Os loucos americanos
Vi o debate, em directo, entre Mike Pence e Kamala Harris. A discussão foi viva mas dentro das regras do civismo. Mike Pence repetiu, com mais inteligência e melhor oratória, muitas das fantasias e demagogias que o seu chefe propaga a toda a hora. Não terá convencido ninguém, para além dos que já decidiram apoiar tudo o que Donald Trump diz. E faltou-lhe a dimensão humana, o sorriso e a empatia. A maneira como fala transmite uma imagem dura e inflexível. Projecta uma imagem azeda. Kamala Harris teve o mérito de mostrar que a política que defende tem um lado humano. Sempre sorridente e descontraída, deixou-nos uma imagem mais simpática. A radicalização que se vive nos EUA – e que é provocada pela maneira como Donald Trump faz política – não terá permitido a Harris convencer novos eleitores. Mas saiu-se bem e não desapontou quem quer votar democrata.
A radicalização actual é um problema muito grave. Explica o que hoje foi revelado em Michigan, uma conspiração de extremistas apoiantes de Trump, que preparavam há meses um golpe armado contra a Governadora democrática desse estado e contra as instituições da governação. Era um plano de loucos, para além de ser uma conspiração criminosa. Mas a loucura política é uma das principais consequências da governação de Donald Trump. Num país como os EUA, com gente armada por todos os lados, leva à violência.
Assim, e voltando ao debate e ligando este à questão da violência, a maior preocupação que ficou um vez mais no ar diz respeito à aceitação dos resultados eleitorais. Pence não respondeu à questão se aceitaria ou não uma derrota. Isso é muito preocupante. É cada vez mais óbvio que o seu campo, a começar por Trump, não está disposto a aceitar a derrota eleitoral. Isso pode levar a uma crise fracturante e a cenas de violência armada nas ruas de certas cidades. O partido republicano tem que se pronunciar quanto antes sobre essa questão.
Nunca pensei que estaria a escrever sobre este assunto em relação aos EUA. Vivi situações parecidas em certas partes do mundo e sei o que isso pode acarretar. Agora a questão põe-se em relação aos EUA. De acto, o ano de 2020 é um ano completamente diferente do habitual. Um ano que nos deixa boquiabertos e que desestrutura tudo o que aprendemos.