A função de Governador de um banco central, como é o caso do Banco de Portugal, tem três exigências fundamentais. Competência, experiência e independência política. Qualquer candidato ao posto terá que passar por esse crivo e obedecer aos três critérios. Sair de um ministério do governo em exercício e ser nomeado de imediato para o cargo não satisfaz um dos requisitos essenciais, que é o da independência política ou, dito de outro modo, da imparcialidade partidária. Quem o nomear está a praticar um acto de abuso de poder e a pôr em causa a credibilidade de uma instituição particularmente importante na arquitectura democrática do país.
Não sou nem pretendo ser o primeiro-ministro de Portugal. A minha ambição política actual não chegaria nem para ser o motorista do primeiro-ministro. No entanto, se alguém me perguntasse hoje qual seria a questão número um, fosse eu o chefe do governo, a principal preocupação a que deveria dar uma atenção muito especial, creio que responderia de um modo muito claro: o sistema financeiro nacional. Os bancos nacionais estão profundamente enfraquecidos, com carteiras cheias de créditos mal-parados, com custos fixos elevados, uma actividade comercial ao ralenti e sem capacidade para financiar ou acompanhar o crescimento da economia nacional. Até a Caixa Geral de Depósitos, que muitos gostam de ver como uma instituição de todos nós, está a acumular prejuízos significativos e a viver de ficções contabilísticas. Precisa, rapidamente, de uma importante injeção de capital.
Nas praças bolsistas mais importantes da Europa sabe-se que a situação da banca privada portuguesa é frágil. Ninguém com juízo compra ações de bancos portugueses.
Entretanto, em Lisboa, quem tem poder finge que não vê.
Já várias vezes aqui escrevi que o sector bancário português está em crise. Durante anos foi gerido pelos mesmos a favor dos seus amigos e correligionários. Investiu milhões de milhões em projectos sem pés nem cabeça, apenas para enriquecer esses mesmos amigos e correligionários. Isso levou vários bancos que todos conhecemos a crises profundas, perdendo o cidadão, através dos seus impostos, e muitos dos depositantes anónimos, nomeadamente os que investiram em fundos e outros instrumentos de captação de poupanças.
Como o negócio era chorudo, criaram-se bancos que pouco mais são que umas caixas entre quatro paredes, sem dimensão nem futuro. E tudo isto foi acontecendo debaixo dos olhos do Banco de Portugal, que há duas ou três décadas tem medo de tudo e de todos.
Agora os mesmos senhores, os que levaram o nosso sistema bancário à fragilidade que hoje o caracteriza, vieram à rua com uma manifesto contra a consolidação do sector e, em especial, contra certos bancos espanhóis. Como são de direita e certamente não pensam como o Partido Comunista, não propuseram a nacionalização dos bancos. Mas, pouco faltou, na sua ânsia protectora.
Aliás, não propuseram nada, a não ser o serem contra.
Eles sabem que estamos na UE. E sabem que estar na Europa não significa apenas receber subsídios vindos de Bruxelas. Há, também, que aceitar obrigações e regras. A de abrir a economia aos investidores europeus, por exemplo. Sem esquecer uma outra silenciosa, que é a de ter uma visão maior e moderna da nossa economia, para além das vistas provincianas que lhes dão conforto.
No essencial, têm medo de ser ultrapassados por gente mais competente e mais objectiva. Não querem perder a influência que ainda detêm. E que nos trouxe à situação de atraso em que estamos actualmente.
Nestes últimos dias, todo o gato-sapato e os seus parentes mais próximos têm escrito sobre o Banif, o banco que foi ao ar. Por isso, hesitei em pegar no assunto, ontem. Achei que não valeria a pena acrescentar mais nada. Esta página ficou em branco, que é muitas vezes a tradução da vontade que tenho de tratar a nossa absurdidade quotidiana.
Mas este meu blog tem uma vocação muito marcada para pregar no deserto. Não resiste durante muito tempo. Por isso, cá estou hoje a escrever sobre a questão.
A verdade é que o enredo do Banif mostra, uma vez mais, várias coisas.
Ao nível macroeconómico, que temos bancos a mais e economia a menos. Existem demasiados bancos na nossa praça para uma economia fraca das canetas e incapaz de se equilibrar e começar a andar com as duas pernas no mundo moderno.
Ao nível da supervisão, que o Banco de Portugal não tem a independência necessária. A Europa de agora quer bancos centrais independentes do poder político. Não será o caso em Lisboa. Não precisamos de uma agência de supervisão paralela, a ideia que anda agora por aí no ar. Queremos, isso sim, um Banco de Portugal à altura das suas responsabilidades institucionais. Objectivo e corajoso. Tenho cada vez mais dúvidas, no nosso caso.
