A parte “justiça” do caso de Tancos não deve, na verdade, ser comentada. Um número de indivíduos foi constituído arguido, acusados de vários crimes. Cabe agora à administração da Justiça tratar desses casos, um a um. A única observação que se poderá fazer é para rogar que os processos avancem rapidamente, tendo em conta a natureza dos crimes imputados e o tipo de instituição que está no centro da questão. Certos brados são uma ilusão, reconheço, mas devem ser feitos, apesar de tudo.
Mas existe uma parte política, que não pode ser escondida por detrás do biombo da justiça. Essa parte levanta muitas interrogações. Devem ser esclarecidas. A lista dessas interrogações inclui: a responsabilidade política; o funcionamento e a circulação da informação nos órgãos de soberania directamente ligados ao assunto; a responsabilidade militar, de quem mandava e estava na linha de comando; a performance, a disciplina e a motivação de algumas secções do Exército, o que isso implica e exige como medidas de correcção; o sistema de valores que impera em certos círculos com autoridade e que terá levado alguns dos arguidos a pensar que o caso seria abafado pelos grandes do reino.
Só estas questões já dariam pano para muitas mangas, se houvesse uma vida partidária capaz de ir além do nevoeiro mental.
Num domingo de Sol, escrever sobre política é um aborrecimento e um atentado à paciência dos leitores. Sobretudo quando o único tema que parece preocupar os nossos políticos e os analistas que vivem dessas coisas é sobre se haverá ou não maioria absoluta a 6 de Outubro. Ideias e desafios, nada disso pesa. Nem é preciso ter um esboço de um projecto nacional. Basta deixar andar, que é essa a atmosfera a que nos habituámos. Somos, cada vez mais, um país de individualistas à procura do desenrascanço.
Neste tempo de campanhas políticas, convém que recordemos que o verdadeiro líder é o que sabe identificar quais são os desafios mais significativos que a nação confronta. Apesar do risco que existe, quando se reduz a lista dos problemas fundamentais a dois ou três de particular importância, parece-me essencial focar as atenções e ser claro quanto aos objectivos a atingir nessas áreas consideradas de maior prioridade.
Na minha opinião, Portugal enfrenta dois desafios muito significativos.
O primeiro diz respeito à pobreza e à fragilidade social de largos segmentos da nossa população. Combater a pobreza e atenuar a insegurança económica que define a vida de muitas famílias são imperativos de justiça social, de ética pública, bem como um requisito básico para assegurar um maior nível de coesão social e de cidadania responsável. Exigem um pacote de medidas que deverá ir muito além do serviço nacional de saúde – que é para muitos, sobretudo nos distritos de maior densidade populacional, uma frustração, uma concha vazia, que lhes possibilita ouvir o mar, em pano de fundo, mas não lhes permite beneficiar da força das ondas – e da assistência social. Tratar-se-á, isso sim, de um plano integrado que mostre resultados às famílias e lhes dê a possibilidade de acreditar que, em Portugal, vale a pena ter ambições e lutar por elas.
O segundo desafio tem que ver com a expansão, a diversificação e a modernização da economia portuguesa. Aqui, as linhas do futuro passam pela reorganização do sistema educativo, incluindo mais aplicação, mais disciplina, mais profissionalismo, e melhor formação profissional, e por outro lado, pelo fomento do investimento na economia, incluindo o investimento estrangeiro, a expansão da agricultura e da pecuária, a reorganização do sector das pescas – com uma incidência a sério na aquacultura.
O meu plano de campanha e de governo seria construído na base destes dois pilares.
Não sei se teria muitos votos. Teria, no entanto, posto o dedo na ferida. E é assim que os problemas começam a ser equacionados e, depois, resolvidos
Cada vez que E. Catroga vem à televisão explicar qualquer coisa relacionada com o programa de austeridade, o PSD perde potenciais eleitores. Com todo o respeito, este senhor é visto por muita gente como uma versão sem saias de Manuela Ferreira Leite, tão de outra época como a senhora, mas pior nas explicações e mais palavroso no verbo.
N'Djaména está transformada, nos bairros pobres, num pântano. Tem chovido e as águas ficam paradas, em milhares poças gigantescas. Parecem pequenas imitações do Lago Chade. É verdade que o lago já chegou, há muitos anos, a cobrir estas terras onde hoje se afoga a cidade.
Na política portuguesa, continua a pré-campanha. Chovem acusações de todo o tipo. A sociedade está alagada. Há muitos pântanos. Onde as ideias não conseguem germinar.