A classe política e os comentadores do costume andam muito ocupados a discutir uma nomeação partidária – do partido do governo, é óbvio – para uma comissão importante. Mas, perante os problemas que o país enfrenta e as reformas estruturais que deveriam ser discutidas e feitas, isto é uma ninharia. O pessoal agarra-se a ninharias com unhas e dentes. Confunde, assim, o acessório com o que é essencial. E quem está no poder, goza.
Alexander Lukashenko, o ditador da Bielorrússia, fez hoje uma série de declarações públicas sobre o acto de pirataria aérea que cometeu no domingo. Claro que, para ele, foi um acto justificado. Só que a justificação que apresenta é uma mentira. Para além disso, mostrou-se furioso em relação à União Europeia. Revelou, assim, que as medidas adoptadas contra ele e o seu regime o preocupam. Espero que continue preocupado.
Por cá, os dias também têm a sua dose de confusão. O Congresso do MEL – Movimento Europa e Liberdade – deu uma valente contribuição ao turvar das águas políticas. Uns, foram lá com o objectivo de reabilitar o Estado Novo. Chegaram, mesmo, a fazer o elogio de Salazar. Outros, foram lá por vaidade pessoal. Não podem dizer que não quando lhe prometem um palco. E depois, apareceu o Rui Rio, a dizer que ele e o seu PSD não são das Direitas.
Fiquei a pensar que a pandemia e o confinamento têm como efeito secundário uma certa divagação política.
Dizem os politólogos mais em voga na nossa praça que o caso Sócrates não afecta, ao nível da opinião pública, nem o partido de que foi secretário-geral nem o actual patrão do mesmo partido, o Primeiro-Ministro António Costa. Ao ver os resultados das sondagens, até parece que têm razão.
Talvez afecte, isso sim, o principal partido da oposição e todos os outros aparentados a esse. Primeiro, porque não consegue tirar vantagem de uma mancha que poderia servir como grande tema de ataque, até porque Costa e outros no poder estiveram subordinados a Sócrates, conheciam-lhe os pontos negativos e fecharam os olhos, por uma questão de oportunismo e de carreirismo. Segundo, porque ao não pegarem no assunto dão azo a que se confirme que também eles têm telhados de vidro. Por isso, calam a boca e chutam para fora.
Na realidade, há mais corrupção na nossa política do que aquilo que se pensa. Não se fala da matéria, pois haveria muita roupa suja para lavar. Certos compadres ajudam a que o assunto não apareça nas páginas públicas.
E quanto mais se sabe mais nos apercebemos que a política actual atrai sobretudo quem vê nisso uma oportunidade de subida na vida sem grande esforço, além do saber dizer que sim.
Na sondagem política que o Diário de Notícias publica hoje destaco três aspectos.
Primeiro, que Rui Rio, o dirigente do PSD, não consegue sair da cepa torta, nem mesmo quando António Costa perde pontos de popularidade. Falta a Rio a chama que um líder político precisa de ter. Isto quer dizer que não consegue projectar uma imagem clara do que significaria votar por ele.
Não terá, lá nas fileiras do seu partido, quem o posso aconselhar em termos de percepção pública? Ou é o homem que não ouve ninguém?
Segundo, o CDS/PP aparece como uma força irrelevante. Com 0,8% das intenções de voto, não acrescenta nada à direita e ao movimento conservador. Fazer acordos políticos com essa insignificância é puro teatro sem consequências, é parvoíce política.
Terceiro, o partido Chega parece ter chegado ao limite das suas forças. Os dados mostram que não tem sabido aproveitar a dinâmica criada pela disputa eleitoral presidência. Consegue, apenas, mobilizar os eleitores mais radicalizados dentro do espectro ultraconservador e numa lógica de saco de gatos enfurecidos, que se arranham uns aos outros.
O que aconteceu e continua a acontecer no nosso Ministério da Justiça, sobre as falsidades que oficialmente foram transmitidas a Bruxelas sobre o procurador europeu, não deve ser classificado como uma trapalhada. É bem mais do que isso. E muito grave. É um abuso do poder, por parte de um grupo de governantes que pensa estar de pé e cal na mó de cima. Olham à volta e não vêem oposição que lhes faça medo. Sentem-se seguros e, por isso, seguem o velho princípio do quero, posso e mando, ao qual juntam o igualmente velho hábito da política portuguesa, o compadrio.
