Nas vésperas da cimeira de Brasília e depois de ter contribuído no último ano para a reestruturação do Secretariado Executivo da organização, ouso dizer, com pena, que o governo português não tem uma linha estratégica clara e bem pensada em relação ao futuro da CPLP.
Nisto não é, aliás, diferente do governo precedente.
Poderia ter aproveitado a discussão sobre o preenchimento do lugar de Secretário Executivo, um assunto que esteve em cima da mesa este ano, para o fazer. Preferiu, no entanto, optar pelo fogo-de-vista e exigir que esse mandato fosse repartido entre São Tomé e Príncipe e Portugal. Ou seja, lutou e indispôs os outros parceiros, para que houvesse dois Secretários Executivos nos próximos quatro anos. Esta guerra que o governo português ganhou não promove a estabilidade e a coerência da liderança da CPLP. Dois anos de mandato por dirigente não constituem uma missão. São, isso sim, uma passagem de carreira, à espera de um destino mais atraente.
Poderia ter igualmente aproveitado a longa e penosa discussão que levou à redacção de um documento que os Estados membros chamam de estratégia, mas que na realidade nada mais é do que um apanhado de generalidades e de conversa fiada. Portugal, durante esse processo de elaboração, limitou-se a acompanhar os trabalhos, sem entusiasmo nem intenção de enriquecer a reflexão comum.
Agora, António Costa sai da caixa de surpresas, movido pela mola da visibilidade mediática, e diz, meio a sorrir, que vai propor a liberdade de residência para os cidadãos da CPLP. Assim mesmo! No meu entender, trata-se de mera demagogia, um tiro de pólvora seca sem efeito para além do ruído e da chamada de atenção. O acordo de Schengen não permite nem que se pense nessa hipótese. E, para mais, não vejo Angola, por exemplo, a abrir as portas e a permitir que emigrantes guineenses, ou são-tomenses se instalem no país. A proposta é, aliás, um bom exemplo da pouca seriedade com que tratamos as matérias da CPLP.
No momento em que se celebram os 20 anos da CPLP, quero deixar uma mensagem de felicitações aos dirigentes executivos do secretariado da Comunidade e aos seus funcionários. Com poucos recursos e muitas dificuldades políticas, a equipa actual faz muito e com dedicação. Uma boa parte das iniciativas tem um cariz mais técnico, mas são importantes e dão significado à organização. Outras estão ligadas à sociedade civil e ao mundo empresarial, e são igualmente apreciáveis.
Na verdade, há que saber limitar as ambições políticas e estratégicas de uma organização que é profundamente heterogénea. Imaginar a hipótese de grandes voos só pode levar a frustrações. O futuro tem pouco em comum, para além da ligação a uma língua que para muitos continua a ser um idioma de empréstimo. Esta é uma base ténue para construir um projecto partilhado. Mas é a que existe. E é nela que será sobretudo necessário investir. Se assim se fizer e se se for mantendo o contacto entre todos de modo mais privilegiado, já se estará a conseguir muito.
A grande tarefa é saber definir o possível e gerir as expectativas com realismo e verdade. Sem lirismos nem falsas promessas.
A solução proposta pelos ministros dos Negócios Estrangeiros da CPLP, em resposta à surpresa causada por Portugal, é má.
Portugal queria ter um cidadão seu como Secretário-Executivo da CPLP, a partir de Julho deste ano. E invocava o princípio da rotatividade. Depois de Moçambique, que ocupa actualmente o cargo, seria a vez de ter um luso à frente da comunidade.
Os países africanos – e não só, pois o Brasil também via a coisa dessa maneira – achavam que Portugal deveria prescindir do lugar, porque a sede da CPLP está em Lisboa. É uma maneira de ver defensável. Assim acontece com o Commonwealth e com a Francophonie, entre outras. É, além disso, boa política quando o país que colonizou não reivindica a direcção de uma estrutura que tem sabores do passado.
Nesse caso, o futuro patrão deveria vir de São Tomé e Príncipe. São Tomé até já tinha um candidato na calha. E beneficiava do apoio de Angola, nomeadamente.
