Dir-se-ia que uma parte do país está na fila para fazer o teste da Covid. Este é um final de ano bem estranho. E fica ainda mais estranho porque o tempo está carregado de nevoeiros e de nuvens baixas. 2021 aproxima-se do fim de modo inglório. E anuncia um começo de Ano Novo confuso e perturbado.
Que impacto terá tudo isto nas eleições que se aproximam?
O Presidente da República escreveu hoje um texto de opinião a que chamou “um ano de transição”.
Uma leitura atenta do texto deixa-nos a questão que o título levanta: estamos em transição para onde? Que quer dizer um ano de transição? A resposta não é clara.
Eu diria que foi sobretudo um ano de expectativas goradas. Em Portugal, na Europa e no mundo.
Em Portugal, porque se esperava ser possível lançar o plano de resiliência e de recuperação, e isso não aconteceu. Também, porque se queria estabilidade política, num período de grandes desafios económicos e sociais, e isso não aconteceu. Antes pelo contrário. Foi um ano de instabilidade governativa, em virtude das tensões que surgiram entre o partido no governo e os partidos seus apoiantes na Assembleia da República. E de instabilidade no seio de certos partidos.
Na Europa, ficaram por resolver as questões do estado direito em alguns países membros, bem como os problemas da imigração e da insegurança energética. A Europa continua a falar de soberania, sem que se perceba bem o que significa soberania na época digital e num espaço geopolítico fragmentado entre 27 nações.
Ao nível internacional, as rivalidades entre as grandes potências entraram uma fase mais complexa de confrontação. E no que respeita à pandemia, a autoridade da OMS não saiu reforçada nem a questão da desigualdade vacinal foi resolvida. Não houve transição. Houve, isso sim, egoísmo nacional a mais.
Na realidade, o texto presidencial é apenas uma fotografia vaga, um exercício de palavras que não ousa aprofundar as questões que levanta.
O único ponto que considero particularmente relevante diz respeito à transição para a pobreza durante o ano de 2021 de várias secções da nossa população. O presidente fala dos mais vulneráveis, mas não inclui na lista as famílias mono-parentais nem os jovens diplomados pelas universidades e que não conseguem sair de casa dos pais porque o seu diploma de mestrado é remunerado ao nível do salário mínimo. Ou seja, temos toda uma geração de jovens universitários, qualificados, mas incapazes de ganhar a independência económica que a vida adulta requer.
Finalmente, acho importante que o presidente faça uma referência especial à questão da saúde mental. Essa é certamente uma área que não tem recebido atenção e os recursos financeiros que seriam necessários. Mas também é preciso falar do Serviço Nacional de Saúde, das imensas dificuldades que enfrenta, do negócio que é a saúde privada, e que não deveria ser, e do esforço extraordinário que muitos profissionais de saúde, a laborar no SNS, têm demonstrado ao longo deste e do ano passado.
Neste começo de ano, lembro a mim próprio o que a experiência me ensinou. Ou seja, perante a adversidade e os grandes reptos da vida, é fundamental manter a calma e ser guiado pelo bom senso na análise das soluções ou respostas possíveis.
Com todos os desafios que temos pela frente, parece-me importante não perder de vista essa linha de acção.
Já cheira a fim do ano. Os meus amigos passam agora mais tempo a enviar mensagens de felicidades do que a tratar dos seus negócios. E dizem que acreditam que 2021 será um ano melhor do que este que está a acabar. Ainda bem que há esperança. Mas a verdade é que 2020 tem sido um ano histórico. Não por boas razões, mas histórico apesar de tudo. E temos a felicidade de o haver vivido e completado. Vamos, no futuro, poder falar do que aprendemos em 2020.
Entretanto, desejo a todos e a todas uma boa passagem de ano.