Sábado de Páscoa. Uma parte da cidade de Bruxelas foi para a beira-mar. Organizaram-se, mesmo, comboios especiais, para responder à demanda e para evitar os engarrafamentos nas autoestradas. Outra parte, está a apanhar Sol nos parques da cidade. Que isto de ter 26 graus ao começo da tarde não pode ser desperdiçado.
Curiosamente, muitos dos jovens acham que é uma excelente ocasião para ter férias. O come;o da Primavera. Porém, não têm uma ideia clara – alguns não têm ideia alguma – do que significa Páscoa. Para além dos ovos de chocolate, para os mais pequenos, que os procuram nos jardins.
Assim se trata uma cultura milenária. Com Sol, praia e chocolate.
Hoje à noite, perante o resultado que se viu no parlamento britânico, queria lembrar o velho ditado que não há duas sem três. Ou seja, tendo presente a tenacidade de Theresa May e o facto que, de um lado e do outro, em Bruxelas e em Londres, se pensa que é fundamental que haja uma saída ordenada, é muito possível que o que foi chumbado hoje pela segunda vez volte ao Parlamento de Westminster. E que, depois de um novo retoque, acabe por ser aprovado.
Muitas vezes, os políticos acreditam mais nas suas palavras do que na realidade dos factos. Não conseguem ver o que lhes entra pelos olhos dentro e acabam por fiar-se nas ilusões que arquitectaram. Procuram, então, soluções para problemas que só existem na cabeça deles. E não aceitam as conclusões e as saídas de crise que se impõem.
O que se está a passar em Westminster, com o acordo sobre o Brexit, ilustra o que acima digo. Deveria ser claro para todos que nesta fase do processo, depois de dois anos de negociações, de discussão de todas as hipóteses e mais algumas, da passagem a pente fino de todos os prós e os contras, existem apenas três alternativas. Que nem serão bem três, mas sim duas e meia, porque uma delas tem poucas probabilidades de poder ser considerada. Mas, enfim, digamos que são três.
A primeira, que é a mais adequada neste momento, a única que faz sentido, passa pela aprovação pura e simples do plano que Theresa May acertou com a UE. Esta aprovação poderá vir a acontecer, surpresa, surpresa, cinco minutos antes da meia-noite. À última hora! Isso quereria dizer que uma maioria dos deputados teria finalmente percebido que o acordo de Theresa May seria, apesar de tudo, a melhor solução. Mas também poderá ser recusada até ao bater da meia-noite.
A segunda opção passaria por um No Deal. Não haveria acordo. Isso aconteceria no caso de falhanço da hipótese descrita no parágrafo anterior. Depois de 29 de março, o Reino Unido deixaria de pertencer à UE e as relações económicas e financeiras entre ambos ficariam por definir. Uma situação deste tipo traria imensas dificuldades para ambos os lados. Ter-se-ia que encontrar soluções caso a caso, no meio de muita improvisação e com custos económicos muito elevados. O maior perdedor seria, de longe, o Reino Unido.
A terceira via passaria pela realização de um novo referendo. É uma opção que não me parece realista. Uma nova consulta popular só viria a ter lugar em finais do ano ou na primeira metade de 2020, por razões legais e processuais. Ora, ninguém que ficar na incerteza por um novo período de tempo, tão longo e tão fracturante. Ainda por cima, por não ser claro qual poderia ser o resultado desse segundo referendo. O pêndulo da opinião pública poderia ir para um lado ou para o outro.
Veremos o que acontece amanhã e nos próximos dias em Westminster. Entretanto, a ampulheta continua a deixar a areia correr. O relógio do tempo não espera, nem parece agora poder ser parado. Há, por isso, que estar preparado, ao nível da UE, para a possibilidade de um enorme desafio e de muita confusão.
Hoje foi uma espécie de dia de rentrée, ao nível da política europeia. Terminaram as férias do Natal e do Ano Novo. Bruxelas está cheia de caros de novo. E de conversa.
Falou-se do Movimento 5 Estrelas, os confusos básicos do populismo italiano, que agora querem entrar na família dos partidos liberais europeus. Já não se sentem bem ao lado dos racistas do partido de Nigel Farage, a quem fizeram companhia no Parlamento Europeu durante vários anos.
