A França nas ruas
Dizem-me que a comunicação social portuguesa destinada ao cidadão comum não tem prestado grande atenção à enorme e caótica agitação social que se vive actualmente em França. Assim, poucos terão uma ideia, mesmo aproximada que seja, das razões que estão na base das muitas greves, bloqueios, manifestações de rua, e alguma violência, que têm ocorrido nos dias que passam.
A título de exemplo, refira-se que mais de 20% das estações de serviço estão secas, sem combustível, e as que o têm só permitem um abastecimento reduzido. Por outro lado, o fornecimento do carburante destinado aos aviões vai começar a ser racionado este fim-de-semana e as centrais eléctricas só trabalham parcialmente. Nos próximos dias deverá ter lugar uma paralisação dos transportes aéreos, de 3 a 5 de Junho, e assim por diante. Tudo isto acontece nas antevésperas do Euro de futebol, que começa dentro de duas semanas.
A causa imediata destas vagas de manifestações tem que ver com uma nova lei do trabalho, que ainda está na fase de aprovação, mas que deverá ser imposta com base num artigo da Constituição que permite a aprovação de leis, em condições excepcionais, por decisão expressa do governo. Se fosse votada na Assembleia Nacional em condições normais, a lei não passaria. A nova legislação introduz, ao nível das empresas, uma grande flexibilidade negocial, que colocará muitos contractos de trabalho fora das regras colectivas que possam ter sido negociadas pelos sindicatos ao nível do sector de actividade económica. Em grande medida, o conselho de trabalhadores de empresa passará a ter poderes que acabarão por enfraquecer as organizações sindicais.
Existem, no entanto, causas mais profundas. De ordem política, de natureza sindical, com a Confederação Geral dos Trabalhadores a perder influência à medida que o tempo passa, bem como causas económicas e sociais. A reflexão sobre essas causas que vão além do imediato parece-me fundamental. Tem que ser feita. Para mais, ajudar-nos-á a entender melhor o que nos espera, também a nós, numa Europa cada vez mais integrada na competição global.