A dúvida está presente no meu quotidiano. É fundamental dar espaço à dúvida, para que a compreensão do que nos rodeia se torne mais clara.
Neste tipo de vida, o que parece nem sempre é. Há, tantas vezes, um grau de incerteza sobre a realidade de um facto. Com a experiência, aprendemos a ir para além das aparências. Das interpretações simples. Que pode estar por detrás de um incidente, de uma declaração, de uma acção militar, de uma abertura política? Será que nos querem fazer crer em determinada coisa, tomar uma determinada direcção, quando a realidade é outra?
Os serviços secretos e os meios de comunicação social são muito dados à fabricação de factos. E de boatos, de medos, de papões.
Estou, neste momento, a lidar com alguns deles.
Não convém, no entanto, cair na teoria da conspiração, que vê um enredo em toda a parte, como acontece muitas vezes em regimes totalitários. E nas mentes simples.
Hoje cerca das 10:30, os militares das FACA (Forças Armadas Centro-Africanas), acampados em Sam Oundja, entraram em parafuso e começaram a disparar uns contra os outros. No final do tiroteio, havia quatro mortos para enterrar e dois feridos graves. Um dos militares mortos foi o comandante do contingente, um jovem tenente. Tinha passado uma parte do dia de Terça-feira a negociar com ele. Achei-o um homem inteligente e carismático. Tinha vindo para Sam Ouandja, com os seus homens, para uma expedição de três meses, e já ia em nove...Estava desejoso de voltar para Bangui, o que iria acontecer dentro de um ou dois dias...
O meu conselheiro político principal, que também o conhecia, disse-me que, nestas terras, o carisma não protege das balas.
É verdade. Mas ser prudente, ter dúvidas, ver bem todos os ângulos, ajuda muito.
Se se abre bem os olhos, fica-se mais sábio, cada dia que passa.
As palavras matam. Destroem. É preciso muito cuidado com o uso das palavras. Sobretudo quando interesses estratégicos estão em jogo, as relações entre Estados, o futuro de certas intervenções humanitárias, as vidas de muitos, investimentos de grande envergadura.
Comentários mal compreendidos, ditos no momento errado, podem parecer que são muito inteligentes, mas na realidade, são facadas no coração do futuro.
A política e a diplomacia, que são o que faço no dia-a-dia, exigem que se pese cada palavra. Que se não percam de vistas os interesses a médio e longo prazo. Que se fale pouco. Mesmo quando a ocasião parece informal.
Estou neste momento a tentar gerir uma crise muito crítica que deriva de palavras que um dos meus disse sem perceber bem que uma pessoa com o seu nível de responsabilidades não pode dizer tudo o que lhe vem à cabeça. Se o faz, perde a cabeça.
Depois do enfraquecimento do governo, tivemos hoje a confirmação do enfraquecimento da Presidência. Sem falar, claro está, na pouca qualidade da maioria dos novos deputados.
À crise económica junta-se agora a crise das instituições da República.
Preocupante.
É tempo de dar a primazia aos interesses do país. Ultrapassando as questões pessoais e os egos ofendidos ou vingadores. Atacando os verdadeiros problemas, da economia, da justiça, da educação, da pobreza e da segurança.
Este texto está a ser escrito a alta velocidade, numa bela manhã de um Outono com Sol, no TGV entre Bruxelas e Paris. O pequeno-almoço, que está incluído no bilhete do comboio, foi de boa qualidade. Mas não é a qualidade que nos faz pensar em Portugal. É a alta velocidade, a polémica, a nossa aptidão para discutir o já resolvido noutras terras.
Parece, ao ver os resultados das eleições de ontem, que os nossos projectos de TGV vão para a frente. Ainda bem. A economia, a interligação com o grande mercado que é a Espanha, todos precisam de novas oportunidades.
Ganhou a aposta na infra-estrutura.
Mas ao nível da superstrutura que é a política, como se reconhece quem ganhou? Para lá da resposta óbvia de quem vai ser convidado a formar governo, penso que conta muito ganhar deputados. Afinal, estamos ou não, numa democracia representativa?
Quando um partido perde um grande número de assentos, a verdade é que leva uma sova do eleitorado. O partido que ganha deputados, ganha força. Essa é que é a verdade.
Derrotada sai a formação que tinha reais hipóteses de ser governo e que deixou escapar a ocasião. As hipóteses existiam. Havia muita gente à procura de alternativa. Como a não encontraram, resolveram ir passear. Talvez para ver onde vai ser construído o novo aeroporto de Lisboa e por onde vai passar o TGV da nossa esperança.
Uma vida sempre a lutar. Sobretudo para quem anda pelos desertos da vida. Quando aparece uma poça de água, é preciso aproveitar. Com elegância, que tudo deve ser feito com graça e a calma dos sábios.