Espanto, por se saber que Beppe Grillo e os seus Estrelas ou estrelados querem acabar com a Europa, começando por fazer sair a Itália do projecto comum. Se chegarem ao poder, claro.
O outro grande tema do dia foi o Brexit. A libra perdeu valor, uma vez mais, como tem vindo a acontecer desde 23 de junho de 2016. A imagem de Teresa May ficou ainda mais cinzenta: uma imagem de indecisão, de incapacidade de chefia em relação aos seus ministros e de centralização obsessiva dos assuntos de Estado na sua pessoa.
Enfim, um dia de Brexit em que houve de novo muita emoção e pouco realismo. E para complicar a coisa, o Vice-Primeiro da Irlanda do Norte pediu a demissão e voltou a colocar esse território na lista das preocupações que apoquentam Londres.
Azares atrás de azares. Que rentrée tão promissora…
Bruxelas, uma cidade cosmopolita, que mistura nacionais com gentes das mais diversas origens e crenças, foi alvo de atentados terroristas a 22 de março. Desde então, os seus residentes têm assistido a toda uma série de operações de polícia, algumas bastantes espectaculares e susceptíveis de criar medo, de detenções e mesmo de falsos alertas, como aconteceu hoje na zona comercial mais importante do centro da cidade.
Perante tudo isto, perguntam-me frequentemente, quando me desloco ao estrangeiro, se os residentes de Bruxelas vivem na ansiedade de novos atentados. A minha resposta habitual é clara. Refiro que a vida voltou às rotinas habituais, que as pessoas não passam o tempo a olhar por cima dos ombros, numa atitude de desconfiança de tudo e de todos. Mais ainda. Quem costumava andar de lenço atado à volta da cabeça e com indumentária associada à religião que alguns praticam – são aliás muitos os que seguem essa prática, nesta terra tão diversa – continua a fazê-lo, sem hesitações e também sem sofrer qualquer tipo de intimidação ou de comentário mal-intencionado.
Hoje o diário La Libre, um dos grandes jornais de Bruxelas, inquiriu os seus leitores sobre se “as ameaças terroristas provocam angústias no nosso quotidiano”. Curiosamente, cerca de 1 em cada 4 respondeu que sim. Que se sente menos seguro, quando se encontra em lugares públicos.
Afinal, estas coisas deixam traumas e marcas na população. E será por isso que certos partidos e movimentos de opinião procuram aproveitar esses temores colectivos em benefício das suas causas. O medo tem um valor político. Tal como a normalidade. Mas são valores de tipo diferente.
A minha passagem pelo aeroporto de Bruxelas correu bem. Apesar da presença massiva da polícia, os controlos são escassos e rápidos. O pessoal de assistência em terra procura ajudar os passageiros a orientarem-se através dos percursos provisórios que entretanto foram abertos.
Pouco a pouco estamos a voltar aos procedimentos normais. É, no entanto, aconselhável viajar sem bagagem, quando tal for possível.
Muitas companhias aéreas reduziram a frequência dos voos para Bruxelas. Irá passar algum tempo mais, antes que voltemos ao número de voos que existiam antes de 22 de março.
Amanhã, bem cedo, vou utilizar pela primeira vez, depois dos atentados de 22 de março, o aeroporto de Bruxelas. Na última viagem, uma semana depois das explosões, saí por Dusseldórfia, na Alemanha, a duas horas e meia de carro de Bruxelas. Desta vez, trata-se de uma ida e volta no mesmo dia a Zurique. O percurso do regresso será fácil, pois quem chega a Bruxelas segue o itinerário normal, sem novidades. A confusão tem sido do lado das partidas. Há controlos a mais, mesmo desnecessários, e pessoal de controlo a menos. Ontem e hoje houve quem estivesse na fila de espera, antes de poder ingressar no aeroporto, duas horas ou mais.
Dizem-me agora que amanhã tudo estará melhor. Veremos.
Entretanto terei que me levantar de madrugada, para não arriscar ver o voo sair, comigo em terra…E decidi não levar o carro para o aeroporto, o que teria acontecido, se as circunstâncias tivessem voltado à normalidade. De táxi, o acesso é mais fácil. E muito mais caro.
