Barroso terminou as suas funções de Presidente da Comissão Europeia. Seria pouco apropriado não escrever umas linhas sobre o fim de mandato de quem esteve durante dez anos num lugar de grande poder e visibilidade na cena internacional.
Vou fazê-lo agora, para dizer que o nosso compatriota – que eu critiquei algumas vezes nos meus textos da Visão – esteve à frente da União Europeia numa fase particularmente delicada e de extrema complexidade. É preciso ter isso em conta, como é preciso saber que nesse tipo de funções cada crise que passa, cada decisão de fundo que é tomada, tudo acaba por ser o resultado de um jogo de equilíbrios políticos. Esse jogo é especialmente difícil numa associação de Estados independentes e que, para mais, têm capacidades de intervenção diferentes. Comparar o peso do jogo da Alemanha, por exemplo, com o de Portugal, não é fácil. De um lado, temos 80 e tal milhões de habitantes, uma economia dinâmica e forte, interesses em várias partes do mundo. Do nosso lado, temos uma outra realidade.
Manter o fiel da balança entre tudo isto, nem sempre dá certo. E se a isso juntarmos uma crise económica profunda, um risco muito sério de implosão do Euro, o enfraquecimento para além do imaginável da influência de países como a França, etc etc, temos um cenário muito desequilibrado, que foi o que definiu o mandato de Barroso durante a maior parte da sua permanência em Bruxelas.
Perante isto, e apesar das muitas coisas que se possam apontar a Barroso, creio que seria justo dizer que conseguiu navegar com habilidade e com resultados as águas difíceis e agitadas da União Europeia.
E, por muito que se diga, deu uma imagem de Portugal e dos Portugueses que nos favoreceu. Portugal foi visto, durante dez anos, como um país que pesava mais do que a sua dimensão o faria imaginar e do que os seus governos estavam em condições e eram capazes de defender na cena internacional e no palco europeu. Isso tem valor.
A escolha, pelo Primeiro-ministro de Portugal, de Carlos Moedas para integrar o colégio de Comissários da Comissão Europeia, veio chamar-nos a atenção para vários factos.
Primeiro, as nomeações feitas pelos estados membros têm sido em geral de políticos de segunda linha. Nota-se, uma vez mais, como aconteceu nos colégios que Durão Barroso presidiu, a tendência para enviar para Bruxelas políticos em perda de velocidade, ou então, num ou noutro caso, jovens num processo de ascensão, mas sem grande experiência, que vão continuar a sua aprendizagem na Europa, antes de voltarem, já com mais calo, às lides políticas dos seus países de origem.
Segundo, Juncker está a revelar-se um osso duro de roer. Não tem aberto o jogo de quem vai ser nomeado para que pasta, nem parece ceder às pressões vindas dos líderes nacionais. Hollande e Cameron, por exemplo, tentaram negociar a atribuição de funções importantes para os seus, mas aparentemente sem grande resultado. O mesmo terá acontecido com Passos Coelho, embora neste caso o peso de Portugal fosse à partida um handicap. Para mais, depois de dez anos de presidência, há uma espécie de acordo tácito em Bruxelas que a pessoa enviada por Portugal acabará por ter uma pasta de valor marginal.
Terceiro, não tem havido um número suficiente de mulheres propostas para Comissários. Assim, é muito provável que a Presidência do Conselho Europeu e o lugar de Alto Representante para a política Externa venham a ser atribuídos, respectivamente, à Primeira-ministra da Dinamarca e à ministra dos Negócios Estrangeiros da Itália. A dinamarquesa tem alguma experiência, embora os seus cinco minutos de fama se devam à “selfie” que tirou, na galhofa, no funeral de Nelson Mandela, ao lado de Obama e de Cameron. A italiana é uma jovem diplomata, muito verde. A sua nomeação para substituir a Baronesa Ashton, se acontecer, seria mais um salto no desconhecido e numa política externa europeia às apalpadelas.
Em Portugal, os resultados das eleições europeias revelaram que é impossível, para já, fazer projecções prudentes sobre o que poderá acontecer dentro de um ano, quando as legislativas tiverem lugar.
A aliança que está no governo resistiu melhor do que se esperava. Digo isto tendo como elemento de comparação o que se passou em França. Seria acertado pensar que, depois de três anos de austeridade a sério, a coligação PSD-CDS acabaria por ter uma votação muito inferior à que teve.
