Escrevendo sobre Vladimir Putin
Um vizinho inconveniente
Victor Ângelo
Nos últimos anos, na altura de fazer o balanço político da dinâmica internacional, Vladimir Putin tem repetidamente aparecido como uma das personalidades mais influentes.
Assim está a acontecer, de novo, neste final de 2016. E não é apenas ao nível da prestigiante revista Forbes, que voltou a considerar Putin, pela quarta vez consecutiva, como o líder mais poderoso do globo. A situação na Síria, as alegações de ciberespionagem e de interferência nas eleições americanas, a dopagem “patriótica” dos atletas russos, as incursões aéreas e marítimas das suas forças armadas no espaço de defesa da Aliança Atlântica, estas são algumas das grandes questões que aparecem ligadas às opções políticas do patrão do Kremlin. E que têm um impacto profundo nas relações internacionais.
À lista haveria ainda que acrescentar os esforços encobertos e multidimensionais que fazem parte de uma intenção deliberada de enfraquecer e, mesmo, fragmentar a UE. Na visão fantasmagórica de Putin, a Europa unida seria uma ameaça aos interesses e à capacidade de influência geopolítica da Rússia.
Mas a verdade é que a UE, para além das sanções relacionadas com a crise ucraniana, não tem sabido responder de modo coerente e estratégico aos desafios e às manobras de Putin. Nesta área, como em várias outras, a política externa comum precisa de mais coerência, de criatividade e, acima de tudo, de um diálogo mais corajoso e firme entre os estados membros.
Sou dos que advogam que é urgente definir uma política comum que responda às ações hostis que vêm de Moscovo. Essa deveria ser uma das primeiras prioridades da agenda externa europeia em 2017. Sei que não será fácil definir uma moldura que possa ser unanimemente aceite. Mas, apesar dessa dificuldade, é fundamental aprofundar a reflexão e definir uma resposta adequada, com tempo e não em cimeiras a fingir e a correr, à volta de um jantar fora de horas e de gente cansada.
Essa resposta deverá ter em conta a linha que Donald Trump venha a seguir em relação a esse mesmo assunto. Ter em conta não quer dizer, no entanto, alinhamento. Antes pelo contrário. A Europa deverá ter a sua própria agenda política. Os sinais que nos chegam do outro lado do Atlântico são simultaneamente preocupantes e claros quanto à necessidade de uma posição que seja inspirada pelas preocupações europeias. E que sirva, igualmente, como um exemplo impossível de ignorar em Washington.
A estratégia deve ter como objetivos a promoção do respeito pelas normas internacionais e os princípios de boa vizinhança e afirmar sem ambiguidades que a UE considera como fundamental desenvolver um quadro de cooperação com a Rússia que seja mutuamente benéfico. A Europa quer ter na Rússia um parceiro privilegiado, não apenas nas áreas económicas e comerciais mas também em matérias de defesa e de segurança internacional. Espera, por sua vez, que Moscovo veja vantagens numa Europa unida e capaz de desempenhar um papel ativo no equilíbrio de forças ao nível internacional. Por isso, e perante os factos, acha que a política atual de Moscovo, sob a responsabilidade de Vladimir Putin, não vai no caminho certo nem responde às aspirações e aos interesses de longo prazo das populações europeias e russas.
A partir destas linhas estratégicas, e apesar de conhecermos vários exemplos de negociações com representantes de Putin que não têm levado a parte alguma, convém insistir no diálogo. Quem advoga que se cortem as pontes com o Kremlin está equivocado. Os conflitos resolvem-se com paciência, persistência e muita conversa com os adversários. Mas isto não chega. Será ainda necessário enveredar por uma comunicação mais esclarecedora e coerente, que denuncie, junto dos cidadãos europeus e russos, as práticas que consideramos inaceitáveis. O futuro comum, o deles e o nosso, exige, para além do diálogo, que se ganhe a batalha da opinião pública.
(Texto que hoje publico na Visão on line)