Bruxelas continua a viver ao ralenti. O choque foi extremamente violento. Recuperar leva algum tempo. Mas os cidadãos têm sabido manter a serenidade.
Ontem, por exemplo, fui ao teatro, como estava previsto há bastante tempo. A sala estava quase cheia, poucos foram os que tiveram receio e preferiram ficar em casa.
Ora, o teatro, uma instituição muito conhecida, com três peças a correrem cada serão, está situado num bairro marcadamente “estrangeiro”, quase inteiramente muçulmano, Saint Josse, para quem conhece Bruxelas.
Uma boa parte dos espectadores são pessoas de “uma certa idade”, gente que já tem muita experiência da reforma, muitos anos de pensionista. Lá estavam, ontem, como das outras vezes. E os mais jovens também.
Eu olhava para aquela grande sala, e pensava na tragédia que seria se alguém resolvesse lançar alguma coisa no meio daquela gente. É difícil não pensar assim. Estamos todos obcecados pelas hipóteses de mais atentados.
Mas, no final, a vida continua e o espectáculo não pode parar.
Esta sim, esta é que é a normalidade. O terrorismo não é nem nunca será a normalidade, nem nova nem velha. É uma aberração de doentes e criminosos.
Esta semana, o meu plano era escrever sobre as ameaças terroristas. Parecia-me lógico, no seguimento das operações policiais de há dias, aqui em Bruxelas, que levaram à detenção do homem mais procurado na Europa, Salah Abdeslam, o bombista de Paris que resolvera não fazer detonar a sua cintura de explosivos. E ainda ontem, no meu programa semanal sobre assuntos europeus, produzido para a Rádio TDM de Macau, tive a oportunidade de referir que seriam de prever novos atentados, nos próximos tempos. Não apenas por causa da captura de Salah, que parece disposto a abrir a boca e a contar umas coisas, que serão certamente de grande interesse para a polícia, mas também porque o famigerado Estado Islâmico está cada vez mais acossado. Quando isso acontece, a sua liderança gosta de lançar a confusão noutras terras, nomeadamente na Europa.
Não imaginava eu que essa possibilidade de mais atos de terror iria materializar-se tão cedo, ou seja, hoje, ao começo do dia de trabalho nesta cidade que se tornou uma pequena loucura de movimento de gentes e de viaturas nas horas de ponta. O aeroporto nacional, por volta das oito da manhã, de semana, está sempre num rodopio, gente que chega e que sai, muitos em viagens curtas, com regresso ao fim do dia, para ir assistir a uma reunião aqui e acolá. Também o faço muitas vezes. Bruxelas está geograficamente, e não apenas politicamente, no centro da Europa, e o aeroporto é uma placa giratória importante, muita gente jovem e outros no auge da vida ativa a chegar e a partir ao começo do dia.
Quem decidiu colocar as três bombas no aeroporto, a essa hora, sabia que essa ação teria um efeito máximo. Uma vez mais, o inimigo mostrou capacidade de planeamento e de escolha dos alvos de maior impacto político, mediático e, desta vez, económico.
E mostrou mais. Ao decidir fazer explodir, uma hora e picos depois, uma outra bomba na estação do metropolitano de Maelbeek, em pleno coração do distrito europeu e numa altura de muita passagem de pessoas, fez-nos lembrar que a união dos europeus, o projeto comum, é um alvo. Enfraquecer a UE, pôr em causa a sua imagem e, acima de tudo, a sua capacidade de resposta em matéria de segurança, interessa a muita gente, e seguramente aos terroristas do Estado Islâmico.
E alguns idiotas do Brexit também. É verdade e fiquei chocado. Houve logo quem aproveitasse, no Reino Unido, e tentasse tirar partido dos trágicos acontecimentos de Bruxelas para fazer uma vez mais campanha pelo Não, pela saída da UE, dizendo que Bruxelas e a Europa não são terras seguras.
São, sim senhor. Foi aliás isso que disse a muitos dos meus amigos, espalhados por vários cantos do mundo, que me telefonaram para perguntar se eu estava são e salvo. Estou, sim. Abalado, preocupado, triste perante o sofrimento de tantos, mas determinado e confiante.
