Deixo aqui a minha homenagem à memória de Otelo Saraiva de Carvalho.
Conheci-o de mais perto em 1975, quando fui membro da primeira Comissão Nacional de Eleições. Muitas das recordações perderam-se com o passar dos anos. Mas sempre ficou bem presente a sua chegada de helicóptero à Gulbenkian, na noite eleitoral da Assembleia Constituinte. Nós, os membros da CNE, tínhamos aí o nosso posto de comando. E Otelo veio ter connosco, para se inteirar sobre a maneira como estava a decorrer o apuramento dos resultados.
Nessa altura, era visto como um herói. A sua visita impressionou-nos.
Depois, com o andar dos anos, outros tempos vieram. E a história saberá contar o percurso que percorreu, os altos e baixos. A história nunca é objectiva. Otelo será contado de diversas maneiras. Mas ninguém poderá negar o papel que desempenhou no 25 de Abril de 1974.
No Dia da Liberdade, é fundamental que se sublinhe a importância do conceito. A liberdade é fundamental para o desenvolvimento de cada indivíduo e para a valorização da vida em sociedade. É, por isso, um conceito que tem duas faces, ambas igualmente importantes. A liberdade que cada um deve usufruir e a dimensão social, que passa pelo respeito dos outros e por um comportamento cívico responsável. É isso que vamos aprendendo todos os dias, desde Abril de 1974.
Uma sociedade é plural. Por isso, é fundamental que cada um se sinta bem e à vontade para exprimir o que lhe vai na mente. Ninguém é dono da verdade, nem a verdade absoluta existe. Do mesmo modo, ninguém é dono da democracia. A democracia vive-se. Só a prática democrática assegura a continuidade e a sobrevivência da democracia. Mas também não devemos ter ilusões. Há quem fale de democracia e pense ditadura. Quem assim procede deve receber uma mensagem forte: a democracia não é um cavalo de Troia.
Por mim, aprendi que os povos têm como grandes aspirações, acima de tudo, a liberdade, a dignidade e a segurança.
A liberdade permite voos ao sabor da vida e das ambições de cada um.
A dignidade significa o respeito pelos direitos individuais, incluindo a aceitação das diferenças.
A segurança começa pela igualdade de oportunidades, pela protecção perante os riscos, sejam eles de natureza económica, sanitária ou o resultado da violência de outros, bem como pela prática da justiça.
Intolerância e confusão mental, acudam-me, os nossos intelectuais estão infectados. Basta ver o que escrevem no Facebook. Não sabem o que é debater. Só conhecem o verbo bater.No meio da confusão, esquecem-se que a política é feita de mensagens e símbolos. Exige coerência entre o que se faz e a maneira como isso é entendido pelos cidadãos.
Depois de um dia a viajar, aqui deixo a minha saudação relativa ao 25 de Abril. 45 anos depois, ontem como hoje, o que conta é que cada um se sinta livre, sem medo. Que cada cidadão saiba que vale a pena emitir uma opinião, com bom senso, construtiva, no respeito por todos, sem medo de se ser apelidado disto ou daquilo.
E isto é válido para todos os quadrantes políticos, excepto, claro, para os extremistas racistas, violentos e intolerantes.
Para celebrar o dia, publiquei esta manhã um tweet em que afirmava que “a liberdade e a seriedade do diálogo são as pedras angulares na construção de país próspero e justo”.
Assim o creio.
É fundamental que os cidadãos vivam num clima político e social que lhes permita expressar livremente os seus pontos de vista e, quando necessário, lutar pelas opções colectivas que lhes pareçam mais apropriadas para o bem comum. Tudo isto sem receios, sem outros limites que os da tolerância e da decência.
A opressão é a principal inimiga da natureza humana.
Portugal é hoje um país livre de totalitarismos. E assim deve continuar.
Por outro lado, uma sociedade moderna deve necessariamente assentar no diálogo entre as várias correntes de interesses. Não há nações monolíticas. Nem se aceitam vanguardas iluminadas. A unanimidade não constitui um valor desejável. A força e o dinamismo de um país provêm da confrontação pacífica das ideias e do bom funcionamento das instituições representativas.
Nestes domínios do debate de ideias e das instituições ainda temos muito caminho para percorrer, apesar dos progressos alcançados. Não o reconhecer significaria que não se aproveitou o dia para reflectir sobre o que somos e o que temos que continuar a construir.
Quarenta e dois anos depois, 25 de abril continua a ser uma data muito especial. Em particular para os mais velhos, que ainda se lembram do que era Portugal antes desse dia.
Mas, para além da memória que é preciso conservar e celebrar, há o futuro que tem que ser construído a cada momento, cada dia, por cada um de nós. A liberdade passa pela aceitação da diversidade e também pela luta individual e de todos pelo progresso económico e social. O bem-estar é uma dimensão importante da liberdade. Dá-nos a segurança que nos permite uma cidadania mais completa e mais respeitadora de cada indivíduo e da sua maneira de pensar e de ser.
