As ruas da Ajuda
O velho bairro da Ajuda, junto ao mercado do mesmo nome, nesta parte ocidental de Lisboa, é como uma aldeia dentro da cidade grande. Há de tudo, incluindo gente com poucos meios, a viver em alojamentos minúsculos e que tem a rua como sala de estar. Muitas destas pessoas têm já uma idade avançada, mas continuam a mexer-se, que a vida de quem é pobre não dá para grandes descansos. Existe toda uma série de comércios à antiga, desde o vendedor de passarinhos que cantam a alegria da vida, apesar das gaiolas em que vivem, ao comerciante de trapos e trapinhos. Também há a loja dos telemóveis, com um sikh indiano ao balcão, um estranho que se refugiou neste canto de transição para um futuro melhor.
Hoje visitei a senhora da ourivesaria, por causa de uma questão de relógios. Não sei que idade tem, mas dou-lhe, sem favor algum, que ela não precisa da minha bondade, mais de 85 anos. Disse-me que o artesão relojoeiro a quem ela dá as tarefas mais complicadas tem setenta e tal anos. E quando ele parar, para o negócio. Não há uma nova geração de artesãos a vir por aí acima. Ainda me disse que na Casa Pia há uma formação desse tipo, mas é só canudo. Quem de lá sai, nada tem como experiência do assunto e acaba fazendo outras coisas.
Para mim, isto foi apenas uma ilustração do que será o futuro próximo do bairro. Ofícios que desaparecem, com o andar dos tempos. Até a arte de vender frutas e legumes no mercado ao lado tem cada vez menos praticantes. Uma boa parte das bancadas estão abandonadas.
O que fecha, já não abre. O pouco que ainda vai abrindo são cabeleireiros de senhoras e uma ou outra loja chinesa ou de telemóveis. Compra-se hoje, barato, para deitar fora dentro de dias, quando deixar de funcionar. Mas anda-se com o cabelo arranjado, pois aqui a elegância consegue-se por um preço em conta.