Neste dia em que, segundo os indícios que vão surgindo, aumentaram as pressões sobre o governo grego, exigindo um novo programa de reformas muito mais abrangente e contrário à filosofia do Syriza, apareceram igualmente dados sobre a vida em Portugal. Uma espécie de fotografia da Nação, que revela cores muito sombrias.
Estamos hoje pior, segundo o que foi trazido a público, do que estávamos há muitos e bons anos atrás.
Para mim, há duas grandes questões que se levantam e que serão cada vez mais prementes.
A primeira tem que ver com as desigualdades. Na minha leitura dos dados e na observação dos factos, tem-se agravado a dualidade entre uma pequena minoria, que vive desafogadamente e sabe mexer-se nos tempos de agora, e a grande maioria, que luta pela sobrevivência e se sente perdida face às realidades de hoje. A tendência é para que esse fosso social se aprofunde.
A segunda relaciona-se com a nossa incapacidade geral, salvo excepções, de competir numa economia aberta e mais internacionalizada. À medida que se avançar com a abertura dos mercados, com os novos acordos comerciais internacionais que estão na forja, com o apelo ao investimento estrangeiro, ficará mais evidente que não temos, na maioria dos casos, unhas nem capacidade para competir com os que virão de fora. Não estamos suficientemente preparados para a globalização das relações económicas e comerciais. Somos, isso sim, um povo que precisa da tranquilidade, que já não existe, que é um mito, o sossego de quem vive por detrás de barreiras levantadas ao longo das linhas de fronteiras.
Perante estas constatações, se hoje estamos mal, o risco de amanhã virmos a estar ainda menos bem é muito grande. Diria mesmo, que me parece enorme.
É isso, entre outras coisas igualmente estruturantes e urgentes, que a nossa política deveria procurar resolver.
Infelizmente, tenho que voltar a escrever sobre o bullying nos meios escolares. Não apenas por causa do novo caso que chegou à comunicação social – os maus tratos inaceitáveis contra um rapaz de 12 anos, no autocarro do colégio, em Leiria. Nem mesmo porque o condutor do autocarro fingiu que não era nada com ele e por a directora do colégio ter tentado esconder o incidente. Volto ao assunto porque um imbecil de um comentador numa rádio de prestígio veio dizer que o bullying sempre existiu, dando a entender que não há razão para tanto alarido. Ou seja, procurou fazer em público o que muitos fazem pela calada: banalizar a coisa, achar normal que jovens abusem física e psicologicamente de outros jovens.
É contra este tipo de cretinismo opinativo que me bato. É a razão de ser deste blog. E faço-o por saber que estas barbaridades de opinião são moeda corrente, aqui por este país. Noutros países, que conheço e frequento assiduamente, a tolerância em relação aos comportamentos violentos nas escolas é zero. Não se aceita. Responde-se a cada caso de violência com firmeza e celeridade. E fazem-se repetidas campanhas de esclarecimento sobre o respeito pelos outros, os direitos de cada um e os valores da cordialidade e da compreensão em relação aos que são diferentes. A verdade é que essa maneira de tratar o problema dá resultado.
Portugal precisa de levar uma grande volta. Incluindo nesta área e no domínio mais vasto da educação. A permissividade e a passividade actuais estão a dar espaço e a criar os primários de amanhã, os portugueses do subdesenvolvimento, que pouco mais saberão fazer na vida do que dar bofetadas, dizer palavrões, protestar a torto e a direito, e votar pelos partidos radicais, na vã esperança que a sociedade assuma o encargo de tomar conta deles, das suas frustrações e das suas incapacidades.
Estes são momentos que exigem muita calma, muito bom senso. Exageros, de um lado ou do outro, só servem para criar mais fracturas, mais intolerância e mais extremistas numa sociedade que precisa de criar um ambiente de maior serenidade para poder reflectir em conjunto, e de modo positivo, sobre o futuro de todos nós.
Apostar no aumento da taxa de natalidade é não ter em conta as razões que levaram as famílias portuguesas a ter, em média, menos filhos. Essas razões são fundamentalmente económicas, mas também resultam de mudanças fundamentais, de fundo, nos comportamentos das gerações mais jovens. As medidas que venham a ser tomadas pouco ou nenhum impacto terão na inversão da tendência para uma taxa baixa, inferior ao nível necessário para a substituição das gerações.
É mais fácil atrair novos imigrantes que mudar os comportamentos dos jovens portugueses. Uma verdadeira política demográfica terá que passar pela criação de um conjunto de atractivos à imigração de jovens provenientes dos países menos desenvolvidos do Leste da Europa, a começar pela Ucrânia. É aí, desse lado da Europa, que iria buscar uma parte significativa dos “novos portugueses”.
Sem esquecer, claro, que uma parte importante do nosso défice demográfico provém da saída de jovens portugueses para o estrangeiro. Essa face da medalha tembém deve ser equacionada na nossa política populacional.