Esta tem que ser a frase de hoje, mesmo com um dia de atraso. Aliás, o espírito do 25 de abril é para lembrar todos os dias. E nestas alturas, com mais força.
Como também nos devemos lembrar que uma sociedade moderna como a que pretendemos ser requer um mínimo de respeito pelas instituições da República e pelos titulares dos cargos públicos que foram eleitos pela maioria dos eleitores. Esse respeito é a prova da nossa maturidade cívica. Sem civismo não há democracia que funcione. Nem gente de valor que queira fazer política.
Ninguém quer uma democracia de ruídos constantes. Nem de lamentações sem fim.
Na conferência “Rotas de Abril”, que teve lugar ontem e hoje por iniciativa do Presidente da República, Cavaco Silva disse que, em democracia, “a cultura do compromisso é essencial”. Essa frase segue-se à constatação que fizera que “ a cultura do compromisso, que predomina na maioria dos países da União Europeia, tem tido dificuldade em instalar-se na nossa democracia”.
Não estarei muitas vezes de acordo com o desempenho político do Presidente. Acho, no entanto, que fez bem em frisar a importância do compromisso na vida política democrática. Sem compromissos não há acordos entre as diferentes correntes de opinião e sem acordos não há governação possível.
Convém também acrescentar que os compromissos nem sempre se fazem com os amigos políticos. Muitas vezes, sobretudo em alturas de crise nacional, os pactos têm que ser feitos entre adversários e, por vezes, entre inimigos.
Mas, para que isso aconteça temos que ter actores políticos à altura. Gente que seja capaz de ultrapassar os seus receios e interesses individuais e colocar o interesse nacional acima de tudo.
É isso que parece faltar hoje em Portugal.
Temos muitos que são óptimos na promoção das hostilidades entre sectores de opinião, entre correntes partidárias. Fizeram disso o seu ganha-pão. E a comunicação social dá-lhes projecção, porque o barulho e a violência vendem mais. Assim se transforme pequenez em fama, ruído em tomadas de posição sem fundamento.
Esta foi a entrevista que fiz ao general Loureiro dos Santos, as minhas perguntas e as suas respostas.
Foi publicado na edição especial de ontem do Diário de Notícias dedicada ao 25 de Abril.
1.A Europa e o mundo de hoje são radicalmente diferentes da realidade que o Senhor General e eu conhecemos em 1974. A própria noção de soberania nacional, razão de ser das Forças Armadas (FA), evoluiu de modo significativo. Como deverá ser entendida a soberania nacional nos próximos 40 anos, num país como o nosso, e em que medida esse entendimento requer uma maneira diferente de encarar o papel das FA?
R: Entendo soberania nacional como a liberdade de acção suficiente para podermos preservar os nossos interesses fundamentais. Agora e no futuro. De acordo com esta conceção, ela será garantida desde que os acordos de associação que forem sendo aconselháveis com outros Estados possam ser reversíveis quando considerarmos isso mais conveniente. Neste contexto, a existência de FA continuará a ser sempre um ativo essencial que não poderemos dispensar, tendo em atenção a nossa posição geoestratégica e a configuração e extensão (incluindo plataforma continental) do nosso território.
2 - Na mesma linha, quais serão potencialmente as principais ameaças em matéria de defesa, para as quais é preciso preparar as FA de Portugal? Mais ainda, como avalia os recursos existentes em termos da preparação operacional das FA para poderem responder a essas ameaças externas?
R: As ameaças que nos podem atingir relacionam-se com o controlo dos espaços (terrestre, marítimo e aéreo) que nos definem e a segurança dos portugueses. No limite, por causa da posição geoestratégica referida, uma potência ou bloco de potências pode querer ocupá-los, particularmente num ambiente conflitual que envolvam um poderoso ator marítimo e um poderoso ator terrestre. Outras ameaças de menor dimensão também exigem a nossa atenção, como o terrorismo internacional e a criminalidade transnacional organizada, além de se poderem concretizar riscos naturais como grandes catástrofes. Também se manterão no futuro inúmeros Estados falhados e não deixarão de abundar os conflitos regionais, criando ameaças que podem atingir os nossos interesses.
Os recursos existentes, se convenientemente mantidos e treinados, com material adequado e pessoal motivado, são suficientes para controlar os espaços nacionais e garantir a participação nacional em forças operacionais destacadas que, em colaboração com os nossos aliados, evitem a eclosão de certas ameaças que nos podem vir a atingir. Mas não são capazes de fazer face a ameaças de maior dimensão e de menor grau de probabilidade, para as quais teremos de estar preparados, caso se concretizem. Como aquelas que se avolumam a partir do Norte de África e do Médio Oriente, além da incerteza sobre o futuro da Europa, especialmente da natureza das tensões Este-oeste que parecem regressar. Estas forças de natureza complementar poderão estar desactivadas, mas devem existir mecanismos e meios para as convocar ou mobilizar nos prazos compatíveis para lhes responder.