Ao nível da actividade bancária, o colapso mostra que os bancos comerciais portugueses são em geral mal geridos. A incompetência está nos conselhos de administração e nas direcções executivas. O princípio em que se baseiam não é o da rentabilidade dos projectos que financiam, mas sim o do compadrio. Se o compadre, ou o amigo desse compadre, pede um empréstimo, a direcção do banco fecha os olhos à viabilidade da coisa e avança com o crédito. Saem uns milhões. É uma situação própria de um país subdesenvolvido. Vi isso em vários cantos do mundo. E depois, com o passar dos tempos, o crédito fica malparado e vai juntar-se aos milhões de euros que já estão nessa gaveta de incobráveis.
E ao nível político, é a irresponsabilidade saloia que domina. A classe política respira esperteza bacoca. Neste caso, foi a manha do governo de Passos Coelho que preferiu ir adiando o problema. Uma crise anunciada mas adiada é, na nossa maneira caseira de ver a política, melhor do que uma crise de facto. Praticamos a política do pau. Enquanto ele vai e vem, folgam as costas.
Quem não folga agora é o Costa. Nem os portugueses.
Conheci o Carlos Costa quando ele era chefe de gabinete do Comissário Deus Pinheiro, em Bruxelas. Já na altura considerei que era uma pessoa com uma excelente cabeça e boa preparação profissional, um português brilhante e capaz de entender a Europa e as contradições da política.
Depois disso, estive uma ou duas vezes com ele, em momentos oficiais, em que ambos tínhamos que apresentar as nossas ideias e pô-las à discussão com plateias bem informadas e exigentes. Sempre o fez com a seriedade e a calma necessárias.
Recentemente, a maneira como geriu a crise no ninho de ratos em BES se havia transformado nem sempre foi entendida por todos. Gerou, é verdade, um certo nível de controvérsia.
Tratava-se, no entanto, de um dossier extremamente complexo, que mexia com um banco pilar da economia nacional e com um homem – Ricardo Salgado – e um grupo de indivíduos a quem muitos políticos, da direita à esquerda, deviam favores e subserviência. Gente poderosa, que muitos, nas esferas da política e da comunicação social, consideravam intocáveis, mas que na realidade acabaram por mostrar a sua verdadeira face de trapaceiros malabaristas dos dinheiros dos outros.
Neste contexto, agir contra Salgado e os seus exigia uma coragem política excepcional. Carlos Costa demorou algum tempo, mas finalmente conseguiu adquiri-la. As decisões que então tomou foram as melhores possíveis, num enredo que tinha muitos interesses em jogo.
Agora, a sua recondução como Governador do Banco de Portugal está a causar ondas. É a política. Embora tenha sido má política da parte de Passos Coelho não ter consultado e discutido a recondução com o outro Costa, o António.
Mas a decisão de prolongar Carlos Costa à frente do Banco de Portugal tem os seus méritos. Como o Governador também os tem, aliás.
Estou há cerca de uma semana no coração de Vilamoura. Sem sair muito da casa onde passo duas semanas de férias, fico com a impressão de estar num outro país. As ruas e as vivendas desta zona têm muito pouco que ver com o resto do Algarve. A própria marina de Vilamoura é um mundo à parte. Só lá fui uma vez, há uns dias, e ficou claro que por ali há dinheiro e gente de fora.
Felizmente que as poucas excursões que até agora fiz fora desta área me levaram, de cada vez, ao mercado da Quarteira. A Quarteira está pegada a Vilamoura, do mesmo modo que a noite se segue ao dia. O mercado é, no entanto, uma experiência agradável. Ir às compras é voltar a um Portugal descontraído e simples, ao peixe fresco, caro, e às hortaliças e frutas, em conta.
Esse Portugal é bem melhor do que o outro que permite a dois ex-administradores, que de um modo ou de outro, tiveram a responsabilidade de levar o BES à ruína, voltar agora a prestar serviços no Novo Banco. O banco pode ser novo, mas as manhas ou as incompetências desses senhores são velhas e conhecidas. A sua nomeação não deveria fazer parte do Portugal de hoje. Mas faz. O que não augura um futuro brilhante para a equipa de Vítor Bento.
São sinais destes que mostram qual poderá ser o futuro.
A saga do BES, um banco que foi arruinado pelos seus administradores em virtude de acções fraudulentas, ilegais e manhosas, continua a ser o tema de todas as conversas.
