Domingo de Páscoa. A minha rua está vazia. Como se tratava de um fim-de-semana prolongado, os vizinhos saíram da cidade. Fico uma vez mais com a impressão que nesta rua não há crise. Há, isso sim, um grande interesse pelos dias feriados. Como se a vida quotidiana fosse um mero compasso de espera, entre períodos de lazer. Nisto, a Europa é muito diferente dos Estados Unidos, para já não falar da China. Na América há menos feriados, férias anuais mais curtas, menos pontes.
E existe também uma outra grande diferença: neste país onde me encontro, quem chega aos 65 anos é obrigado a parar e a ir para a reforma. Não pode, excepto em casos muito excepcionais, continuar a exercer uma actividade laboral remunerada. Nos Estados Unidos, é frequente ver pessoas de idade avançada ainda a trabalhar. O sistema de reformas não é tão generoso como o europeu.
Afinal, o “mundo global desenvolvido” tem muitas disparidades. O que nos parece ser a verdade absoluta é visto por outros de um modo bem diferente. É bom pensar nisso.
Como cidadão cumpridor, limpei a neve no passeio em frente à minha casa. Ocupado que estava, não vi chegar o meu vizinho, que me olhava com admiração, face ao meu exemplo cívico. Depois, dirigiu-se a mim e disse-me, com amizade e amabilidade, que este tempo horrível me daria certamente saudades de Portugal.
Não tive coragem de lhe dizer que os tempos que correm no meu país são de tempestade.
Têm estado uns dias muito frios. Noto que isto me tem levado a mais trabalho de secretária e a menos saídas. E hoje, no meio desta neve toda, senti-me como um urso, meio hibernado.
Passei cerca de uma hora no Consulado-geral de Portugal em Bruxelas. A sala de espera tinha poucas pessoas. Mesmo assim, as histórias que ouvi – gente recém-chegada à emigração, sem papéis, totalmente dependente das oportunidades de emprego que outros portugueses lhes oferecem, às vezes com dolo e exploração sem limites – deixaram-me apreensivo. Em muitos dos que vão chegando, há uma mistura estranha de sofrimento, revolta, vontade de vencer e falta de preparação para a vida profissional e para compreender o mundo de agora.
Pensei que visitas regulares e demoradas a salas de espera de consulados portugueses, nos tempos de hoje, dariam azo a uma recolha de dramas de vida que, bem arrumadas num romance sobre a nova vaga de emigrantes, poderia ser um best seller.
Acabei por caminhar mais de seis horas. Paris é assim. É um encanto, em termos de arquitectura, espaço e gente. Sobretudo num dia lindo de sol como o de hoje. Nas grandes avenidas, ou nos bairros, nas zonas residenciais – passei uma boa parte do dia a percorrer o XV arrondissement – respira-se uma maneira de viver que nos faz esquecer a crise. E caminha-se, caminha-se, quer-se ver mais e mais.
Mas, cuidado. É uma atmosfera enganadora, claro, pois quem queira observar com uma atenção mais apurada, nota que se consome menos, que há mais recato nas despesas, que se aproveita mais o que é grátis, como os jardins públicos, os passeios nos grandes boulevards, a paisagem monumental e humana. Mesmo assim, um longo passeio em Paris faz esquecer as mentes pequeninas e as crises grandes.
Creio que já o escrevi nestas páginas, há muito tempo, que em matéria de liderança política, quando há uma competição entre dois contendores fortes, o que pestaneja e mostra uma ponta de hesitação perde a disputa. E pode mesmo perder a imagem que conta, que é a que revela se está à altura do embate e pronto para ganhar. Que nestas coisas, só se lá vai para ganhar. Quando se perde, e o prémio que estava em disputa era grande, perde-se de vez. Sim, porque mais tarde haverá sempre quem venha lembrar que esse candidato que pestanejou e teve medo de ir até ao fim não tem, lá bem no fundo, estofo de campeão. Sem esquecer que a oportunidade de hoje pode não se repetir amanhã, que isto do futuro é muito incerto.
Tentei comprar dois bilhetes de avião nos Estados Unidos. A companhia aérea pediu-me um pouco menos de 600 dólares pelas passagens. O governo americano, por seu turno, leva-me mais de 1200 dólares em taxas, sobretaxas e outros impostos.
Na Europa, é mais ou menos a mesma coisa, embora não se chegue ao exagero americano, em que cada passo dado num aeroporto leva com um tributo ou emolumento em cima. A que se junta a profunda antipatia do pessoal da segurança e dos controlos.
Visitei hoje o Salão Automóvel de Bruxelas, edição 2013. Os pavilhões estavam a abarrotar de gente. Fiquei a pensar como é possível haver tanto visitante disponível para passear pela exposição, numa manhã de sexta-feira. Estranho.
O salão deste ano dá uma certa prioridade às motas e outros engenhos de duas rodas. Vi dois pavilhões enormes cheios dos mais variados modelos. Parece que a mota é uma opção cada vez mais popular, tendo em conta as centenas de quilómetros de engarrafamentos que ocorrem neste país todos os dias.
Mas o mais interessante foi a visita especial que tive a oportunidade de fazer ao sector dos chamados Dream Cars, as viaturas de sonho. Fiquei apaixonado por uma ou duas, com preços entre 270 mil e 440 mil, a outra.
Como em todos os sonhos, quando voltei à realidade e tive que entrar no meu modesto Fiesta que está a fazer, dentro de dias, sete anos, apercebi-me da minha verdadeira dimensão. Mas sonhar é a única actividade em que podemos “gastar” muito para além das nossas possibilidades.
Estou a ficar com a impressão que existe gente em Portugal que gostaria de pôr uns avisos um pouco por toda a parte a dizer que "Não é permitido sonhar!"
Espero que seja uma onda passageira ou um mau entendimento meu.
Os pensadores que têm porta aberta para a via pública da política portuguesa, sejam eles, jornalistas, autores de blogs, escritores de opiniões ou de poemas, economistas ou comerciantes de favores, bispos ou oficiais na reserva, cantores de fado ou activistas de causas alternativas, especializaram-se todos, nas últimas semanas, em questões constitucionais. Os jornais e as televisões, a net, as assembleias e outras tertúlias transformaram-se em mini Tribunais Constitucionais.
E ainda há quem diga que os portugueses não sabem adaptar-se à crise.