As festas do Natal já passaram. Como de costume, houve embrulhos e papel de prendas por todos os lados. Nestas paragens não há Natal sem grandes manifestações de consumo. Mas o que mais me agrada é poder andar nas ruas do meu bairro e não ver lixo amontoado, caixas vazias das prendas recebidas, embalagens de todo o tipo, espalhadas por tudo o que possa ser sítio próximo de contentores. As ruas estão limpas, não há nenhum sinal da orgia de compras que definiram os últimos dias. Não existem, aliás, contentores nas ruas.
No bairro onde vivo, o papel é recolhido todos os quinze dias. São duas sextas-feiras por mês. Enquanto não chega o dia, o papel e o cartão é guardado em casa, fica à espera. Chama-se a isto civismo. Educação cidadã.
Imagino que os apartamentos e as casas estarão cheios de papel à espera do camião, no dia certo.
Volto às reflexões de Natal, para dizer que é um erro tentar aproveitar o dia ou o momento para fazer propaganda política. O erro torna-se ainda maior quando a propaganda é claramente exagerada, marcadamente enviesada e descaradamente eleitoralista. Ninguém vê com bons olhos esse tipo de “esperteza”. O Natal é um período especial, com profundas raízes emotivas e sensibilidades profundamente espirituais. Os discursos, declarações ou mensagens de Natal devem ser inspirados por valores nobres e mais ou menos universais. Devem reconhecer a coragem dos que a tiveram, a bondade dos que a manifestaram e a solidariedade activa com quem dela precisa.
Seria bom que os fulanos que aconselham certos políticos dos nossos tivessem isso em conta. Que estudassem o que outros dirigentes dizem, nos países da velha Europa. E que procurassem evitar que os seus patrões partidários cometessem as asneiras de que fomos uma vez mais testemunhas. Só que esses miúdos das cortes que giram à volta do poder sabem tanto e têm tanta experiência como um bichinho que acaba de sair da toca.
O Natal transformou-se, na nossa parte do mundo, numa data muito especial. É uma festa abrangente, que ultrapassa as linhas de separação religiosas ou filosóficas. Trata-se da celebração da família e da renovação da esperança. Apesar de algum aproveitamento político, o Natal tem conseguido manter a distância que deve existir entre as coisas da política e a consolidação dos laços familiares e de amizade. Dirão que não conseguiu, no entanto, evitar o uso comercial da data. Na realidade, esta é uma altura do ano em que o consumo dispara. Mas a vida é assim: ter coisas, dar e receber prendas, tudo isso está associado à alegria e aos dias festivos, faz parte da condição humana. Seria injusto ser demasiado severo em relação ao consumismo natalício. Lembro-me de quando era criança, das prendas modestas que recebia e da euforia ao ver os pequenos nadas no sapatinho de Natal. E fico convencido que vale a pena ser de novo como uma criança feliz, pelo menos um dia por ano.
Esta foi uma segunda-feira a meio vapor. As instituições europeias estão em serviço mínimo, os deputados regressaram aos seus países de origem, assim como todos os que à sua volta trabalham, os agentes dos lobbies – pelo menos 15 000 aqui em Bruxelas – arrumaram os cartões de crédito que servem para pagar os chamados “almoços de trabalho”, enfim, até a guerra parece ter fechado, numas tréguas natalícias que ninguém declarou. Do lado dos mercados, as transacções ficaram-se pela casa dos 45% do que é habitual, num dia que não seja perto do Natal.
Hoje este blog fecha mais cedo. Mas não se esquece de todos os que logo à noite e amanhã estarão a trabalhar e de prevenção, de modo a tornar as festas de todos nós possíveis e seguras. É para eles que deve ir um voto muito especial de bom Natal. Depois, para todos os que têm tido a paciência de seguir este blog, nos últimos mais de cinco anos. A escrita cria uma família invisível.
O frenesim das compras de Natal esteve este fim-de-semana e hoje no máximo. Um amigo que está a passar a quadra em Viana do Castelo dizia-me que os centros comerciais e as lojas têm grande movimento. O editor da minha secção na Visão escrevia-me, por email, que estava com a família no rodopio das compras natalícias. Outro amigo dizia-me que até na pacata Moita anda tudo a fazer bicha nas caixas dos multibancos, para retirar o metal necessário para gastar em prendas, comidas e bebidas. Nas redes sociais, os meus contactos não falam de outra coisa.
Talvez não se gaste muito, pensei, mas pelo menos há azáfama e espírito positivo. Lembrei-me então dos subsídios de Natal, que este ano foram efectivamente pagos.
Até os capitalistas andaram nos mercados. Hoje, a banca portuguesa vendeu acções como já não o fazia há muito. Quando os capitalistas investem numa banca que até agora era dada como próxima da falência isto quer dizer que se espera que a economia volte a retomar um certo nível de crescimento.
Espero que assim seja.
De qualquer modo, tudo isto é uma boa maneira de entrar nos últimos dias que anunciam um ano novo.
Nesta época do ano parece ser de mau gosto falar de política. Mas a verdade é que em Portugal, as elites não falam de outra coisa. Será uma obsessão, ou falta de imaginação ou apenas por considerarem que parar no pino do Inverno é uma traição à luta?
Quem me pode esclarecer?
Entretanto, resolvi não ligar aos comentadores televisivos por uns dias. É uma espécie de higiene mental, aproveitando a quadra natalícia…Mas tive logo o azar, depois disso, de ver um mini-vídeo em que aparece aquele fulano que comenta aos Sábados a dizer que a solução é agora um novo aumento do IVA para 24%. Uma coisa temporária, acrescenta, como se não soubesse que em matéria de impostos o que é aprovado como temporário tende a ficar para a eternidade.
Como certos políticos, que de tão eternos que são até já fartam…
Se ao menos fossem como o Menino Jesus e só aparecessem uma vez por ano, na quadra própria…
Os grupos rebeldes, que iniciaram uma ofensiva armada contra o regime do Presidente François Bozizé, na República Centro-africana há umas semanas, continuam a avançar em direcção à capital, Bangui. A sobrevivência do governo está em risco.
Nada disto faz parte dos títulos da informação social ao nível internacional. Quem se interessa por uma terra maior do que a França, mas perdida no meio de África, com cerca de 3 milhões de habitantes?
Os quadros mais seniores das Nações Unidas nesse país passaram uma boa parte do dia de Natal, hoje, reunidos, para uma análise da situação e para decidir como proteger o staff e poder, ao mesmo tempo, continuar a missão de paz de que são responsáveis.
Foi, para esses homens e mulheres, um Natal diferente daquele a que, por estes lados, estamos habituados.
Chegámos ao período das boas festas, com muitos leitores mais preocupados com os votos de Natal e de Ano Novo do que com as complicações do quotidiano.
Ainda bem que assim é, que estes tempos de alívio ocupam agora o espaço das nossas atenções.
Nestas circunstâncias, para quê estar a falar das desgraças da incompetência dominante, quando, por outro lado, ao telefonar a um dos meus amigos o apanhei, mais a família, na Serra da Estrela, feliz e contente por ver que, apesar da crise, o hotel estava cheio e esgotado.
Fim de tarde, com a febre do Natal a agitar as massas...É curioso assistir à globalização do Natal. Mais por causa daquele velhote vestido de vermelho...O velhote traz prendas, surpresas bem embaladas, promete momentos felizes...O menino nascido numa manjedoura perdida algures num canto da história de outrora, faz lembrar pobreza e frio. Não será a melhor lembrança...