E estaremos todos assim, apesar do terrorismo, se mantivermos um rumo firme na cooperação europeia em matéria de segurança e de política internacional. Há aqui um desafio de liderança, mas é uma batalha que com o tempo pode ser ganha. Nestas coisas, quem perde, mais tarde ou mais cedo, são os terroristas e todos os radicais extremistas e violentos. E seríamos nós, também, se entrássemos em pânico.
(Texto que acabo de publicar na Visão on line sobre os dramáticos acontecimentos de hoje em Bruxelas)
Seria impensável não voltar a escrever sobre o Brexit. Trata-se de longe da questão mais importante da cimeira desta semana do Conselho Europeu. Depois disso, será a corrida para o referendo, previsto para finais de junho. Os eleitores britânicos terão na altura que se pronunciar sobre a permanência ou não do seu Reino na UE.
Os chefes de estado e de governo deverão aprovar as soluções propostas por Donald Tusk há cerca de quinze dias. São razoáveis, inspiradas por uma vontade de se chegar a um acordo. Respondem, na medida do que é possível quando o que está em jogo é o consenso de 28 estados, às preocupações de David Cameron. E tudo isto deve ser dito de modo claro, pelos dirigentes dos estados membros.
Não se pode, no entanto, ir mais além e abrir a porta a mais e mais concessões. O Reino Unido já está fora do Euro, de Schengen, das políticas comuns sobre a justiça, a segurança interna e as migrações. Ou seja, quando não lhe convém não aceita o princípio básico do projeto europeu, o da soberania partilhada. Tem, desta vez, que ficar claro que Londres não pode continuar a exigir sol na eira e chuva no nabal. É o momento da verdade. Ou o Reino Unido pega no que está agora em cima da mesa ou então, estaremos conversados. Já se gastou tempo e energia suficientes com um assunto que, à partida, era fundamentalmente um artifício de liderança partidária, um problema interno do Partido Conservador, e que acabou por se transformar numa ameaça muito séria à existência da UE.
É sabido que muitos no Reino Unido consideram o acordo insuficiente. Dizem que Cameron está apenas a obter uma mão cheia de nada, simples vacuidades. Assim, para começar, iremos assistir este fim-de-semana ao esfrangalhar da unidade no seio do governo britânico. Um número significativo de ministros começará então a fazer campanha pelo Brexit, opondo-se deste modo à posição do primeiro-ministro. Esta cisão, reforçada pela que já existe no seio do grupo parlamentar conservador, e a vitória quase certa do voto pelo abandono da União, no referendo de junho, levam-me a pensar que David Cameron tem os dias contados, enquanto líder do seu partido e do governo.
A rutura com a UE terá certamente um impacto económico negativo no PIB britânico. Mais grave ainda, uma votação contra a Europa voltará a colocar na ordem do dia a possibilidade da independência escocesa. O partido no poder em Edimburgo é europeísta. Se o campo do Brexit ganhar, os dirigentes da Escócia não perderão a oportunidade de reabrir o debate independentista. E o que foi uma derrota por poucos, em setembro de 2014, poderá tornar-se em breve num sim sem hesitações ao fim do Reino Unido.
Seria um erro não falar dos riscos para o todo europeu. O mais perigoso, no meu entender, diz respeito à caixa de Pandora que o referendo britânico poderá abrir. Movimentos nacionalistas e partidos populistas, noutros estados europeus, poderão querer tirar vantagem política do precedente que se está a criar. Teríamos assim algumas tentativas oportunistas de referendos aqui e acolá, num jogo de demagogia e de luta pelo poder. Entraríamos, então, numa espiral incontrolável. E que seria aproveitada pelos inimigos, internos e externos, de uma Europa unida.
Por tudo isto, a cimeira de Bruxelas tem que ser clara no tratamento do Reino Unido. E pôr um ponto final à discussão. Num clima como o atual, não deve haver espaço para mais hesitações. Quanto ao referendo, cabe a Cameron e aos seus compatriotas manter o equilíbrio até junho. E a melhor maneira de o conseguir, diz-nos quem sabe de coisas de circo e de política, é levantar o olhar e fixá-lo no futuro.