Deixar a angústia, o desânimo e o rancor tomar conta do 25 de Abril seria o equivalente ao suicídio colectivo de um povo. Ora, o 25 de Abril deve ser sempre como uma nova porta que se abre. Primeiro, sobre nós próprios e em seguida, sobre os outros, libertando a nossa imaginação e fazendo renascer a nossa vontade de vencer.
A edição de hoje da Visão foi produzida como se a redação estivesse em finais de Abril de 1974. Conta os dias de Portugal e do mundo, nessa semana que se seguiu à Revolução dos Cravos. Traz-nos à memória uma época bem diferente da que vivemos agora.
Se houvesse um mecenas, seria importante produzir um número sobre Portugal e o mundo em 2024. Daqui a dez anos, não a quarenta, que esse é um período demasiado longínquo nas nossas vidas. Mas seria de facto interessante tentar imaginar a sociedade e as relações internacionais em 2024. Creio que essa antecipação do que poderá ser o nosso contexto nessa altura talvez nos ajudasse a ser um pouco mais sóbrios no momento actual. E mais conciliadores.
Os últimos quarenta anos foram um período de grandes transformações. Mudou Portugal, a Europa e o contexto internacional.
Mas as grandes aspirações humanas continuam a ser as mesmas: as pessoas querem ser respeitadas, sentirem-se livres e seguras.
Nas Nações Unidas, chamamos a isso direitos humanos e segurança humana.
Com os direitos humanos vêm a liberdade, a justiça e a igualdade de oportunidades. Com a segurança humana, temos a protecção da vida e da propriedade de cada um, bem como um mínimo de condições económicas que permitam viver com um mínimo de dignidade e sem o temor dos dias de tempestade.
A maneira de encarar a responsabilidade por estas coisas também evoluiu. Hoje é mais claro, para a maioria, que a responsabilidade é partilhada. Cabe ao Estado e às instituições públicas, bem como às associações de cidadãos, incluindo aos partidos políticos, às empresas, a todos os que têm peso em termos da opinião pública. Mas cabe igualmente a cada cidadão. Cada um deve olhar para si próprio e perguntar, que mais posso fazer? Ficar à espera dos outros não é, de modo algum, uma atitude responsável. Excepto, claro, para quem, por motivos de força maior, não pode ir mais além sem o apoio alheio. E aqui aparece um outro valor moderno, o da solidariedade.
Entramos agora na semana do 25 de Abril. Abril com maiúscula, claro, como deve e sempre deveria ser.
Passados 40 anos, para além das lembranças e lembrar é sempre importante, já que existe uma enorme tendência para esquecer as lições da História, também com H grande, este deverá ser o momento para reflectir sobre o que somos hoje e o que queremos ser no futuro. Sem apagar o que ficou para trás, é fundamental que olhemos para a frente.
É, no entanto, mais fácil falar do passado que sonhar o futuro. Mas é disso que precisamos hoje, de criar o dia de amanhã. Portugal anda a sonhar pouco, demasiado ensimesmado que está nos problemas dos dias que correm.
Ter ambição é a única maneira de construir um futuro melhor.
Temos que nos focar no horizonte futuro, que 2014 não é 1974. Muito mudou e para melhor. Mas não chega. Os desafios continuam a ser gigantescos.
Enquanto preparava umas perguntas relacionadas com a celebração dos quarenta anos do 25 de Abril lembrei-me que quarenta anos são quase duas gerações. Ou seja, muitos dos portugueses mais jovens, diria todos os que têm hoje menos de cinquenta anos de idade, não sabem por experiência própria o que era o Portugal do tempo da ditadura. Conhecem apenas o que lhes foi contado, de maneira mais ou menos completa, mais ou menos correcta. São cidadãos de uma outra realidade. Para eles, as narrativas sobre o Portugal anterior ao 25 de Abril pouco mais oferecem do que uma certa curiosidade sobre o passado dos seus pais, familiares e amigos mais velhos.
Portugal mudou muito, como também mudou o quadro externo em que o país se insere. As verdades de outrora deixaram, nalguns casos, de ter qualquer correspondência com as circunstâncias de hoje. O Portugal fechado de outrora foi substituído por um país aberto ao mundo e mais ambicioso. Ainda bem.
25 de Abril é um dia de Liberdade e de celebração de Portugal enquanto nação moderna e democrática. É dia de lembrar o que somos e o queremos ser, como país e como cidadãos. É, igualmente, dia de festa.