Do lado do PS, o valor obtido é magro. Cabe à direcção do partido e aos militantes reflectir sobre as razões. Mas a continuar assim, o PS não terá, em 2015, as condições mínimas para levar a cabo a sua política governativa. Estará, se nada mudar, apenas em condições de liderar uma coligação coxa. Digo coxa porque em Portugal não há uma cultura política que seja favorável a alianças entre o centro-esquerda e o centro-direita.
A CDU fez uma campanha clara e ganhou com isso. Mas não é partido de governo.
O resto é paisagem, com ou sem votos, incluindo o “deputado acidental” que é Marinho Pinto.
Fora do nosso espaço, a extrema-direita ganhou peso no Parlamento Europeu. Em França, deixou os socialistas e a direita de Sarkozy em estado de choque. Na Grã-Bretanha, deu-se mais um passo, bem firme, para um confronto aberto entre esse país e a UE. E na pequena Dinamarca, que já foi um exemplo de tolerância e um modelo de cooperação internacional, os ultranacionalistas ficaram em primeiro lugar.
É importante sublinhar a vitória eleitoral do Partido Democrático do centro-esquerda na Itália. Matteo Renzi, o líder do partido e Primeiro-ministro de Itália, afirmou-se como um jovem que sabe fazer política nos tempos modernos.
Agora é preciso ver quem vai ser o Presidente da Comissão Europeia. Jean-Claude Juncker, o candidato que está à frente, não acredita que o deixem passar. Cameron ir-se-á aliar com Viktor Orban da Hungria, um homem ultranacionalista e habilidoso, para impedir que Juncker seja nomeado Presidente. Pensa Cameron que com esse golpe poderá ganhar alguns pontos junto do eleitorado inglês que votou contra a UE. O Primeiro-ministro britânico é uma das principais ameaças ao projecto comum.
Enfim, vai haver nos próximos tempos muita matéria para debater.
Ontem teve lugar em Lisboa uma conferência de alto nível. Sim, o Presidente da República, o Primeiro-ministro, o Presidente da Comissão Europeia, mais oito, sim, oito Comissários europeus, mais tudo o que é ministro e gente importante na situação portuguesa de hoje estiveram presentes. Para discutir o futuro de Portugal, o emprego e outras coisas que são fundamentais para o futuro do país.
Interessante. Mas mais interessante ainda, é que não vi, na comunicação social, uma só ideia, nova ou reciclada, que tivesse saído desse encontro. Li, isso sim, uma série de elogios, sobretudo destinados ao chefe da Comissão Europeia. E mais uma breve referência ao primeiro-ministro, que terá dito, mais ou menos, que a utilização dos fundos europeus, no passado, foi feita sem ter em atenção as verdadeiras necessidades do país. Mas, que com ele, isso não se passa assim.
Durão Barroso deu uma entrevista de primeira página ao Expresso. E o semanário selecionou, de entre tudo o que foi dito, uma frase mortífera: “Já disse várias vezes ao primeiro-ministro que há limites”. Uma verdadeira rajada de metralhadora, que mostra várias coisas: que Barroso trata o PM de um modo paternalista, de alto para baixo, de chefe para subordinado; que o PM não o ouve, donde se pode deduzir que é um casmurro, sem capacidade de entender uma verdade tão simples; que vários limites foram ultrapassados, sem que houvesse sensibilidade política nem qualquer tipo de consideração pelo bom senso que deve caracterizar um PM. Revela ainda que Barroso, que continua a ser Presidente da Comissão Europeia, se permite interferir nos assuntos da governação interna de Portugal, como se fizesse parte da vida partidária nacional, o que não é o caso, por muito patriota e bom português que seja. Mais ainda, demonstra que Barroso, que diz não querer ser candidato à sucessão de Cavaco Silva, já está a preparar o terreno para o ser e poder bater na tecla que ele até era mais sensato e moderado que o PM de agora.
E o Expresso, solícito, está já a oferecer-se para ser um dos seus veículos de reabilitação perante a opinião pública de Portugal e um dos seus canais de propaganda. A escolha de quem está por detrás do Expresso é clara.