A reivindicação portuguesa veio criar confusão na CPLP, numa altura em que a organização precisa de consenso, para acertar numa visão estratégica que faça sentido, e que Portugal pede apoio para outras coisas, inclusivamente para a candidatura de António Guterres às Nações Unidas.
E a confusão aumentou com a solução encontrada. Normalmente, o Secretário-Executivo é eleito por dois mandatos, de dois anos cada. Ou seja, espera poder estar à frente da instituição o tempo suficiente para levar a cabo uma agenda proactiva e renovadora. Quatro anos é um mínimo, neste tipo de situações, para obter resultados consistentes. Agora, com o acordo manco e aparvalhadamente salomónico que foi aprovado pelos ministros, vamos ter um líder por dois anos apenas. É um período de tempo manifestamente insuficiente. Em dois anos pouco se pode fazer. É apenas uma passagem. A curta duração do mandato, por outro lado, enfraquece o Secretário-Executivo. Isto quando tudo recomenda que a posição seja fortalecida.
Enfim, trapalhadas de amadores e desinteresses de gente que não acredita na CPLP.
O próximo Secretário-Executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) deverá ser eleito na cimeira de Julho deste ano. O Embaixador Murade Murargy, moçambicano, terminará, nessa altura, o seu segundo e último mandato.
Depois de Moçambique, por ordem alfabética, vem Portugal. Como a sede da CPLP está em Lisboa, a tradição diplomática tem sido a de não escolher um português como Secretário-Executivo. Neste caso, São Tomé e Príncipe deveria propor o nome do próximo líder do secretariado. E está preparado para o fazer.
Entretanto, o novo ministro português dos Negócios Estrangeiros resolveu, desde o início da sua entrada em funções, que Portugal apresentaria um candidato. Os estatutos da CPLP permitem-no, mas a prática da casa tem sido outra. Por isso, o anúncio do ministro, que foi entretanto repetido várias vezes pelo próprio, sem que ninguém lhe perguntasse nada mais sobre o assunto, tem estado a causar mal-estar nos países africanos próximos de São Tomé, para além da inquietação que provoca em São Tomé.
Vai ser interessante ver como se irá desenrolar esta situação diplomática.
Escrevo sobre a Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP) na Visão que hoje saiu para a rua.
Passo a transcrever o meu escrito. Boa leitura.
CPLP: a renovação necessária
Victor Ângelo
Estamos nas vésperas do encontro anual dos ministros dos Negócios Estrangeiros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Vai decorrer a 23 e 24 deste mês, em Díli, porque Timor-Leste assegura a presidência da Comunidade até meados do próximo ano. Ainda bem. Os dirigentes timorenses têm revelado um empenho exemplar. Estão sinceramente interessados no bom funcionamento da CPLP, sobretudo no que respeita ao afinamento da visão comum e à adaptação da organização às novas realidades internacionais.
Criada em 1996, a Comunidade tem um passado mais variado e rico do que muitos imaginam. Deve, no entanto, evitar a dispersão, o toca a tudo e a rigidez oficial. É altura de proceder a um balanço e dar um enfoque claro e incisivo às ambições para os próximos anos. Existem condições para que isso possa acontecer. Para além do dinamismo da liderança timorense e resolvida que está a questão da Guiné Equatorial, um assunto que criara uma tensão política aguda entre os Estados membros, a última cimeira, em 2014, deu luz verde a um processo de reflexão estratégica. Há, deste modo, um mandato que é preciso saber aproveitar. Para mais, o atual Secretariado Executivo já demonstrou que está pronto e tem a genica necessária para apoiar um exercício de renovação.
Não será, no entanto, uma tarefa fácil. As organizações deste tipo resultaram das ambiguidades pós-coloniais e de uma maneira de ver a cooperação e a ajuda ao desenvolvimento que já não faz grande sentido. O que une os países membros é ténue e, com a exceção da língua, são coisas doutros tempos, lembranças e nostalgias dos mais velhos. É fundamental encontrar uma nova razão de ser, que mobilize realidades geopolíticas muito diversas. É esse o debate os dirigentes devem ter a coragem de enfrentar.
