Fui caminhar a passo acelerado com a Saskia, no parque que está a dois passos de casa. As árvores estão lindas, nesta altura de castanhos e dourados. Ela gostou tanto, a velocidade parece ser um dos seus fortes, que cantou durante todo o percurso. Mas viver a alta velocidade, cansa. Dormiu quase toda a tarde. O que me permitiu, como eu estava de guarda, ter tempo para pensar que 7 000 milhões de almas é muita gente. Em África já são mais de 1 000 milhões. A pressão sobre os recursos naturais é imensa, sobretudo quando a ela se junta a sofreguidão dos que querem tirar partido e enriquecer rapidamente.
Curiosamente, nada disto parece perturbar, para já, o sono da miúda. Nascida o ano passado, esta é uma criatura do século XXI. Mas, quem pode imaginar, hoje, o que será este século?
A reflexão estratégica sobre o futuro de África deverá ter em conta os seguintes desafios e processos de transformação, que irão ocorrer nas próximas três décadas:
a) O crescimento da população. Em 1980, havia 480 milhões de Africanos. Em 2010, mil milhões. Em 2050, os Africanos serão 1,8 mil milhões.
b) A urbanização acelerada. As migrações internas.
c) A emigração para outros países africanos, para a Europa e para outros continentes.
d) O emprego dos jovens. 500 milhões em idade de trabalhar em 2010. Serão 1,1 mil milhões em 2040.
e) O desenvolvimento desigual. Dualidade. Modelos de desenvolvimento vão ser postos em causa. Ao mesmo tempo, aparecimento de classes médias, crescimento do poder de compra.
f) Desertificação, desflorestação, pressão sobre os recursos naturais.
g) Redes criminosas internacionais, tráfico de drogas, de armas e terrorismo. Pirataria na Costa Ocidental de África.
h) Governação, instabilidade, desagregação social. O caso do Sul Sudão. Conflitos internos, etnicidade, confrontos religiosos. Conflitos bélicos entre estados.
j) Mais riqueza, maior peso na economia global, mais FDI em África e de África noutras partes do mundo, a começar pela Europa.
k) Maior afirmação política nas instituições internacionais, novas parcerias com a China, Índia, etc. A questão da participação como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
A reflexão também deve ser feita na Europa, visto que muitas destas mudanças que irão ocorrer em África terão um impacto significativo no continente europeu.
A cimeira sobre a segurança alimentar, que hoje começou em Roma, por iniciativa da FAO, é a terceira, esta década, sobre os problemas da fome no mundo. Mas a verdade é que continuamos a ser cegos, não notamos, nem queremos ver, que este é um problema que poderia ser resolvido. Existem conhecimentos suficientes e técnicas adequadas para garantir um mínimo para todos. Faltam, apenas, os líderes à altura. A coragem das decisões, uma outra visão da vida.
Ainda na semana passada, a equipa militar de hidrologistas noruegueses, que está agora em missão no Chade, descobriu um lençol de águas subterrâneas às portas da cidade de Iriba, no deserto. Iriba vive na miséria, com falta de água, sem conseguir dar de beber aos seus habitantes, que nem vale a pena pensar nos animais e nas plantas. É uma terra de areias e de securas. Sem agricultura, com os camelos perdidos nas pedras que cercam a pobreza das pessoas.
E a água existe. Trata-se, simplesmente, de ter os meios que nós temos, para a encontrar. O resto é uma questão de furos, tubos e decisões políticas equilibradas. Que o acesso à água é uma das fontes de desigualdades sociais.
É, um pouco por toda a parte, a mesma situação. Onde hoje se morre de fome e sede, com juízo e meios técnicos, é possível, amanhã, produzir as culturas que fazem viver.
Mas também há que evitar um consumo excessivo, uma demografia sem controlo e uma pecuária sem limites.