sete anos de incertezas, que é a característica mais marcante do tempo que se anuncia.
Segunda. Como eu previra no meu texto da Visão da semana passada sobre Cameron, o primeiro-ministro britânico vai causar muita mossa ao projecto europeu. E vai servir de porta-estandarte de outros. Este Conselho foi a primeira confirmação da minha previsão. Cameron precisa de mostrar uma atitude firme perante Bruxelas, por razões internas, e isso é aproveitado por outros chefes de governo da União, que apanham a boleia britânica. Caso contrário, não teriam coragem para o fazer por sua própria iniciativa.
Terceira. É uma estupidez incompreensível aprovar orçamentos para períodos tão longos. Sete anos! Quem poderá dizer onde estará a Europa dentro de três ou quatro anos? Sete é uma eternidade, numa altura em que tudo muda muito rapidamente.
Esta semana terá lugar mais uma reunião cimeira do Conselho Europeu. Deveria aprovar o orçamento 2014-2020. A informação que me chega é que tal não vai acontecer. Continua a não haver acordo.
Para dizer a verdade, a União Europeia parece ter desaparecido do mapa dos líderes dos estados membros, nestas primeiras semanas do novo ano. Apenas o discurso de David Cameron deu alguma projecção à EU, durante este período. Foi uma projecção negativa, reconheço, mas pelo menos colocou a Europa nos ecrãs. Por poucos dias, diga-se, que isto do projecto comunitário está numa fase que não aquece nem arrefece.
E o mais ridículo é que tal acontece no ano em que se procura voltar a despertar o interesse dos cidadãos pela UE.
Escrevo hoje na Visão sobre a União Europeia. No final do texto, afirmo que sem resultados concretos ao nível do emprego, os cidadãos europeus não darão um cêntimo de credibilidade aos líderes políticos.
Vou citar:
Dizem-nos que saímos de 2012 com uma Europa mais reforçada. Mencionam, para o demonstrar, as decisões relativas à ajuda à Grécia, que evitaram a ruptura, um euro mais estável, a adopção da regra de ouro quanto ao limite constitucional dos défices orçamentais, que acaba de entrar em vigor, bem como a decisão de avançar com a supervisão dos maiores bancos. Tudo isto é verdade. Esconde, no entanto, uma Europa mais dividida, em que uns mandam e outros alinham o passo, incluindo a França do fraco Hollande, bem como os perigos relacionados com a deriva antieuropeia do governo conservador britânico. E deixa-nos muito cépticos: enquanto não se registarem melhorias significativas ao nível do emprego, não haverá confiança, nem na recuperação, nem nos líderes, nem na Europa.
Voltando à entrevista de Francois Hollande sobre a Europa, recomendo que seja lida. É um bom apanhado da posição francesa. Mostra, por outro lado, que o tandem franco-alemão não está a funcionar. Com subtileza, Hollande tenta passar a responsabilidade para o lado de Merkel. Mas a verdade é que, neste momento, ninguém parece pronto para uma maior integração política, nem para uma melhor coordenação económica e fiscal.
Por outro lado, em Bruxelas, Van Rompuy tenta pintar uma Europa cor-de-rosa. Continua a afirmar, quando fala em público, que as coisas estão bem encaminhadas. Não sei se haverá alguém que acredite no que ele proclama. Para mais, Van Rompuy fala de um modo que poucos entendem. Não sabe utilizar uma linguagem directa. Mas tem algum peso, nas capitais que contam.
Quanto a Barroso, está cada vez mais invisível. É pena, porque até diz, mais vezes agora, coisas que fazem algum sentido. Só que ninguém parece interessado em ouvi-lo.
"A marginalização de Bruxelas é um erro. Primeiro, porque enfraquecer as instituições e os dirigentes comunitários é debilitar a construção europeia. Depois, porque em períodos de crise, quando as disparidades entre os estados membros se tornam mais evidentes, as chamadas de atenção devem provir das instâncias comuns, não das capitais dos países mais fortes. É mais fácil para um cidadão grego, ou português, aceitar uma crítica vinda de uma estrutura que é de todos do que uma observação feita por um político alemão, finlandês ou de um país vizinho. Sem esquecer que os comentários feitos por Merkel ou Schaeuble, o poderoso ministro das finanças da Alemanha, e por outros líderes nacionais, têm mais que ver com a opinião pública dos seus próprios países do que com uma contribuição objectiva para uma solução que interesse à maioria dos europeus. "
O texto completo está disponível no sítio da Visão on line:
Em Bruxelas, está a decorrer a cimeira dos ilusionistas. A minha maneira de ver é muito simples: remar contra a maré não leva a parte alguma. Há que reconhecer o estado a que as coisas chegaram.