Para além de coragem, pede-se diplomacia, peso e medida. A organização é de todos, não é uma extensão do ministério dos Negócios Estrangeiros do país A ou B, nem um apêndice de um qualquer instituto de cooperação. Tem que funcionar como uma instituição intergovernamental e na base de uma plataforma administrativa supranacional. Assentar o seu funcionamento nas práticas do Estado onde se situa a sede não me parece ser a melhor opção. Por exemplo, o Secretariado deve poder atrair inclusivamente os profissionais mais competentes da nação que pague os salários mais elevados. Aplicar a escala remuneratória portuguesa tem como consequência a falta de entusiasmo por postos profissionais na CPLP de candidatos de topo do Brasil ou de Angola, para mencionar apenas dois casos.
Para começar, é preciso conquistar a opinião pública. A comunidade de países só conseguirá ganhar asas se se transformar numa comunidade de povos. Há que ultrapassar as dimensões puramente estatais, que têm a sua importância mas que pouco dizem aos anseios das pessoas. As populações têm que ver vantagens neste projeto. E não me refiro apenas ao Brasil, onde só uma mão cheia de iniciados sabe do que estamos a falar. Para os cidadãos, a CPLP tem que se traduzir num esforço coletivo por mais dignidade e segurança, ou seja, ser um espaço de direitos humanos, uma espécie de segunda pátria capaz de abrir horizontes e de funcionar como um porto de abrigo. Deve igualmente facilitar as trocas comerciais e os investimentos. Assim, a língua comum seria o cimento de uma visão capaz de promover o respeito de todos e os direitos de cada um bem como uma alavanca de resposta conjugada aos desafios da globalização.
A mesa-redonda de doadores da Guiné-Bissau, que teve lugar em Bruxelas na quarta-feira, atraiu um elevado número de participantes. Um número que me surpreendeu, devo acrescentar. Também é verdade que muitos estiveram presentes mais como observadores do que como parceiros do desenvolvimento da Guiné. Este facto levou algumas personalidades amigas do país a comentar, após a reunião, que a mesa-redonda teve muita parra mas pouca uva. Mostravam, assim, a sua decepção, sobretudo porque vários países não prometeram qualquer tipo de ajuda.
Creio, no entanto, que o saldo é positivo. Foi, por um lado, um passo importante para a normalização das relações com o governo de Bissau. Politicamente, isto é muito importante. Permitiu, igualmente, definir melhor as prioridades. E mostrou que o governo era capaz de fazer uma análise serena das dificuldades e reconhecer, em seguida, quais as medidas que deverão ser tomadas. Ora, tudo isto é de apreciar.
Passei a manhã a discutir matérias relacionadas com o funcionamento da CPLP, a organização que agrupa os países de língua oficial portuguesa. E fiquei impressionado pela clareza do diagnóstico que foi feito pelo Secretário Executivo. É verdade que o Embaixador Murade Murargy é um diplomata moçambicano com vastíssima experiência das relações internacionais e da política. Ainda bem que está à frente do Secretariado da CPLP. Só posso desejar-lhe que o ano e picos de mandato que lhe resta seja um período de consolidação de algumas das suas ideias.
A CPLP, Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, continua a ocupar uma parte significativa do espaço de debate público em Portugal.
A admissão da Guiné-Equatorial está no centro das discussões. O assunto foi objecto de debate na Assembleia da República portuguesa, onde uma moção de censura vinda dos Bloquistas foi a votação e perdeu. A moção pode não ter tido qualquer importância, em termos de política externa, por ter sido derrotada. Serviu, no entanto, para mostrar que o Partido Socialista está dividido em duas metades. Pelo menos na Assembleia.
Entretanto, Pacheco Pereira afirmou, com aquela certeza beata que o anima e faz falar, que a questão da Guiné- Equatorial foi uma humilhação para o governo português. Aproveitou, também, para lançar mais uma farpa e dizer que Portugal não tem política externa.
Humilhação não terá sido.
Já aqui disse que Portugal não é o dono da CPLP, nem a organização se deve identificar apenas com os interesses de Portugal. Também não vale a pena pensar na relação com os outros estados da CPLP a partir de uma maneira de ver inspirada num choradinho pós-colonial, com as lágrimas e os sentimentos de quem não pode aceitar que as antigas colónias já não fazem parte do império. A CPLP não é a sombra de uma colonização que ainda não foi suficientemente aceite. Temos que descolonizar as nossas cabeças bem pensantes.