Visto de longe, que é o meu caso, através dos resumos que têm aparecido na imprensa, o debate sobre Portugal, a União Europeia e o futuro, organizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, deve ser considerado como uma excelente iniciativa.
Reuniu, ontem e hoje, gente com as mais diversas opiniões e abriu a porta ao diálogo, de uma maneira civilizada. É um bom exemplo, num país em que a discussão pública continua a ser feita aos arrebates, tantas vezes, apenas como um desabafo irracional.
Isto não quer dizer que todas as intervenções tenham sido de boa qualidade. Quer dizer, simplesmente, que é bom que olhemos para nós e para a nossa inserção no mundo com tranquilidade e abertura de espírito.
Creio ser uma ilusão, que poderá custar caro, pensar que os outros estados membros da União Europeia, a começar pela Alemanha que sair das eleições deste mês, irão estar mais flexíveis, no que respeita à execução do programa financeiro português. Quem assim pensa acredita que vai ser possível atenuar os prazos de cumprimento das metas e obter dinheiro fresco, sem condições estritas, para um programa intercalar ou cautelar, após a troika e antes do regresso total aos mercados.
A verdade é que os países europeus estão cada vez mais introvertidos. A solidariedade entre as nações europeias é, neste momento e no futuro mais próximo, moeda de pouco valor. Não se pode contar com ela.
Teremos, isso sim, que contar connosco. Isso passa, entre outras coisas, por sabermos defender, sem hesitações, os nossos interesses perante os interesses dos outros. Temos que saber jogar dentro do sistema e ter a coragem das nossas convicções.
Os que acreditam que a solução passa pela saída do euro estão redondamente enganados. A saída seria um salto no desconhecido, um mergulho numa miséria ainda maior. Uma moeda nova e desvalorizada não aumentaria a nossa capacidade de exportação de modo que compensasse. Muito do que exportamos tem incorporado partes e componentes importados. Importaríamos mais caro para vender mais barato.
A solução passa, isso sim, pela nossa criatividade, conhecimento e capacidade de nos conectarmos devidamente ao mundo exterior. Tem que ver com um país aberto ao mundo, não com uma terra fechada sobre si própria.
O tempo do “orgulhosamente só” já passou. Não deu resultado na altura e não daria mais pão agora.
Equacionar a saída do Euro é como dizer aos potenciais investidores estrangeiros, de que o país tanto precisa, e aos emigrantes portugueses, que não é prudente investir dinheiro em Portugal, neste momento. Apresentá-la como uma inevitabilidade, equivale a um tiro no pé. Dizer que traria a independência económica é esquecer a miséria que havia quando estávamos orgulhosamente sós.
Leio nas palavras de amigos um aprofundar do desânimo em relação à situação em que se encontra o nosso país. E um sentimento de impossibilidade como quem não tem poder para alterar o curso dos eventos. Tudo isto acompanhado de uma fúria silenciosa, dirigida sobretudo para os que estão na governação. Como se tivesse deixado de haver esperança. São sinais de uma crise nacional muito séria. Não o reconhecer seria um erro grave. Mas não podemos ficar apenas pelo reconhecimento de que existe uma crise. É preciso resolvê-la. E a solução passa por todos nós e pelas nossas circunstâncias. Estas incluem a nossa presença no euro e na Europa. Quem advoga a saída, está equivocado. Fora da EU e do euro, ficaríamos mais isolados, menos atraentes em termos de investimento, mais entregues às elites tradicionais do nosso país, que são, em geral, uma desgraça. O desafio é o de dar a volta à crise dentro do euro e da Europa. Aproveitando, é verdade, as nossas relações com outras partes do mundo, incluindo Angola, Moçambique, Brasil, a América do Sul e o Norte de África, Marrocos, sobretudo. É um desafio possível. É tudo uma questão de liderança política e de mobilização dos nossos esforços e do nosso saber. Olhando para a frente e não para trás.
No dia de uma nova manifestação de professores, lembrei-me que um lente da Universidade de Évora me disse, esta semana, que a maioria dos seus alunos escreve em português com erros atrás de erros e que, após ler umas linhas de um texto, é incapaz de explicar o que leu. Respondi que assim não se constrói futuro algum. O título universitário, uma vez obtido, corresponde a um diploma desvalorizado e incapaz de competir na praça global.
A única vantagem de produzir diplomados assim é a de aumentar o número dos que se opõem à globalização...
O Expresso está de parabéns. Pelos seus quarenta anos de existência. E, hoje, também pela conferência que promoveu, para festejar o seu aniversário, sobre “Portugal no Mundo”.
Os primeiros ecos que tenho revelam que se tratou de uma conferência com muito interesse, sobretudo devido à participação dos antigos presidentes de Moçambique e de Timor-Leste, Joaquim Chissano e Ramos Horta, do cientista António Damásio, de Henrique Castro da Yahoo, de Miguel Poiares Maduro e do pensador francês Alain Minc, que foi brutalmente crítico da política portuguesa dos anos de noventa.
Como eu gosto de dizer, a debater é que a gente tem alguma hipótese de se entender.