O que está a acontecer no Afeganistão é inaceitável e elucidativo.
Inaceitável porque não se pode deixar o país cair de novo nas mãos sanguinárias e primitivas dos Talibãs. Todos sabemos o que significa ter esses fanáticos no poder. A comunidade internacional não pode, de modo algum, aceitar os Talibãs como líderes do Afeganistão.
Elucidativo, por revelar as fragilidades da Aliança Atlântica, a subordinação absoluta aos interesses norte-americanos, o egoísmo político da grande potência e a pobreza estratégica dos dirigentes do mundo ocidental.
A teoria de que uma guerra só deve servir para abrir, tão cedo quanto possível, uma via de solução política foi uma vez mais esquecida. Com isso, sofrem os que combatem, os civis e todos aqueles que vêem os seus direitos serem pura e simplesmente espezinhados.
O mundo está hoje mais instável, inseguro e pobre. Não me refiro apenas à epidemia de Covid-19. Falo de uma situação que resulta da má liderança dos personagens de maior importância na cena internacional. E neste momento, o foco das atenções está centrado no Presidente norte-americano. É a actualidade do que se está a passar no seu grande país que dita o sentido da atenção internacional.
Donald Trump é um perigo para os Estados Unidos e para o mundo. Trata-se de um megalómano sem cultura nem valores, que vê o mundo a preto e branco. Ou se está com ele, a apoiá-lo cegamente, e isso é considerado normal, ou se está contra, abrindo-se assim as portas a todo o tipo de ataques, a todas as tentativas de esmagamento. Contrariamente aos líderes positivos, o Presidente Trump não pensa em termos de inclusão e de alargamento do círculo. Reage, isso sim, como um político feroz e ditatorial.
Enquanto europeus, temos pouco que dizer sobre o que está a acontecer nos Estados Unidos. O racismo, a brutalidade, a exclusão social, o desespero, a falta de respeito pelas oposições, são factos reais que os cidadãos americanos terão que resolver. Uma parte desses cidadãos acha que a força, a discriminação, o individualismo extremo e a indiferença social são os pilares da sociedade. São esses que constituem os alicerces eleitorais de Donald Trump. Do outro lado da barreira, encontramos muita gente que pensa em termos democráticos e solidários. Só podemos esperar que votem em Novembro e que o seu candidato substitua Donald Trump.
Mas quando olhamos para a cena internacional, temos imenso para dizer contra as opções que o Presidente americano tem tomado. E enquanto aliados nominais dos Estados Unidos, o nosso nível de preocupações aumenta de modo muito marcado. Este é um aliado que não está na mesma frequência de ondas em que nós nos encontramos. Não há sintonia. Entre os nossos, que estão em posições de poder, ninguém quer falar disso, abertamente. Mas este é um segredo público, uma máscara política que nada esconde. Existe muita preocupação. E muita esperança que o personagem saia de cena no início do próximo ano.
Eu aconselharia prudência. É possível que desapareça do mapa, como também é possível que seja reeleito. Por isso, parece-me ter chegado a altura de falar mais abertamente sobre o assunto para dizer, acima de tudo, que estamos em desacordo e muito preocupados.
Como vários dos meus amigos já sabem, 70 anos pesam. E num ou noutro caso, deixam-nos cheios de incertezas e ambiguidades. Por isso, senti uma certa simpatia pela maneira um pouco confusa como decorreram as celebrações do aniversário da NATO.
Ao reler notas passadas, a minha empatia com a confusão de agora aprofundou-se. Vejamos o caso da Turquia. As minhas notas lembram-me que em finais de 2015, numa reunião de altos comandos, os representantes do governo do Presidente Erdogan insistiam que a Rússia era um perigo maior. Parte dessa insistência explicava-se pela rivalidade que existia então entre a Turquia e a Rússia no Médio Oriente, nos países da região do Cáucaso e na Ásia Central. Ambos procuravam ganhar terreno e influência e viam o outro lado como o obstáculo maior. Hoje, nesta data de aniversário, a Turquia e a Rússia aparecem como parceiros, o que deixa muitos outros países da Aliança um pouco mais do que pasmados.
