O meu amigo passa os dias a dizer que somos os melhores do mundo. Respondo-lhe que isso é populismo barato. Não contribui um grama ou milímetro que seja para a resolução dos nossos problemas. Também não nos ajuda a ter uma visão mais equilibrada da nossa intervenção fora de casa. No fundo, andar a espalhar essa pretensão faz de nós uns meros bacocos. Badalamos o sino, olhamos para a nossa capela e acreditamos que estamos a competir com a Sistina.
A verdade é que uma aldeia de simplórios não voa muito alto. Sobretudo nestes tempos, que exigem muita argúcia.
O meu amigo presta-nos um mau serviço. Sendo quem é, poderia puxar-nos para a frente em vez de nos entreter com uma ilusão parola. Mas acha que fica melhor na fotografia se pintar um céu azul.
Estive esta semana em Vila Cã, aldeia que é sede de freguesia do concelho de Pombal. Aí se encontram as raízes familiares paternas.
Com vista para a Serra do Sicó, a 10 quilómetros de Pombal, Vila Cã é hoje um espelho do que tem sido a modernização de certas zonas rurais portuguesas. Tem estradas por todos os lados, vivendas feitas a preceito, centro social, escola primária, luz e água canalizada.
Uma boa parte do progresso resulta da proximidade e da facilidade de acesso a Pombal, cidade que é fonte de emprego e de negócios. O resto é fruto da emigração, que nesta terra foi sempre uma componente inevitável na vida das famílias. Já o meu Avô fora emigrante em França, na segunda década do século passado. Voltou à aldeia por causa da guerra, a Primeira, com uma mão atrás e a outra à frente, mas com os olhos abertos e a cabeça arejada.
Partilhas ao longo de gerações levaram ao fraccionamento das terras. Há uns anos atrás, esses minifúndios estavam entregues às silvas. Agora, com a crise, as coisas mudaram. Há mais cultivos, terras melhor aproveitadas. O que falta do lado do emprego e dos salários é, neste momento, compensado com as batatas, as hortaliças e as outras culturas ligadas à economia doméstica. E pelos animais de capoeira.
E assim se vai vivendo. Que ficar parado à espera de dias melhores dá para morrer de fome.
Em França existe uma lista das 100 aldeias mais bonitas do país. É muito prestigiante ver a sua terra incluída na lista. Além disso, a inclusão atrai turistas, faz reviver a economia local, permite dar valor aos produtos com origem na zona.
Esta é uma outra maneira de dinamizar o mundo rural. Combinando beleza, bom gosto, qualidade, com emprego e rendimentos para as famílias de locais perdidos no campo.
A casa representada na fotografia encontra-se em St. Céneri Le Gérei, perto de Alençon, na Baixa Normandia.
O Alentejano que sou acaba de passar dois dias a percorrer o concelho do Sabugal, no distrito da Guarda e a ficar encantado com as gentes e as terras. Afinal, o país não é só feito de burocratas, e é também mais do que os gangues dos bairros pobres das periferias invisíveis de Lisboa e do Porto.
A actividade económica e o dinamismo do Soito, as tradições da Aldeia Velha, incluindo a festa do forcão, das raparigas da cor dos raios do Sol e dos jovens cheios de vida, a beleza única da histórica Sortelha -- uma aldeia tão bem conservada, num canto paisagístico tão cheio de inspiração natural, tão forte de vistas e contrastes, que mete Monsaraz num canto pequeno --, a Serra da Malcata e os vales do Côa, um país profundo, bem agarrado ao que é seu e a sair da cepa torta pelas suas próprias habilidades e forças.
O que eram dantes terras do contrabando pobre e exploratório, terras de fome e frio, aldeias dos passaportes de coelho, das emigrações da miséria, são hoje terras de dinamismo e força de vontade.