A entrevista que dei ao DN (5)
A crise demográfica a Norte e a pobreza a Sul fazem das migrações uma realidade explosiva ou é possível conciliar a necessidade de gente que, por exemplo, a Europa tem com as aspirações a ter um projeto de vida de milhões de africanos?
As migrações fazem parte da história: no nosso caso, fomos para o Brasil, para a América, para várias partes do mundo. E continuarão a fazer parte do futuro. Os fluxos serão diferentes dos que aconteceram no passado – agora do Sul para o Norte e do Leste para o Ocidente – mas as pessoas terão ambições semelhantes às das gerações de sempre. Partirão para fugir à fome e ao medo, como nós fizemos nos últimos séculos.
A instabilidade e a insegurança, a pobreza e o crescimento demográfico acelerado vão empurrar muitos milhões de africanos para a emigração. A maioria dirigir-se-á para outros países do continente, nomeadamente para os estados litorais, onde sempre aparecem algumas oportunidades de vida. Muitos outros procurarão seguir as passadas dos que agora se arriscam a atravessar o Mar Mediterrâneo. A Europa continuará a ser o grande íman.
Mas a chegada em massa de pessoas de aparência física e culturalmente diferente é um tema politicamente delicado. A partir de uma certa proporção pode ser aproveitado como um cavalo de batalha pelos extremistas de direita e os ultranacionalistas europeus. Ou seja, dá-lhes uma bandeira política e um pretexto para ganhar espaço de influência. Tudo isso deve ser bem pesado e entrar na agenda política.
Com também será necessário ter em conta a escassez de mão-obra em certos sectores das economias europeias, incluindo no respeitante à prestação de serviços às pessoas de idade avançada. Aí, como na agricultura, veremos muitas caras novas, vindas de longe.
Noutras áreas, a automatização e a digitalização contribuirão para que não se note o decréscimo da população europeia em idade ativa. Mesmo com semanas laborais mais curtas – semanas de quatro dias, 28 horas de trabalho por semana, esse é o sentido em que vamos – mas vivendo na era digital e do 5 ou 6G, a carência de mão-de-obra não será tão evidente. E será nesses sectores que os movimentos nacionalistas irão recrutar os seus militantes anti-imigração.