Se é verdade que a solução encontrada pelo Banco de Portugal foi a menos má numa situação de catástrofe, a situação a que se chegou na sexta-feira, também é verdade que o banco supervisor permitiu, por indecisão e falta de força política, que as coisas se arrastassem até ao ponto de ruptura. Se o Banco de Portugal tivesse sido prudente, e nestas coisas a prudência é a regra que deve primar, teria tomado medidas de afastamento da administração do BES em Setembro de 2013. Foi nessa altura que se tornou evidente que havia gestão danosa.
Uma vez mais, lembro-me do que aprendi nas andanças pelo mundo. Quando o risco é grande a indecisão torna-o maior. O mal corta-se pela raiz, diz o ditado popular.
Agora, sendo as coisas o que são, é fundamental colocar o Novo Banco à venda tão depressa quanto possível. A actual administração, com Vítor Bento à frente, não tem experiência nem os contactos suficientes no mundo financeiro internacional que permitam ir além de uma fase transitória. Também aqui a experiência ensinou-me que o transitório deve ser sempre o mais breve possível. Por isso, deve procurar-se atrair o interesse de grandes grupos financeiros internacionais, para que comprem o Novo Banco. Mas aqui há vários problemas. Primeiro, não sei até que ponto a nossa opinião política está aberta à ideia de um banco internacional passar a ser o dono de uma parte significativa da banca nacional. Segundo, o mercado interno é pequeno, existem já bancos a mais, e por isso será difícil interessar um grupo de peso estrangeiro, um grupo sério e experiente. Terceiro, é difícil de dizer quanto vale o Novo Banco. Quantos dos créditos “bons” não serão na realidade montantes impossíveis de receber, nomeadamente no domínio do crédito à habitação e no financiamento de certas actividades económicas estapafúrdias. Poderá valer menos, para um investidor vindo de fora, que os 4 900 mil milhões agora disponibilizados. Quem vai pagar a diferença?
As contas do BES – Banco Espírito Santo – que hoje foram divulgadas revelam, de modo claro, que a anterior administração do Banco, a que fora presidida por Ricardo Salgado, era uma associação de suspeitos criminosos financeiros. Alguns deles ainda continuam na administração actual. Vamos ver por quanto tempo. Iremos também ver o que a justiça fará de toda esta gente. E que medidas vão ser tomadas pelo Banco de Portugal, para apuramento das responsabilidades criminais desta linda colecção de “banqueiros”.
Entretanto, em certos meios do PSD e PS, nomeadamente, há quem pense que tudo isto deve ficar em águas de bacalhau. É que, ao longo dos anos, foram muito ajudados pelo Ricardo e pela sua trupe.
Finalmente, o Banco de Portugal agiu, como eu aqui previra há vários dias, e obrigou o BES a substituir a sua administração. Foi, uma vez mais, lento na decisão, mas mais vale tarde que nunca, embora nestas coisas a rapidez da intervenção seja sempre o mais aconselhável. Quanto mais se espera mais difícil se torna encontrar uma solução razoável.
Mas os mercados parecem não acreditar na história que lhes está a ser contada. E as acções do BES continuam a perder valor, de modo muito significativo. É por isso importante que se faça luz sobre a situação financeira do banco e que se proceda rapidamente à entrada de um parceiro financeiro estratégico. Um outro banco, com dinheiro e bom nome, tem que tomar uma posição forte no capital do BES. E dar-lhe um sopro de reputação.
A verdade é que os clientes do BES não fizeram fila para retirar o dinheiro das suas contas. Aí o poder político tem sabido gerir a crise com habilidade. É preciso mais, agora, forçar à abertura do banco a novos grupos de accionistas de peso.
Numa situação tão séria e complexa como a que está acontecer à volta do Banco Espírito Santo (BES), seria de esperar que o Banco de Portugal (BP), logo após o fecho das bolsas, viesse a público e anunciasse uma decisão, com o objectivo de clarificar e apaziguar a economia e o sector financeiro. Ora, isto ainda não aconteceu, à hora a que escrevo e receio que demore a acontecer.
Nestas coisas, o banco central, neste caso, o BP, tem que mostrar que tem capacidade de decisão rápida, que sabe cortar a direito e que compreende a urgência e a importância sistémica da crise. Tem igualmente que ser visto como independente do poder financeiro, como corajoso e competente.
No caso concreto, é evidente que a actual administração tem que ser, de imediato, substituída por uma outra, a título temporário, até que seja confirmada pela assembleia de accionistas do BES. Ninguém da administração que levou o BES ao descalabro presente tem condições para continuar, seja em que posição for, em lugares de direcção do BES. Devem, além disso, ser objecto de investigações criminais, para que se apurem as responsabilidades. Assim se procede nos países avançados.