Voltando às declarações do embaixador americano, que, na sua entrevista de ontem ao semanário “Expresso”, disse claramente que Portugal terá que escolher entre a aliança política com os Estados Unidos ou o aprofundamento das relações comerciais com a China, gostaria de acrescentar umas notas rápidas. Primeiro, que a reacção do ministro português dos Negócios Estrangeiros foi apropriada e rápida. Nestas coisas, convém ser claro e reagir atempadamente. Segundo, deve ficar entendido que as declarações contêm uma ameaça. Vão na linha do que tem sido a política externa americana nos últimos tempos, que é a de utilizar o controlo que exerce sobre instrumentos financeiros internacionais e a força da sua economia e inovação tecnológica para impor constrangimentos, sanções e penalidades legais a empresas de outros países, incluindo de Estados aliados. Terceiro, a União Europeia mostrou, ainda esta semana, pela boca do seu Presidente, Charles Michel, que está disposta a aceitar as exigências americanas. Alguns dirão que se trata de realismo político, por ter em conta que nunca haverá unidade suficiente entre os membros da União para que possam aprovar medidas alternativas e independentes dos interesses americanos. Acho que é um erro. As ameaças só podem ter uma resposta que é a de lembrar e a reafirmar a lei internacional, as normas que regem as relações entre os Estados e o princípio da cooperação – parceria – em vez da subordinação. Quarto, não será no interesse da paz mundial e da estabilidade internacional tomar posição no conflito entre os Estados Unidos e a China. O nosso papel é o de lembrar a ambos que a força não faz o direito. Os Estados Unidos e a China devem, isso sim, procurar juntos as soluções para os grandes problemas internacionais. Estamos no Século XXI e não em 1939. Quinto, devemos apoiar o Secretário-geral das Nações Unidas quando nos diz que está muito preocupado pela competição crescente e cada vez mais feroz entre as duas grandes potências. Apoiar significa, para começar, fazer eco daquele que ele disse sobre o assunto, na sessão de abertura da Assembleia Geral da ONU.
Acima vos deixo o link para o texto de opinião que publico no Diário de Notícias. Nessa escrita, levanto algumas questões menos ortodoxas, no seguimento da celebração dos 70 anos da NATO.
Faço-o num estilo diferente do que me é habitual. Que acham dessa maneira de escrever? A preocupação foi a de não chover no molhado, de fugir ao que muitos dos outros dizem e repetem.
Um texto de banalidades e de generalidades não responde às preocupações do sector da defesa nacional. Medidas pontuais, por muitas que sejam, também não respondem. Na realidade, um texto assim mostra que não há visão, não há uma definição clara do papel e das funções das Forças Armadas no presente e, sobretudo, na década que se segue. Há apenas um tratamento avulso de certas questões. E uma tentativa de passar a responsabilidade para as altas patentes, sacudindo-a do capote do poder político.
Falta, por outro lado, a questão cidadã, ou seja, a maneira como se pretende que os cidadãos vejam as Forças Armadas. A defesa nacional não é apenas uma matéria militar. Tem que se basear no apoio e na compreensão dos cidadãos. Sem essa vertente estar resolvida, o definhamento e a contínua percepção da irrelevância dos militares, tal como é entendida por muitos dos portugueses, irão continuar.
Temos aqui um debate que há muito que está por fazer.
Seria um risco enorme se a opinião pública europeia deixasse de entender a UE como um projecto de cooperação entre os Estados membros, indispensável para salvaguardar os valores que regem a nossa vida colectiva e para garantir a continuação da nossa prosperidade. Se a UE passasse a ser vista como um mero espaço de viagens sem passaporte ou, pior ainda, como uma burocracia sem alma, apenas capaz de satisfazer certos oportunismos políticos e ambições pessoais, entraríamos então num processo de destruição a prazo da unidade europeia. E perderíamos todos, excepto os nossos inimigos exteriores.