Também não estou de acordo com Barroso, que disse que esta cimeira representava um momento decisivo, a expressão inglesa que utilizou...a defining moment...é inapropriada. Ainda não estamos lá. Continuamos a adiar a solução dos problemas.
A reunião do G20, que hoje começou na costa pacífica do México, promete ser um fiasco. A crise europeia invadiu os corredores e as salas da cimeira. Os líderes do resto do mundo pedem aos europeus que se entendam e estes respondem que não têm lições a receber de ninguém.
Entretanto, os resultados das eleições gregas não parecem ter acalmado os mercados. O Citigroup considerou, esta manhã, que a probabilidade de saída da Grécia da zona euro, nos próximos 12 a 18 meses, continua ser a mesma: entre 50 e 75 por cento. O euro - a moeda, não o futebol - está esta noite em queda. A Espanha vai ao mercado de capitais amanhã e na quinta-feira, à procura de três a cinco mil milhões de euros, a prazos de 12 e 18 meses, mas terá, muito provavelmente, que pagar juros incomportáveis. A Itália está a ir pela mesma via, embora a um ritmo menos acelerado. E em Portugal, segundo me dizem, o Estado está com problemas de liquidez.
O único que parece estar optimista é Van Rompuy. Disse hoje, no México, certamente inspirado pelos ventos do Pacífico, que "... o projecto do euro sabe qual é o seu destino e nós sabemos como chegar lá". Ficamos todos mais tranquilos.
A poucos dias da cimeira do G20, que se realiza na Baixa Califórnia, uma região mexicana de grande beleza natural na costa do Pacífico, a 18 e 19 de Junho, a crise da zona euro poderá focalizar todas as atenções dos participantes e deixar um espaço ínfimo, se deixar, para as outras grandes questões internacionais.
Esta possibilidade está a criar tensões entre os BRIC e o México, de um lado, e a UE e os EUA, do outro. O Presidente Obama telefonou hoje ao fim da tarde a Van Rompuy e, segundo me dizem, a única questão discutida foi a crise europeia, os indícios de agravamento e os riscos de contágio.
Para cúmulo, as informações que circularam, durante o dia, em Bruxelas, eram das mais contraditórias, quer em relação à atitude a tomar em relação à Grécia, no caso das eleições darem a vitória aos partidos que se opõem ao programa de ajustamento estrutural, quer ainda no que respeita aos procedimentos a seguir para aprofundar a "união bancária" e a "união fiscal".
Para acrescentar mais umas achas à fogueira, Francois Hollande recebeu em Paris os líderes da oposição social-democrática à Sra. Merkel...Ou seja, encontrou maneira de agravar a crispação entre Paris e Berlim, que já é bem evidente e profundamente contraprodutiva...
Com esse tipo de tensões, vai ser ainda mais difícil chegar aos acordos que se impõem de imediato, que o curto prazo exige.
O post que publiquei ontem atraiu, em 24 horas, cerca de 8400 visitas. E dezenas de comentários, muitos deles, escritos por leitores bem informados. Agradeço a todos.
Queria lembrar, no entanto, que há cerca de 800 bancos na UE que recorreram, nos últimos seis meses, ao financiamento, a juros baratos, do Banco Central Europeu. Muito do capital que pediram emprestado, melhor, a quase totalidade do bilião (um milhão de milhões) de euros obtidos junto do BCE foram investidos na compra de dívida soberana dos estados membros da UE. Ou seja, os bancos foram apenas uma conduta, entre o BCE e os Estados. Uma conduta que tentou passar despercebida aos olhos dos eleitores europeus, que ganhou muitos milhões, entretanto, mas que está, neste momento, em muitos casos, descapitalizada de novo. Muitos bancos estão à beira da falência. O que significa que à fragilidade dos estados europeus se deve acrescentar a fragilidade dos sistemas bancários. Tudo isto é muito perigoso, para o funcionamento da economia, da sociedade e para a salvaguarda da democracia, sobretudo no caso dos países que têm uma "má imagem" internacional.