Aliás o problema é o de saber o que é e para que serve a CPLP. Não será para manter a língua portuguesa nas antigas colónias, que para isso não tem servido para nada. Nem será para lembrar aos outros Estados que foram dependências de Portugal. Também não servirá para criar um espaço político entre países com interesses muito diversos e com capacidade de intervenção estratégica muito desigual.
A CPLP é um mito. E como tal deve ser cultivada. E vista.
Mas o maior mito é pensar que a CPLP existe de facto. Sugiro que se vá ao Brasil e se pergunta aos intelectuais mais esclarecidos e bem informados o que pensam sobre a CPLP. Nada. Nem sabem o que é.
E esse é o grande desafio.
Malabo é pouco mais do que nada, no grande ou pequeno esquema das coisas da CPLP.
A verdadeira humilhação vem, isso sim, do Brasil.
E de Angola, em seguida. De uma Angola cuja capital se chama arrogância.
Depois, temos a nossa humilhação caseira, a que vem de ver os nossos intelectuais, aqueles que ainda pensam que o mundo gira à volta de uma Lisboa de província e de bacocos, a bater no peito e a lançar petardos políticos.
Numa discussão recente no Ministério dos Negócios Estrangeiros, um embaixador amigo perguntava-me, com uma certa amargura, qual era a minha opinião sobre a entrada da Guiné-Equatorial para a Comunidade dos Países de língua Oficial Portuguesa (CPLP). Acrescentou, como preâmbulo à sua questão, algumas considerações conhecidas sobre a situação dos direito humanos nesse país. Poderia ter também referido outros aspectos, como os relacionados com a má governação, a corrupção e mesmo a segregação étnica, mas não o fez.
Agora a Guiné-Equatorial está nas vésperas da sua adesão à CPLP.
E a minha resposta continua a ser a mesma. A CPLP não é propriedade do governo português. Cabe à maioria dos seus membros decidir sobre as questões de interesse comum. Portugal não pode dar a impressão que mantém uma atitude paternalista e de ingerência pós-colonial. É verdade que a entrada de um novo Estado membro tem que ser aprovada por consenso. Mas também há momentos em que o consenso se obtém não por se estar de acordo mas por haver outros interesses mais altos em jogo. O relacionamento, neste caso, com Angola e São Tomé e Príncipe, os padrinhos do governo de Malabo, são importantes para nós.
E a Guiné-Equatorial, um país que em 1968 era dos mais desenvolvidos de África e que hoje é um exemplo dos enormes contrastes que existem entre a riqueza absoluta de quem controla o poder e a miséria de grande parte da população, passa a ter assento na CPLP.
Não será por isso que mudará o seu modo de governação.
E a opinião pública em Portugal deverá, agora mais do que nunca, chamar a atenção de todos e de quem nos quiser ouvir, para a importância da boa governação e dos direitos humanos. Em Malabo, em Bissau, em Luanda, ou mesmo aqui, em Lisboa.
A teoria política ensina-nos que uma grande parte dos países que passaram por um período de crise nacional profunda tem um grau de risco elevado, ou seja, muitas possibilidades de voltar a ter uma crise fracturante e violenta. Perante isto, é fundamental que os amigos de Moçambique ajudem esse país para que não caia numa situação de confronto armado entre o governo e a Renamo. O que aconteceu nos anos oitenta e no início da década de noventa foi muito grave e não deveria ter a mínima hipótese de acontecer de novo.
Portugal é um parceiro de primeira ordem de Moçambique. Tem, por isso, a responsabilidade de contribuir – discreta e diplomaticamente – para o serenar dos espíritos e para o diálogo nacional entre os líderes moçambicanos. Deve-o fazer em ligação com os outros estados da CPLP e os países vizinhos de Moçambique, neste caso, no quadro da SADC (Southern Africa Development Comunity).
É verdade que o ministro português dos Negócios Estrangeiros é um nulo e por isso, incapaz de pegar no assunto. Também é certo que a equipa política do ministério é apenas um verbo-de-encher. Mas existe no ministério e na sociedade portuguesa gente que o pode fazer, em nome do nosso país. Há aqui um papel para a sociedade civil, entre outros.