Não há defesa comum sem que se defina primeiro uma política e uma estratégia que sejam subscritas por todos os Estados interessados. É por aí que se deve começar. Chega-se a um acordo quanto às ameaças externas, definem-se os objectivos políticos que devem ser alcançados e desenha-se o plano estratégico que deverá definir o quadro operacional que permita atingir os desígnios políticos. Depois, cabe a cada um dos Estados membros decidir como se deve reorganizar de modo a inserir-se no todo.
Falar apenas de orçamentos, de missões conjuntas ao nível do terreno ou de coordenação nas compras de equipamento soa bem, não é mau mas não leva a um esforço comum de defesa.
Continuo a interrogar-me sobre as razões que levaram o governo alemão a aconselhar que cada agregado doméstico fizesse uma reserva de comida e de bebidas. A recomendação menciona um período de pelo menos dez dias de mantimentos. E há mesmo uma lista indicativa dos produtos de base que seria importante incluir nessa despensa de emergência.
A decisão é acompanhada de uma pequena nota sobre os riscos que poderão levar à interrupção da vida normal. E de uma explicação sobre as medidas de precaução que o próprio governo irá tomar: aumento das reservas estratégicas de combustível, de antibióticos, de comprimidos de iodo de potássio, bem como a criação de novas zonas de descontaminação e outras urgências em certos hospitais.
Na realidade, fica-se com a impressão que existem ameaças muito sérias, que poderão pôr em causa a vida colectiva de todos os dias.
Foi curioso ver uma vez mais, esta manhã, a ar despreocupado de todos, turistas, nativos, vendedores de óculos de sol e, mesmo, dos polícias. Como de costume, o espaço junto à Torre de Belém estava cheio de gente. E incluía um destacamento de jovens polícias, homens e mulheres. Conversavam entre si, de modo descontraído e alheio ao resto dos presentes. Dois deles dormiam tranquilamente na carrinha de serviço. E, apesar do calor e das filas para entrar na Torre, os turistas sentiam-se em paz. Sobretudo ao ver que os agentes da autoridade não revelavam qualquer tipo de tensão. Nem mesmo nenhuma atenção especial ao movimento das pessoas. Tudo muito calmo e bonacheirão.
Dirigi esta semana, pela terceira vez desde o início do ano de 2016, um seminário de pós-graduação na Suíça sobre as questões da paz e da segurança internacional. Estes seminários fazem parte das actividades académicas do conhecido e respeitado Geneva Centre for Security Policy (GCSP).
Como de costume, os participantes vieram de diferentes partes do mundo. É uma grande vantagem. Permite obter uma visão mais diversificada dos temas em análise bem como das relações de poder no xadrez mundial. Mais ainda, a classe desta semana tinha uma percentagem maior de participantes com vários anos de experiência em ambientes de trabalho diplomático, policial, militar, em instituições de segurança nacional – um dos alunos desempenha funções de alta responsabilidade no Conselho Nacional de Segurança da Índia – e também em centros de estudos especializados.
As discussões que mantive com a classe revelaram várias coisas. Sublinho aqui duas delas. Primeiro, existe um enorme cepticismo em relação à capacidade da máquina onusiana na área da manutenção da paz. Os mais esclarecidos não acreditam que a ONU tenha actualmente as condições necessárias para obter resultados e conseguir ajudar a construir um paz duradoura, excepto nalguns casos de conflitos em países de importância reduzida e na periferia dos interesses das grandes potências. Segundo, ficou claro que existe uma percepção muito forte de volatilidade e de risco. Quem olha para o horizonte da política internacional com olhos de ver apercebe-se de toda uma série de riscos que podem pôr em causa a paz e a estabilidade em partes importantes do globo, incluindo na nossa. Notará igualmente que as ameaças podem mesmo pôr em causa a sobrevivência de certos arranjos institucionais que fazem parte há décadas da arquitectura securitária internacional.
Ou seja, temos aqui a opinião de que existe hoje um somatório de novos riscos que não podem ser ignorados nem tratados pelo prisma do politicamente correcto.