Mas estas coisas das Alianças são assim. Fazem-se, definem-se e evoluem ao sabor dos interesses de cada país influente. São fluídas, como o é a interpretação dos interesses nacionais de cada Estado. A única coisa que não muda é a ambição desmesurada pelo poder, que certos actores políticos escondem nas suas entranhas.
Com a cimeira de Londres à porta, a 3 e 4 de dezembro, tem-se escrito e falado um pouco mais sobre a NATO. Pena é que o debate, entre nós, tenha muita parra e pouca uva. Enchem-se colunas a repetir factos conhecidos, mas há uma carência evidente, quando se trata de questionar as nossas mentes sobre as dimensões estratégicas e os cenários prováveis, neste início da terceira década do Século XXI, em matéria de defesa do nosso espaço geopolítico. Sobretudo, quando se pensa na Europa Ocidental, um espaço que abarca, no essencial, as questões de defesa mútua dos países da UE.
A indefinição começa com a nossa incapacidade para chegar a um acordo sobre quais são as ameaças vitais que devem merecer uma atenção prioritária. A Aliança só faz sentido se houver um entendimento sobre o grau de perigo e de probabilidade dessas ameaças, bem como sobre a maneira de se precaver ou de lhes responder. Mais ainda, é necessário voltar ao conceito de respostas integradas, uma maneira multifacetada de responder a ameaças que há muito que deixaram de ser apenas convencionais. Pensar apenas em termos militares quando os ataques podem ser multidimensionais, e resultar de uma combinação de instrumentos de poder, é um erro. Procurou-se corrigir esse erro no início desta década. Estive ligado a esse processo durante vários anos. Vi, com o tempo, que os promotores de uma visão integrada da defesa foram cedendo terreno. Hoje, posso dizer que perderam essa batalha. Ganharam, de novo, os generais da velha escola, sobretudo os que tinham ligações mais íntimas com a velha tradição prussiana de ver a resolução dos conflitos. E tudo isto à margem da intervenção dos políticos, que, em matéria de defesa comum, só sabem cantar as velhas canções de um coro de outrora.
Aliás, um dos problemas mais sérios é o da falta de direcção política. É por aí que o Presidente Macron, Annegret Kramp-Karrenbauer e outros deveriam iniciar a reforma que tanta falta faz. Também é por aí que se deve entrar no debate que queremos fazer.
Tratar o relacionamento estratégico da UE com os EUA com base numa situação política acidental e excepcional, ou de um modo contabilístico, com cifrões de um lado e do outro, seria um erro. Como também não é prudente nem acertado abordar de modo superficial e mediático as divergências políticas que agora surjam.
Ser firme e razoável é saber dizer que não, quando necessário, mas sem ruídos inúteis, e explicar bem a posição que nos parece mais acertada. A defesa dos nossos valores e interesses não se resolve por meio de polémicas que apenas servem para alimentar os títulos e as letras gordas da comunicação social. Ou, para a selfie do momento.
O exercício militar da NATO, que está a decorrer em Portugal e noutros países membros da Aliança Atlântica, sob o nome de Trident Juncture 2015, começou a ser planeado há quase dois anos. E está em implementação desde fevereiro desde ano, nas suas diferentes fases operacionais. O momento actual é apenas o culminar de um longo processo, que tem incluído a participação de várias forças e de muitos intervenientes, tudo sob o comando do quartel operacional da Aliança que está baseado em Brunssum, no sul da Holanda.
Estive envolvido no exercício ao longo de 2014 e 2015. Representava o papel que caberia às Nações Unidas, no cenário que havia sido desenhado. Nesta simulação, o Conselho de Segurança da ONU teria aprovado uma série de resoluções – que tive a oportunidade de redigir. A intervenção aliada teria lugar na sequência dessas resoluções, incluindo uma que dava um mandato legal à NATO para ajudar um determinado país – imaginário –, depois da ocupação armada de parte do seu território nacional por um Estado vizinho, também ele imaginário e especificamente criado para servir os objectivos do exercício.
Ambos esses “países” e a “região” a que pertenceriam foram imaginados como estando localizados muito longe dos territórios dos Estados membros da NATO. Ou seja, não se trataria de uma acção de defesa colectiva de um país da NATO mas sim de uma resposta a um pedido da ONU para contribuir para a resolução de uma crise de soberania num país longínquo.