Disseram-me hoje, durante a minha caminhada habitual, que os carteiristas que operam junto do monumento das Descobertas e da Torre de Belém continuam desacorçoados. Estamos no pino de agosto e não há turistas que se vejam. É verdade que há um pouco mais de movimento, quando comparamos a situação de agora com a de finais de julho. Mas é minúsculo e não dá nem para os trocos.
Ontem escrevi umas breves linhas sobre o impacto da covid na economia, na nossa e na global. Pensei que não seria necessário socorrer-me de muitas palavras para transmitir a mensagem que as perspectivas económicas são dramáticas, de modo directo para uns e por ricochete, com o tempo, para todos. Tudo o que possa contribuir para a expansão da pandemia e o contágio é mau, quer do ponto de vista da saúde quer da economia. Por isso, as medidas que o governo se viu obrigado a adoptar hoje, relativas à grande Lisboa – a Área Metropolitana – são justificadas. Se há algo a dizer, é que pecam pela circunspecção. O governo não quis dar um sinal de alarme, quando na realidade existe uma situação que é potencialmente preocupante. A intenção é a de responder mas sem afastar os possíveis turistas. O problema é que, lá fora, Lisboa já é notícia. Num dos principais diários belgas, aparece mesmo na primeira página.
Isto mostra que está em jogo a possibilidade de alguma recuperação da economia a curto e médio prazo. Também significa que há quem não entenda isso e adopte comportamentos de risco. Festas e multidões nos centros de bricolage, por exemplo. Temos, ainda, os técnicos das leis, que nos falam de procedimentos, quando nos deveriam dizer que estamos numa situação em que o interesse nacional está comprometido e que eles, enquanto letrados nos enredos jurídicos, só podem dar o apoio às medidas – modestas – que o governo decidiu tomar. Enquanto vozes públicas, deveriam ser dos primeiros a contribuir para a educação cívica e não para a confusão procedimental.
Foi isso, aliás, o que disse ao meu afilhado, que é doutor em leis e faz anos este Sábado. A sua intenção era a de organizar, em sua casa, um jantar para a família e alguns amigos. Falámos sobre esse plano. E concluímos que vamos fazer uma festa das grandes, que ele entra na categoria dos 50. Mas, cada um em sua casa e à frente do computador. Não haverá bolo de aniversário, porque servir um fatia pela internet não é fácil. Cada membro da família e convidado arranja um pastel de nata e um copo de qualquer coisa, canta-se os parabéns pelo cabo e estaremos todos juntos, com muita alegria, e certos que o virtual é melhor do que uma cama de cuidados intensivos ou um contágio que nos estrague o pouco de economia que ainda nos resta.
Ninguém lhe pergunta pelo nome. Há anos que passa o dia na esplanada da rosa-dos-ventos, junto ao Padrão dos Descobrimentos, em Belém. A vender óculos de sol. Durante alguns anos, foi o único vendedor. Agora, o sítio está cheio de “ciganos”, como ele diz, todos no mesmo negócio. Ele também é cigano, mas de outra estirpe, um verdadeiro senhor, sem sotaque e sempre bem apresentado. Elegante, à sua maneira, que quem vende deve inspirar confiança.
Para quem passa, hoje ou frequentemente, é apenas um velho cigano que por ali anda, 67 anos de idade, a tentar vender uns óculos que poucos compram. Na verdade, com a concorrência que por ali há agora, tem dias em que vende apenas um par. Diz que mesmo assim vale a pena, que isso o ajuda a passar o tempo, permite-lhe sair de casa, longe do rio, na zona de Loures.
Nestes últimos tempos, anda encostado a uma canadiana. Tantos anos de pé, à volta do mundo que está desenhado no chão da rosa-dos-ventos, deram-lhe cabo de ambos os joelhos. De vez em quando não se aguenta nas pernas e cai. Mas com a afluência de turistas, há sempre quem o ajude a levantar-se. Um vendedor de óculos de sol vive e sobrevive de pé.
Está inscrito no Hospital de Loures há muito mais de dois anos, para fazer a operação que os joelhos lhe pedem. No chamado Serviço Nacional de Saúde. Já o convocaram, há cerca de um ano, para falar com o anestesista. E depois, é só esperar. E lá continua à espera, talvez mais um ou dois anos. Nessa altura, já deverá andar de cadeira de rodas, sempre à volta do mapa do mundo. O SNS pode não funcionar, mas a vida de vendedor ambulante não pode parar.
Entretanto, vai-se consumindo na resignação revoltada de quem não tem nome nem acesso. E de quem sabe o que significa ter que esperar pelo SNS.
O Diamantino é, afinal, à sua maneira, como muitos de nós.
