Reflectir sobre a Europa
Faço, na Visão de hoje, uma reflexão sobre as ele~ções europeias.
O link é o seguinte:
Transcrevo abaixo o texto original.
Europa: recriar uma visão partilhada
Victor Ângelo
Logo que foram conhecidos os resultados das eleições europeias, o primeiro-ministro francês vestiu-se de escuro e pôs uma gravata negra. Perante as câmaras, Manuel Valls disse estar em estado de choque e que as eleições representavam um terramoto político. Referia-se, é claro, à hecatombe sofrida pelo seu partido bem como ao facto da Frente Nacional de extrema-direita, xenófoba e antieuropeia ter ganho folgadamente o escrutínio. Mas a indumentária e as palavras de plangência poderiam ser utilizadas noutros cantos da Europa, num contexto equivalente. Da Grã-Bretanha à Grécia, da Dinamarca à Áustria, passando pela Hungria e um pouco por toda a parte, o voto contra o projecto europeu ganhou força. Pesa agora cerca de 17%, em termos de lugares no Parlamento Europeu. Não será muito, pensará o leitor. É, no entanto, uma massa crítica que já pode fazer muitos estragos. E há mais. Juntemos a esse valor o peso da indiferença, que se revelou, de novo, nos níveis elevados de abstenção eleitoral. Ultranacionalismo e alheamento, mais uma boa dose de desconhecimento do que significa a Europa, são uma mistura perigosa para a continuação da unidade europeia.
Estamos, acima de tudo, perante um falhanço crescente – e nalguns casos, dramático – das lideranças partidárias tradicionais. O arco central, à esquerda e à direita, deixou de saber falar com uma parte importante dos cidadãos. A democracia representativa está a perder a capacidade de representar. Numa altura em que prima o Facebook e a comunicação horizontal e sem-fronteiras entre cada um, a tendência é para que se esbatam igualmente as divisões e a distância entre governantes e governados. Quem pensa que vive encavalitado num pedestal, está condenado. Os cidadãos viram-se, então, para os demagogos, para os que fazem do bitaite vulgar e baixo o ponto culminante da sua intervenção social. Ou então, decidem pura e simplesmente afastar-se da política. A Europa está assim em risco de se atolar numa cultura de rejeição sistemática dos políticos e dos seus privilégios. E de se afogar no simplismo das opiniões veiculadas pelos oportunistas e ultranacionalistas.
O terramoto não deve ser visto, todavia, como um tsunami antieuropeu. Continuamos a ter uma parte significativa dos cidadãos que apoia o percurso comum da Europa. Talvez com menos entusiasmo hoje que antes da crise financeira e económica dos últimos anos. Mas continuam a acreditar no valor do espaço europeu como um espaço de liberdade, de respeito pelos direitos humanos e pela diferença, um território político único, capaz de responder aos desafios do ultraliberalismo que se pratica noutras partes do mundo e de influenciar as relações internacionais.
Tendo em mente essas pessoas e muitos dos que agora votaram pelas opções radicais ou se abstiveram, digo que se tornou ainda mais urgente, depois destas eleições, construir uma narrativa moderna sobre o futuro da Europa. Se tivesse meios e poder, era aí que eu investiria. A história inicial, do pós-guerra e da preservação da paz no nosso continente, soa a ultrapassada, sobretudo para os mais jovens. A resposta não passa pelo voltar atrás. O futuro é que mobiliza as pessoas. O desafio está no saber desenhar os contornos de uma ambição comum que sublinhe o que nos une, que não ignore os medos existentes, o desemprego, o custo de vida, o impacto social e cultural da imigração, a insegurança dos mais frágeis, mas que possa recriar esperança. Uma esperança que só fará sentido se for partilhada por uma maioria crescente de europeus.