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África 2015

Publico, no primeiro número de 2015 da Visão, um número que já se encontra disponível, uma reflexão sobre África, usando a Nigéria como prisma e espelho de análise. Na verdade, o bom e o mau que se vive nesse país e as perspectivas para o ano que agora começa são uma excelente amostra dos problemas e das oportunidades que existem, neste momento, no continente africano.

Eis o meu texto:

 

África 2015: a Nigéria como espelho

Victor Ângelo

 

            Olhar em frente é um exercício arriscado, sobretudo nestes tempos de grandes incertezas, de sobressaltos inesperados e quando os problemas são muitos e variados. No entanto, se me perguntassem que país africano deveria estar no topo da agenda da comunidade internacional em 2015, responderia sem hesitações: a Nigéria. Haveria certamente outros candidatos, por motivos evidentes, estados do Sahel e da África Central, ou ainda o tripé do Ébola – Guiné-Conacri, Libéria e Serra Leoa –, sem esquecer o Sudão do Sul, a Somália, ou mesmo o Zimbabué do eterno Robert Mugabe. Mas a Nigéria sobressai claramente, em termos das preocupações, dos riscos e do que deverão ser as prioridades para o ano que agora começa.

            Para começar, é o país mais populoso de África, com um total estimado de 173 milhões de habitantes. Tem, além disso, uma dinâmica demográfica excecional, que retrata de modo acentuado o que se passa em África. Segundo as Nações Unidas, os nigerianos deverão ser 440 milhões em 2050 e à volta de 913 milhões no final deste século. A Nigéria será assim, após a Índia e a China, a terceira nação mundial, em número de pessoas. Por detrás destes dados, está uma população extremamente jovem, urbana, cheia de vida e, na grande maioria dos casos, sem emprego para além da sobrevivência que as ruas e as atividades informais, tantas vezes fora da lei, permitem.

            É neste contexto que opera, em particular no nordeste do país, na secura das fronteiras com o Chade e os Camarões, a organização armada extremista Boko Haram. Em 2015, o combate contra estes terroristas deveria ser a prioridade securitária absoluta. Boko Haram vai procurar, ao longo dos próximos meses, consolidar a sua presença nos territórios que já ocupa. Irá, igualmente, executar toda uma série de atentados em massa, em vários centros urbanos da Nigéria, de modo a destabilizar ainda mais o sistema político vigente e a autoridade do estado. Poderá ainda infiltrar os países vizinhos, aproveitando-se das relações tribais que estão na sua base e que lhe dão força. Boko Haram é, na sua essência, um fenómeno de alienação tribal. Os acentos islâmicos são uma máscara política.

            O balanço que se pode fazer de 2014 é claro: o governo federal não possui os instrumentos necessários para lutar contra Boko Haram. Tive, recentemente, uma conversa com um antigo chefe supremo das forças armadas nigerianas. E fiquei ainda mais convencido que a Nigéria tem que aceitar uma coligação militar internacional para enfrentar o enorme perigo que Boko Haram representa, interna e externamente. Convém aqui lembrar que os EUA, segundo o compromisso anunciado pelo Presidente Obama em agosto de 2014, irão gastar anualmente 110 milhões dólares, este ano e nos quatro seguintes, no desenvolvimento e apetrechamento dos militares de seis países africanos: Etiópia, Gana, Ruanda, Senegal, Tanzânia e Uganda. Por razões que não foram divulgadas, a Nigéria, que bem precisa de uma parceria internacional, não faz parte da lista. Fica, por isso, um vazio que, no interesse de todos, deveria ser preenchido pela UE ou pela OTAN.

            Outro fator de instabilidade tem que ver com as eleições presidenciais, legislativas e regionais de fevereiro. Estamos a dois passos da ida às urnas, mas a preparação dos diferentes atos eleitorais está a ser obviamente insuficiente e enviesada. Assim se acrescentam achas a uma fogueira previsível. Para além do défice de seriedade da comissão eleitoral, as profundas e evidentes tensões entre o norte e o sul do país, a violência com base na pertença identitária e nas milícias a soldo de certos candidatos, a insegurança existente em vários estados da federação nigeriana, tudo isto pode transformar as eleições de 2015 numa tempestade por demais anunciada. Oxalá me enganasse. A verdade é que as novas autoridades, os vencedores da confusão que poderão ser as eleições, irão precisar de um nível inédito de credibilidade e legitimidade políticas. Não se trata apenas da resposta aos desafios de segurança. Com o preço do barril de petróleo a desvalorizar – a principal fonte de receita das finanças públicas –, o governo terá que tomar medidas de austeridade de grande alcance, com enormes custos ao nível do apoio popular.

            Em grande medida, a Nigéria reflete muito do que se passa em África. É um país rico, com um produto nacional bruto comparável ao da África do Sul, e, ao mesmo tempo, de grande pobreza, semelhante a outros, no Sahel e mais além. A sociedade é profundamente desigual, em termos de riqueza, de educação, de modernidade e de dinamismo. Tem gente que estudou nas melhores universidades do mundo, e são muitos, que nesse país tudo se mede em grandes números, como também tem cidadãos que não sabem soletrar uma palavra. É uma terra de ambição e de promessas imensuráveis, para alguns, um labirinto de desespero, para quase todos os outros. Se substituirmos o nome do país pelo do continente, não andaremos muito longe da realidade que se vive entre o Deserto do Sahara e o Cabo da Boa Esperança.

            Para nós, no nosso canto do mundo, nesta Europa onde se teima em não pensar em termos geoestratégicos e onde tantos crêem que estamos ainda nos anos oitenta do século passado, o aprofundamento de uma parceria honesta com a Nigéria e com outros em África é fundamental para fazer de 2015 um ano de viragem. Uma viragem que se impõe, aliás, como vital. O futuro de ambos os continentes tem muito em comum.

 

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