Nesta altura do ano, as minhas caminhadas diárias passam pela esplanada da Torre de Belém. E mesmo agora, já tarde em setembro, a zona está cheia de turistas. Neste momento, são sobretudo gente da terceira idade, vinda até Lisboa nos navios de cruzeiros. E todos os dias lá estão cerca de duas dezenas de gente nossa, cigana, os homens a tentar impingir aos turistas paus para tirar selfies, uns sticks de plástico barato, e as mulheres, xailes de fibras artificiais, fabricados num qualquer país da Ásia, e comprados aos quilos, num qualquer canto mais escuro do mercado informal em que os nossos concidadãos ciganos se movimentam bem. Quando recentemente indaguei como ia o negócio, um dos homens disse-me que este tipo de turistas dos cruzeiros não compra paus nem panos. Mas a verdade é que ele e os outros e outras lá estão, persistentemente. Por vezes, nem deixam os turistas tirar as suas fotos em paz, tal é a ânsia de vender. Ainda hoje assisti a uma cena dessas, com o velho turista a implorar que o deixassem em paz, para poder tirar uma ou duas fotografias à Torre. Por vezes, a PSP aparece no local. E nessa altura, pode tirar-se toda a fotografia que se quiser, na maior das tranquilidades. Os meu amigos vendedores desaparecem da esplanada, num segundo, como que levados por uma rabanada de vento frio. Nessa altura, não há pau nem xaile para ninguém.
Estando prevista para amanhã ao fim do dia uma manifestação dos estivadores, penso que é altura de se começar a pensar no desenvolvimento a sério dos outros portos nacionais de mercadorias, em alternativa ao porto mercantil de Lisboa. Com o tempo, fará cada vez menos sentido ter um porto comercial no centro da cidade capital, com tudo o que isso implica de trânsito de camiões e de comboios de mercadorias, para além das questões estéticas e de ordenamento urbano. Essa zona ribeirinha deve ser aproveitada para a navegação de recreio, para os cruzeiros e para as actividades de lazer. A prazo, Setúbal, por exemplo, poderá receber uma boa parte do tráfego. Sem esquecer, claro, Sines e Leixões.
Fui hoje ao mercado da Ajuda, aqui em Lisboa, a dois ou três passos do sítio onde moro.
Vou lá de vez em quando. Hoje notei que várias das bancas estão livres, abandonadas, por já não haver quem esteja interessado no seu aluguer. Estimo que cerca de metade do mercado esteja nesse estado, como se fosse um projecto em vias de desaparecimento. Há menos vendedores e a clientela é relativamente idosa e com pouco poder de compra.
E também há, nas redondezas, uma proliferação de pequenos supermercados, que ajudam a dar uns tiros na sobrevivência do mercado tradicional.
Dá gosto ver áreas públicas bem cuidadas. Foi o que aconteceu hoje, quando fui andar de baloiço com a minha neta no parque dos moinhos do Alto da Ajuda, em Lisboa. O jardim está impecável, os moinhos bem cuidados e o espaço infantil arranjado como deve ser. As crianças brincam com contentamento.
E a vista é soberba.
O único ponto de interrogação diz respeito às instalações que haviam sido previstas para funcionarem como restaurante. São umas instalações amplas e bem desenhadas. No passado, houve ali um restaurante que até nem era mau. Agora não há. As salas estão subaproveitadas, a fazer de pequeno ginásio. Um projecto tímido, pouco mais do que a fingir, só para que não se diga que a coisa está fechada.
Talvez um destes dias apareça por ali um projecto de utilização mais a sério. Mas que estará sempre condicionado pelo facto do parque fechar ao fim do dia.
Um optimista acaba por escrever, com mais ou menos frequência, sobre causas perdidas.
Não sei se Portugal é uma causa perdida. Mas a verdade é que procuro escrever pouco e espaçado sobre o nosso país. Mas hoje, volto à carga, o que fará de mim, talvez, um optimista arreigado ou, no pior dos casos, palerma.
Assim, depois de ver o que passa no meu bairro, aqui junto ao estádio do Belenenses, e noutras partes da cidade de Lisboa, onde a incompetência e o desleixo do município nos entram pelos olhos dentro, fico a pensar no que irá acontecer ao pobre do país, quando as eleições forem ganhas, como parece que poderá ser o caso, por quem tem mostrado provas tão evidentes de desinteresse pelas coisas públicas e pouca capacidade para discernir o que devem ser as prioridades de uma população. Sem contar com o pouco jeito para fazer funcionar as coisas.
Fico, mais ainda, que gostamos de eleger quem por aí anda a vender ar quente. Como tantas vezes tem acontecido.
Em termos de gestão do ambiente e da qualidade do ar, Zurique ganha ao resto das grandes cidades europeias. E Lisboa, num total de 23, aparece como a 22ª, ou seja, numa posição que nos envergonha e que mostra a falta de interesse ou de competência dos dirigentes da nossa capital, em matéria de medidas que melhorem a qualidade do ambiente da cidade.
Ao ver estes dados lembrei-me de vários comentários de amigos meus, estrangeiros, que acham que Lisboa tem uma situação privilegiada em termos de paisagens, de localização e mesmo de clima, mas dá, ao mesmo tempo, a ideia de uma urbe pouco cuidada e caótica.