Fora dos meses de Estio, a minha vida não me permite ver os canais de televisão portugueses. Tal só é normalmente possível a partir de finais de junho de cada ano.
Estamos, pois, na altura em que espreito umas coisas nos nossos ecrãs.
E chego facilmente a uma conclusão: os patrões dos programas televisivos portuguese tratam os portugueses como sendo burros.
Nos canais generalistas, o nível da programação é meramente imbecil. E nos canais sujeitos a pagamento, os chamados de cabo, ou se fala horas a fio de futebol, no sentido mais rasca deste desporto, ou então aparece uma sucessão de comentadores, uns mais exaltados do que os outros, mas tudo da mesma estirpe intelectual, ou seja, um conjunto e uma séria de fala-baratos a repetir as mesmas coisas e os lugares comuns habituais, sem qual sombra de profundidade, de ponderação, enfim, uns analistas que não passariam nenhum teste de habilidade numa maneira mais séria de encarar a opinião pública.
Por isso, espreito apenas. E desligo poucos minutos depois.
Uma noite serena na cidade velha de Riga. É sexta-feira à noite, está tempo seco, 14 graus, a juventude veio para o centro da cidade. Trata-se de hábito que surgiu após a queda da União Soviética. Dá prazer ver as pessoas a desfrutar a tranquilidade de uma capital bonita, limpa e bem restaurada. E ver a beleza desta juventude. Há muita gente muito bela.
Dei a ultima volta, depois de dezassete dias na cidade, pela urbe antiga. Amanhã, a direcção é Frankfurt e assim sucessivamente.
Quando cheguei, no início desta estada, e voltei à Academia de Defesa da Letónia, o edifício cheirava a pintura fresca. De facto, embora tivesse sido pintado há um ano, voltaram a faze-lo agora, antes do começo do nosso exercício. Para que tudo esteja apresentável e para honrar quem vem de fora. Lembrei-me, então, da rainha de Inglaterra. Elizabeth II quando sai do palácio em visita a qualquer ponto do reino fica sempre com a impressão que a Grã-Bretanha cheira a tinta...Creio que achará, ao fim de tantos anos de reinado, que assim é. Na verdade, é penas um país pintado de fresco, antes da chegada da rainha.
Em Portugal, como as coisas estão agora, penso que seria assobiada. E talvez levasse com uma lata de tinta na cara. Andamos com as estribeiras perdidas, diria gente com um pouco de bom senso...É ou não é verdade?
A ligeireza dos nossos analistas políticos, alguns deles meros infantes que da vida pouca experiência têm, leva a imprensa nacional e as televisões a ver os debates como exercícios de pugilismo. Nesta óptica, tem que haver um vencedor e um vencido. Mais. Os líderes vão para os debates preparados para o murro. As ideias não contam. O que vale é o saber bater, passar rasteiras, parecer mais teso que o outro.
Escrevi, para publicação, um texto sobre o Egipto, num dia em que ainda não se entende bem para que lado vão cair as coisas: reforma ou mais do mesmo?
Ao pesquisar a matéria, vi que alguém disse que as revoluções, nos tempos de agora, surgem quando os advogados estão a tiritar de frio, nos seus escritórios, já não têm dinheiro nem para comer um macdonald, mas continuam com acesso à internet.
As palavras não seriam bem estas. No entanto, a ideia é que, quando os diplomados deixam de ter perspectivas de futuro, e já não acreditam na classe política, começam a fazer a revolução através das redes sociais.
Se o leitor tivesse que escolher um tema, entre os três que se seguem, qual seria a escolha? Qual é, neste momento, o mais actual e de maior urgência?
É verdade que os temas não têm muito que ver com a crise económica e financeira, que domina todas as atenções. Mas estão muito relacionadas com grandes problemáticas sociais, os direitos humanos, a justiça social, a aceitação do Outro, o respeito pela diferença, quer na Europa, quer nas relações entre o nosso espaço e o resto do mundo. São, além disso, muito prementes, em vários cantos da Terra.
Os temas são:
1. Liberdades, responsabilidades, direitos e ética.
2. Liberdade de expressão, de consciência e de religião.
3. O princípio da igualdade entre os homens e as mulheres.
Entre as muitas coisas que não entendo, uma delas é a urgência de uma revisão constitucional em Portugal. Que razão leva certos dirigentes a dizer que é preciso rever a Constituição nos próximos meses?
Fico com a impressão que, mais uma vez, numa altura de crise nacional profunda, se confunde as prioridades, se procura distrair a opinião pública com matérias menos prementes, quando a economia, a sociedade, a pobreza, o futuro do nosso país como Estado membro da UE deveriam ser os temas dos grandes debates nacionais.
A confusão à volta dos desafios que são cruciais, ou é deliberada e mal intencionada, ou, então, mostra que quem anda a fazer política tem as prioridades desencontradas com o país real.
Uma vez terminada a leitura dos comentários e opiniões sobre os eventos do dia --a agenda internacional, que é o meu ganha-pão --, fico com a impressão que falta o atributo da serenidade. A tendência é para se ser pouco sereno. Prima a escrita intempestiva, como se a brutalidade e a falta de equilíbrio dessem mais peso ao argumento.
Sem serenidade, não há maneira de discernir e encontrar a solução.
A notação financeira da dívida pública portuguesa, que mede o grau de confiança no nosso presente e na sua evolução a prazo, baixou de classificação, enviando um sinal forte de crise estrutural em Portugal. Estrutural quer dizer que se trata de um problema profundo, com as raízes bem enterradas no passado e com poucas hipótese de mudar para melhor, no futuro mais próximo. Quer dizer, também, que se vai continuar a andar a passo lento, enquanto outros nos irão ultrapassando.
Não e' apenas a crise económica internacional que explica a fragilidade da economia nacional. Meus senhores, não digam isso com esse ar de seriedade beata. Aceitem os factos. Encarem a verdade de frente.
As causas encontram-se nos muitos anos, e vários governos, de má administração macroeconómica, de falta de incentivos ao investimento de ponta, de burocracias complicadas e paralisantes, e acima de tudo, como resultado de um longo período de insucessos na área da edução, da formação profissional, da preparação para a inovação tecnológica e científica. De indisciplina educativa e de abandono do sistema que deveria preparar os portugueses para um mundo em mudança rápida.
A atitude moral dos portugueses, sobretudo a dos que vivem em zonas urbanas, está cada vez mais influenciada pelas dificuldades da vida. É preciso lutar a cada momento, ajustar as contas com o quotidiano, que é caro, cansativo, confuso, sem perspectivas de melhoria e muito burocrático.
Mais ainda, como não existe um sistema de apoio efectivo, de acompanhamento em caso de necessidade, de percalço na vida, e também por que as oportunidades económicas são escassas e pouco compensadoras, cada um pensa apenas em si, em sobreviver, em conjugar o verbo desenrascar-se em todos os tempos e modos.
Em política, tudo isto significa que ninguém está interessado na coisa púbica, a não ser que entreveja um interesse pessoal.
Os intelectuais portugueses estão acomodados e satisfeitos. Passam o tempo a repetir-se e a cair na tentação do comentário do imediato, do quotidiano político. E' a solução de facilidade. Aliada à eterna busca de um palco.
Para mim, o intelectual é o que está sempre à procura. Um inquieto por ideias novas, que ajudem a entender o sentido dos fenómenos sociais, que aponte soluções para que o progresso social se possa realisar.