Dito de outra maneira, é uma política sem ética. Corrupta até ao tutano. Sim, que a justiça faz parte do âmago do Estado. É uma função essencial de soberania que se mostra tão desvirtuada como muitas outras.
A Ministra não se demite e o Primeiro-Ministro não se manifesta. Estamos bem entregues.
A maneira como Rui Rio reagiu à nova sondagem do Expresso, que dá o seu PSD em queda acentuada, revela um cinismo parvo e um sentido de humor a que falta o bom senso. Em resumo, não revela inteligência política.
Na realidade, a reacção que tornou pública ajuda a perceber a razão da baixa da popularidade do PSD: não tem um líder à altura.
Numa altura em que o governo de António Costa atravessa várias tempestades – o Ministro Cabrita, o SEF, a mortalidade excepcionalmente elevada por causa da Covid-19, a falta de preparação para a campanha de vacinação, a imprecisão da agenda económica de recuperação, a TAP, a candidatura de Ana Gomes e as divisões que provoca no interior do PS, etc, etc – o líder do principal partido da oposição anda no Twitter a fazer comentários tontos. Para além de não conseguir agarrar o momento para mostrar que tem ideias, planos e uma visão para o país. Uma visão que é, todavia, bem necessária, na sequência dos vários impactos da pandemia sobre a sociedade portuguesa e também porque a governação tem sido uma governação pela rama, às apalpadelas e sem rumo certo.
Numa altura em que o país está em crise profunda, por causa da pandemia da covid e do impacto económico da mesma, o debate público anda concentrado num partido ridículo e minúsculo, de gente com ideias néscias e marginais, um partido sem um programa de governação. Não entendo o porquê dessa obsessão com um partido que pouco mais é do que um caixote de refúgio para um certo tipo de primários que por aí andam.
A proposta hoje apresentada pelo Partido Social-Democrata (PSD) de colocar as Forças Armadas “no comando das operações no combate “à Covid não tem fundamento legal e confunde meios com competências. É mero barulho político para mostrar que não se fica calado. Não deve ser levada a sério. É mais um tiro de pólvora seca do PSD.
É verdade que as Forças Armadas têm múltiplas valências que podem e devem ser utilizadas, em complemento com outras, na luta contra a pandemia. Penso nos meios logísticos, nos serviços de medicina, nos centros de acolhimento, nas acções de sensibilização, entre outros.
Mas a pandemia, que é uma emergência nacional, exige sobretudo clarividência e direcção políticas, uma estratégia de mobilização da opinião pública face às suas responsabilidades de comportamento e meios excepcionais em matéria de serviços de saúde.
Todos os serviços públicos e muitos dos privados devem colaborar na resposta a esta crise. Mas não convém alimentar a ilusão que as Forças Armadas devem ir além do que lhes é permitido por lei e pela lógica das coisas.
Continuo sem entender a razão que levou o Conselho de Ministros a anunciar que será declarado um estado de contingência para todo o país a partir de 15 de setembro. A isso acrescentou que ainda não decidiu que medidas estarão incluídas na contingência. Essas medidas só serão decididas uma semana antes.
Temos aqui várias questões.
Primeiro, os dados actuais mostram que há um aceleramento do número de contágios. Conviria que houvesse um apelo público do Primeiro Ministro para lembrar as medidas e os comportamentos que se esperam dos cidadãos. Seria uma chamada de atenção, apresentada como um acto de confiança no sentido cívico dos cidadãos.
Segundo, o anúncio de um futuro regime de contingência é um desencorajamento para potenciais turistas que estariam a planear uma visita a Portugal para a segunda metade de setembro. O impacto disto na economia do turismo é evidente.
Terceiro, estas decisões precisam de ser bem explicadas à população. A senhora ministra não o conseguiu fazer. Não sei qual é a explicação. Mas fica a impressão que a coisa não foi discutida a fundo na reunião do Conselho de Ministros. Ou então, que se trata de uma jogada política e que não se quis abrir o jogo.
O Presidente, entretanto, fez um comentário de alinhamento total com o governo. Não parece bem. Deveria dizer apenas que se o governo decretar a emergência haverá que a cumprir. O Presidente fala demais e sobre matérias que são da exclusiva responsabilidade do governo.
Quem fala pouco ou nada é o chefe do PSD. É um exemplo de uma oposição sem posições.
Optimismo, força de vontade e convicção são características fundamentais para quem anda na liderança política. Mas não devem ser confundidas com arrogância, menosprezo e chacota do opositor. Estas e o excesso de confiança levam à derrota.