Martin Schulz, actual presidente do Parlamento Europeu, está na corrida à sucessão de Barroso em nome da família socialista e social-democrata europeia mas sem o apoio dos Trabalhistas britânicos. Ed Miliband, o líder do partido, considera que Schulz é demasiado europeísta, ou seja, um porta-voz influente do aprofundamento da União Europeia. Miliband, apesar de ser favorável à presença britânica na UE, acha que a integração já foi demasiado longe e que é preciso pôr um travão à transferência de competências para as instituições comunitárias.
Miliband deverá ser o próximo primeiro-ministro da Grã-Bretanha. Se assim acontecer, a integração europeia não poderá esperar muito dele e do seu governo. Mas a situação ainda será pior se Cameron for reeleito primeiro-ministro. Nessa hipótese, é quase certo que em 2017 a Grã-Bretanha estará de saída da UE.
A pergunta que se coloca hoje é muito simples: será preferível ter um Miliband sem entusiasmo pelo projecto europeu e pronto a travá-lo por dentro, ou ter um Cameron fora das portas europeias, a tratar da sua vida e nós a tratarmos da nossa?
Na Visão que ontem foi posta à venda escrevo sobre a grave e complexa crise ucraniana. A Ucrânia é hoje uma zona de confrontação de interesses. A UE tem que ter uma estratégia muito bem pensada. Não pode tratar dos acontecimentos e da questão sem ter em conta as mais variadas dimensões da mesma, que vão dos direitos humanos e da liberdade das pessoas à necessidade de diálogo e de equilíbrio entre as partes em conflito, até aos aspectos geoestratégicos. A tendência habitual para lidar com estes problemas de forma esquemática e simplista poderá acarretar consequências inesperadas e muito sérias, inclusive para os interesses da UE. Por outro lado, enveredar por uma política de confrontação aberta com a Rússia exigiria uma unidade de objectivos e intenções, por parte dos europeus, que me parece, neste caso, como em muitos outros, muito difícil de conseguir. A dependência da Rússia em termos de gás, que é total para alguns Estados membros da UE, coloca-os numa posição de grande prudência e dá-lhes muito pouca capacidade de manobra. A Letónia, por exemplo, depende do gás russo. No outro extremo, a Espanha ou Portugal, não. Mas mesmo estes não têm qualquer interesse numa política de hostilidade aberta com Moscovo.
Para quem o quiser ler nesta página do blog, passo a transcrever o que escrevi:
Ucrânia: a difícil política do bom senso
Victor Ângelo
A crise ucraniana não se compadece com análises a preto e branco. Nem com a diplomacia do megafone praticada por exemplo por Van Rompuy este fim-de-semana, em Varsóvia, ao atacar abertamente as autoridades de Kiev. É uma situação complexa, com profundas implicações internas, numa Ucrânia à beira da falência económica, e politicamente fracturada. Por outro lado, na frente externa, a crise tem contornos geopolíticos sensíveis, em virtude das ambições russas para a região e dos ressentimentos de certos Estados da UE. Estamos, além disso, perante um processo volátil e cheio de perigos. As opções têm que ser abordadas com uma boa dose de ponderação.
Nos últimos dias, as comunidades ucranianas residentes no estrangeiro, incluindo em Portugal, intensificaram a pressão para que as instituições europeias tomem uma posição inequívoca. Querem que se faça uma espécie de ultimato ao Presidente Viktor Yanukovich, com ameaças e tudo. Mas a verdade é que a nossa parte da Europa não tem uma posição comum sobre a Ucrânia. Quando a proposta de sanções foi debatida, ficou claro que não havia o consenso necessário para a aprovar. No essencial, as preocupações dos que contam na UE passam por evitar um agravamento da violência, pela promoção do diálogo entre as partes e a preocupação de não hostilizar a Rússia de modo aberto. A Alemanha, nomeadamente, não se esquece que o mercado europeu absorve 47% das exportações russas e que esse país é o terceiro maior parceiro comercial da UE, após os EUA e a China. O comércio pesa, quando se tomam decisões geoestratégicas. Ainda pesa mais, numa altura de incertezas económicas. E é determinante para alguns, para os que estão criticamente dependentes do gás russo, como é o caso dos Estados Bálticos, da República Checa, da Eslováquia, da Hungria e da Bulgária. Saber que em 2013 a Noruega se tornou o principal fornecedor de gás do conjunto da UE não é consolação suficiente. Para estes países, é a Rússia que conta.
