O Presidente da França, Emmanuel Macron, jogou hoje uma carta inesperada. Convidou Mohammad Javad Zarif, o ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, a deslocar-se a Biarritz, onde está a decorrer a cimeira do G7, para conversações com o seu homólogo francês. Ao jogar assim, apanhou os outros líderes de surpresa. Na minha opinião, cometeu um erro político que se poderá revelar como grave.
A questão do Irão – chamemos-lhe assim – estava em cima da mesa, mas ninguém esperava que Zarif aparecesse na cidade, nas proximidades de uma cimeira extremamente sensível. Ao convidá-lo para andar por ali, de surpresa, o Presidente francês mostrou uma grande falta de respeito pelos outros líderes. Ou seja, pode ter contribuído para agravar as tensões, quando as discussões já tinham muito por onde dividir os chefes de Estado e de governo participantes.
Hoje, no meu blog em inglês, escrevo sobre a visita de Federica Mogherini a Washington, uma visita que está a decorrer e que tem a situação à volta do Irão como tema.
Na verdade, a UE deixou-se enredar numa teia que não lhe concede qualquer tipo de autonomia estratégica em relação aos americanos. Sabe que a política actual do EUA em relação ao acordo nuclear com o Irão não está certa, mas não vê outra alternativa senão subordinar-se e pôr em prática o regime de sanções unilateralmente decidido pelo Presidente Donald Trump. O mecanismo criado de propósito pela UE para continuar, de modo reduzido, algum comércio com o Irão -- chama-se INSTEX – é um nado-morto. Tem um âmbito demasiado reduzido, não assenta em nenhum sistema de compensação de pagamentos credível e segue fielmente a política de sanções dos americanos. Estes, mesmo assim, estão já a preparar novas medidas legislativas para tornar o INSTEX completamente inviável.
Tudo isto mostra que um dos grandes desafios que a Europa tem pela frente é o de ganhar espaço político, na cena internacional, que lhe permita estar em pé de igualdade com as grandes potências. Nestas coisas das relações internacionais, os interesses contam mais do que as amizades. A Europa precisa de saber defender os seus.
O link para o meu programa desta semana na Rádio de Macau, um trabalho semanal de equipa com Hélder Beja, um homem de letras, e a jornalista Catarina Domingues. Ambos vivem em Macau há vários anos.
Depois de ouvir umas banalidades sobre política externa, num programa de domingo que tem uma grande audiência, fiquei a pensar que há por aí uns sapateiros que gostam de ir além do chinelo. Esses mestres sabem das intrigas da política interna portuguesa. Quanto ao mundo exterior, andam, tantas vezes, pela rama das coisas. E inventam umas teorias conspirativas, para convencer o povo que estão dentro dos segredos dos deuses.
Um dos comentários era sobre o acordo nuclear que acaba de ser assinado com o Irão e que deverá ser aprovado amanhã, no Conselho de Segurança da ONU. Um acordo bastante complexo, que tem várias facetas e outras tantas maneiras de ser visto. Mas, no fundo, um bom acordo, que demorou nove anos a ser negociado.
Uma das provas da importância do acordo reside na maneira como foi recebido pelas organizações iranianas dos direitos humanos e pelas principais associações da sociedade civil. Trata-se, em ambos os casos, de organizações que são sistematicamente perseguidas pelo regime de Teerão. Essas ONGs receberam a notícia do entendimento nuclear com grande entusiasmo. Têm dito e repetido que o acordo abre espaço aos que lutam pela democracia e pela modernidade no Irão.
Seria um erro não ter em conta essas opiniões. Como é lamentável que isto não seja referido quando as nossas estrelas do comentário político andam aos pulinhos por assuntos tão sensíveis e centrais como este.