Este blog diz não a quem transforma o dia numa arma de ataque sectário. A quem não consegue pôr a ênfase no que nos une. Aos que procuram dar lições aos outros em vez de reflectiram sobre si próprios e sobre a maneira de contribuírem para um Portugal melhor.
Mas é também um dia que convida à reflexão sobre o que mudou e o que precisa ainda de mudar.
Discursos fora, a presença, lado a lado, de quatro Presidentes da República Portuguesa nas comemorações do Dia da Liberdade, foi uma mensagem forte. Espero que tenha sido recebida com clareza pelos dirigentes dos partidos políticos.
O meu texto na Visão on-line sobre a participação de Portugal em missões de paz ( http://aeiou.visao.pt/portugal-a-paz-e-o-mundo=f564719 ) -- trabalho que mencionei neste blog há dois ou três dias -- tem estado a atrair uma série de comentários, incluindo comparações entre o que as nossas Forças Armadas e de Segurança tiveram como funções antes do 25 de Abril de 1974 e as responsabilidades internacionais a que têm sido chamadas nos últimos vinte anos.
Da discussão é possível, uma vez mais, deduzir que a questão da descolonização continua atravessada na alma e nas emoções de muitos cidadãos. Embora tenham decorrido 36 anos, a verdade é que para muitos, os traumas vividos na altura continuam a marcar a sua visão da política externa portuguesa e, em particular, a sua relação com algumas das antigas colónias.
Creio que é normal que assim seja, pois o que aconteceu no seguimento do 25 de Abril foi uma mudança radical da história portuguesa. As transformações políticas e sociais de fundo têm grande peso na vida dos povos. E nem todos viram essas alterações sob o ângulo positivo e renovador que representaram.
Numa altura de crise política como a que Portugal vive hoje -- um fenómeno indiscutível, profundo, que pode ter consequências sísmicas comparáveis a Abril de 1974, e que só pode ser negado por quem sinta que a crise é, acima de tudo, um indicador da sua incapacidade de liderança e do fracasso das suas políticas -- é ainda mais tentador comparar o agora com o anterior. Só que os tempos e as circunstâncias são outros.
Hoje à tarde, fazia eu, como de costume, uma caminhada à beira-rio, entre o monumento das Descobertas e a Ponte 25 de Abril, quando tive uma vez mais a oportunidade de dizer mal da Câmara Municipal de Lisboa.
Não por causa do baldio em que se transformou a área junto ao rio, mesmo no alinhamento do Palácio de Belém -- uma vergonha de lixo, ervas daninhas e objectos abandonados, de festas que já terminaram há muito. Nem pelo facto das obras de saneamento, um pouco mais à frente, a caminho da Ponte, iniciadas pelas Águas de Portugal, um monopólio que pretende ser uma empresa, estarem paradas há tempos, depois de terem aberto uma cratera mal planeada. Nem tão pouco pelo facto do trânsito junto ao Museu da Electricidade, do lado do rio, ainda não ter sido fechado, apesar do investimento já feito, em termos de controlos, barreiras, etc. Menos ainda por a Câmara ter aceite colocar aqueles tijolos junto à água, e, a gozar com o povo, chamar àquilo uma obra de arte.
Não. A razão foi bem mais terra-à-terra. Meti um pé num dos muitos buracos da calçada esburacada que é o passeio, torci a perna, estatelei-me ao comprido, abri a mão esquerda, quase partia o braço direito, e pouco mais. E claro, a torneira de água, que a CML colocara no jardim, provavelmente para que lavemos as nossas mágoas, estava partida e não funcionava.
Com a bolsa a descer como desceu hoje, a economia a andar em rodopio, o contágio no ar, as greves à porta, o vazio de liderança , e depois de uma reunião sobre a situação social, fico com a impressão que nós, os portugueses, podemos ser classificados em cinco categorias, um pouco como as castas na Índia.
Primeiro, a categoria dos falidos.
Segundo, a dos que andam a fingir que não estão falidos.
Terceiro grupo, o dos portugueses que andam às aranhas.
A quarta categoria inclui os nossos compatriotas que se refugiaram no estrangeiro.
Finalmente, temos uma categoria à parte, que vive num Portugal que poucos conhecem mas muitos tentam imaginar: a categoria a que pertencem os nossos queridos políticos.