3 - Portugal continuará a ter compromissos externos, quer no quadro da OTAN quer da UE e da ONU. Na sua opinião, as FA terão as condições exigidas para poder cumprir esses compromissos? Ou, posto de outra maneira, estará Portugal em condições de assumir o papel de defesa que se espera de um país membro dessas organizações, em especial da OTAN?
R: Estará em condições apenas se estiverem concretizadas as medidas esboçadas na resposta anterior, o que neste momento ainda não acontece, uma vez que dispomos das forças permanentes, mas não das forças complementares devidamente constituídas e preparadas para convocação ou mobilização nos prazos convenientes. Ressalvo o facto de ser insuficiente a manutenção de algum do material e equipamento existente, de não existir muito do material necessário para forças complementares, assim como de terem sido reduzidos os níveis de treino das unidades, e haver indícios consistentes de forte insatisfação do pessoal, o que se pode vir a reflectir de forma negativa no seu moral.
4 - Militares na reserva e na reforma pesam bastante em termos de opinião e comentário político e de defesa na comunicação social portuguesa, bem como nos debates universitários. Esta é uma situação única nos países membros da OTAN, mesmo naqueles que estão em crise e que viram as suas FA sofrer cortes orçamentais profundos. Como explicar um tal grau de ativismo? Manter-se-á com as próximas gerações de militares?
R: Este activismo resulta da consciência que têm dos seus direitos e deveres no regime democrático que ajudaram a erigir e da vontade de deles não quererem abdicar. Espero que esta consciência e consequentes respostas se mantenham nas futuras gerações. Sem nunca ferir os deveres que a sua condição militar lhes impõe, assim como sem deixar de assumir a reivindicação dos direitos que ela também lhes concede.
5 - A maioria dos cidadãos parece não entender nem apreciar suficientemente o papel das FA no Portugal de hoje. A prazo, esta será mesmo uma batalha perdida ou não?
R: Não será, se forem aprofundadas medidas no sentido de difundir a sua necessidade e importância por toda a população, a começar pelos mais jovens particularmente nos ambientes educativos, algumas já em execução embora de modo claramente insuficiente. Um serviço cívico nacional para jovens, que incluísse uma passagem pelas FA durante algum tempo, seria a melhor solução.
6 - As posições públicas das associações de Oficiais e de Sargentos e as suas manifestações de rua contra as políticas do Governo têm gerado surpresa em muitos observadores externos – e o senhor General sabe que há gente, em Bruxelas, Washington, e noutros sítios, que segue sempre com atenção as questões de disciplina, de estado de espírito, cultura institucional e de ideologia, num sentido lato, no seio das FA. Em resumo, fica a impressão de insubordinação, de falta de controlo democrático por parte do poder civil, bem como a questão da confiança nas FA de Portugal. Como vê a continuação deste tipo de análises feitas no estrangeiro e que tipo de consequências poderão daí resultar a longo prazo para o setor da Defesa?
R: Essas análises ter-se-ão justificado mais, algum tempo atrás, quando as manifestações eram de molde a transmitir tal perceção. Penso que actualmente as coisas são bastante diferentes, a despeito de ainda, por vezes, se verificarem casos lamentáveis. Mas começa a notar-se um esforço para agir de modo distintivo, de acordo com os comportamentos próprios dos militares, nomeadamente o aprumo e a discrição que os caracterizam.
Devo registar contudo que as impressões menos favoráveis porventura transmitidas não correspondem de modo algum à realidade. A disciplina e a cultura institucional nunca estiveram nem estão em causa. Os militares portugueses continuam a ser destacados como exemplo por todos os comandos aliados com quem têm trabalhado ou sob cujas ordens têm servido, cumprindo as missões que lhes são atribuídas com rara dedicação e extrema competência. Por vezes aquilo que parece radicalismo em alguns militares deve-se a sentirem-se tratados pelos responsáveis políticos de modo que consideram pouco ajustado às características específicas da sua profissão, cujas exigências (deveres, disponibilidade para o sacrifício, e restrição de direitos) não são compatíveis com uma visão aparentemente simplista que não as contemple com a devida ponderação.
7 - A organização das FA está em processo de aprovação. Olhando para o longo prazo, quais são os aspetos mais positivos e os mais negativos dessa proposta legislativa do Governo?
R: Não conheço ainda o Conceito Estratégico Militar nem as Missões e o Sistema de Forças que devem concluir o ciclo de programação estratégica iniciado há alguns meses. Sequer a legislação fundamental que, segundo parece, está em fase de conclusão, pelo que me não posso pronunciar. Tenho a expectativa de que será adequada à realidade nacional, o que acontecerá se forem tidas em devida consideração as propostas das Chefias Militares em funções.