Onde iremos parar? A que nos vai levar uma complicação tão grande como esta? Que líderes europeus terão a coragem de falar destas coisas e apresentar as soluções que se impõem? Onde encontraremos o sentido de urgência que se impõe?
Enquanto a Visão não disponibiliza o texto no site on line, aqui vai o meu texto, tal como o escrevi para a revista que está nas bancas desde quinta-feira. Boa leitura.
Com calma e ideias claras
Victor Ângelo
A serenidade é um bem precioso. Na política, como na vida, sobretudo perante uma situação grave. O que se tem dito e escrito, recentemente, sobre a Grécia e o euro mostra que se trata, igualmente, de um dom raro. Gente com responsabilidades de primeiro plano tem vindo a público com ideias que aumentam a confusão e criam a impressão que estamos à beira de um maremoto incontrolável. A crise grega seria uma espécie de apocalipse anunciado, com o desfecho previsto para os dias após 17 de Junho, a data das novas eleições.
Nestas circunstâncias, é preciso acalmar o jogo, combater as opiniões irresponsáveis, os cenários abissais. Repetir, a toda a hora, a predição de desastre abre as portas ao desastre. O desassossego social dá espaço aos demagogos e aos extremistas. Lá como cá, um pouco por toda a parte. Haverá certamente grandes diferenças ideológicas entre os dirigentes da extrema-esquerda europeia e os movimentos que Marine Le Pen personifica. Mas, em ambos os casos, as soluções que propõem seriam o caminho mais curto para o fim da Europa enquanto projecto comum, para o regresso aos conflitos nacionalistas e o descalabro económico.
O papel de um líder responsável é o de criar confiança. É isso que se espera de François Hollande. E de outros, incluindo de Angela Merkel, apesar de tudo, por ser impossível sair do impasse actual se a liderança alemã não estiver integrada no pelotão da frente. Seria, por outro lado, um erro de monta pensar que se pode continuar a adiar os problemas. A confiança ganha-se quando se atacam as questões de frente, de modo claro e com objectivos bem definidos. A começar pela questão da construção europeia: a fénix precisa de renascer e dar esperança aos cidadãos, assim como as instituições da comunidade precisam de reconquistar o poder perdido. Em seguida, há que reconhecer que as ameaças que contam são a estagnação económica e o desemprego, o peso das dívidas públicas e a fragilidade que caracteriza uma parte significativa dos bancos europeus. Essas são as prioridades. Essas, sim, põem em risco o nosso futuro.
Quanto à Grécia, os próximos anos vão ser muito difíceis. Não se alimentem ilusões, por favor. De imediato, independentemente das causas da crise, as opções são claras. Convém lembrá-las, sem deixar espaço para ambiguidades. Por um lado, trata-se de continuar a execução do programa de reformas estruturais aprovado há pouco mais de dois meses. Esta opção reflecte a expressão pragmática e possível da solidariedade europeia. A ambição é a de permitir, a médio prazo, um regresso à estabilidade e ao crescimento. O cumprimento das metas acordadas visa evitar que a Grécia se transforme num poço sem fundo. Cabe aos gregos mostrar, acima de tudo, que querem pôr a casa em ordem. A escolha contrária é a de dar a maioria parlamentar aos partidos que se opõem ao acordo. Nesse caso, o apoio financeiro terá que ser suspenso. Não vejo margem para um consenso político, no resto da Europa, para uma renegociação. Como consequência, a Grécia deixará de poder satisfazer os seus compromissos internacionais. Os recursos que lhe restarem deverão ser utilizados para assegurar as funções mais elementares do estado. Aqui, a preocupação é a de garantir que, mesmo pobre, não nos encontremos perante um estado falhado. Um país pobre não precisa de sair do euro, ao contrário do que por aí se repete. Nem deverá. Se saísse, seria por decisão própria. Complicaria, desta vez, profundamente, o futuro da UE.