A nossa resposta tem que resultar de um equilíbrio entre o realismo e os princípios. Primeiro, convém ter presente que a geografia continua a ser um dos pilares das relações internacionais. A Ucrânia está onde está, na convergência de duas placas tectónicas de interesses. Na Europa que queremos construir, a confrontação entre interesses opostos tem que ser resolvida por meios pacíficos, através da convergência e da vantagem mútua. Pensar, como alguns pensam, que a “guerra” que se perdeu na Geórgia em 2008 pode ser agora vingada na Ucrânia, é um erro primário. A política do “ajustar contas” não deve ser a linha de inspiração das relações com a Rússia. Ninguém me pode exigir que goste do meu vizinho. Mas terei toda a vantagem em entender-me com ele, para além dos gostos e dos desgostos recíprocos.
Quanto aos princípios, as regras são claras. Há que respeitar os direitos humanos, a liberdade e as diversas expressões da cidadania, tratar do mal-estar social e político por meio de negociações e entendimentos. A rua, incluindo a Praça Maidan em Kiev, deve ser utilizada, sem violência e destruição de bens nem cega repressão das multidões, para forçar o diálogo e o bom funcionamento das instituições. Estas são as mensagens que os amigos da Ucrânia devem enviar a Yanukovich e aos líderes das oposições. Sem ambiguidades. O resto está nas mãos do povo ucraniano. Eles, melhor do que ninguém, saberão encontrar a solução que melhor se adequará às suas circunstâncias. Sem manobras nem interferência vindas de fora, nem do Norte nem do Ocidente. A não ingerência é outro princípio que convém ter sempre presente.
O pacote da recandidatura de Passos Coelho à direcção do PSD, agora formalizada, inclui um acordo subjacente: apoiar Durão Barroso como o candidato oficial dos sociais-democratas à Presidência da República em 2016. Passos acha que Barroso tem a experiência e a maturidade política necessárias. Mas acima de tudo, sabe que é um “candidato de confiança”, que irá “pagar” o apoio que lhe vier a ser dado. É, para Passos, uma aposta segura.
Já o mesmo não se poderá dizer de Marcelo Rebelo de Sousa. É demasiado independente para o gosto do primeiro-ministro. Essa é a sua principal desvantagem, aos olhos de Passos Coelho. Sem esquecer que o velho ditado: “cá se fazem, cá se pagam”. Marcelo vai ter que pagar a falta de respeito que tem mostrado por Passos.
O último Conselho Europeu deste ano começou ontem e termina hoje. Como de costume, um vasto perímetro de Bruxelas, em torno das instituições europeias, está sob um controlo apertado da polícia federal belga. Os meios mobilizados são imensos, sobretudo por ter havido uma manifestação de agricultores europeus. Quando estes vêm para a rua, com as suas máquinas agrícolas e produtos do campo, a confusão nas ruas da cidade à volta do Berlaymont é grande.
Onde não houve confusão foi à mesa da cimeira. Os líderes que mais contam, que não têm medo de falar abertamente, mostraram claramente o que querem, no que respeita às próximas etapas da integração europeia. Querem uma pausa. A integração, no seu entender, deve ser feita com base no que já existe. Para eles, este não é o momento para novas frentes.
Mostraram também que não tencionam alargar ou aprofundar os poderes da Comissão Europeia. A aposta, para eles, continua a ser na soberania nacional e nos acordos entre estados.
Não será muito, em termos da construção da União. É o que eu já esperava e que havia escrito em textos recentes que publiquei na Visão. Não haverá grandes mudanças enquanto não se entrar num novo ciclo, com um novo Presidente à frente da Comissão. O que só deverá acontecer perto do início do último trimestre de 2014.
O ano novo vai ser, por isso, um compasso de espera na construção europeia. Mas é assim que se faz a história.
As revelações de espionagem sistemática praticada pelos Estados Unidos contra instituições da União Europeia – sobretudo contra a sede da Comissão em Bruxelas – estão a deixar muita gente perplexa e indignada. O que é difícil de entender, digo eu. Será que os responsáveis do Berlaymont ou o Presidente do Parlamento Europeu – uma das vozes que mais barulho tem feito sobre o assunto – são simples de espírito, incapazes de imaginar outra coisa, da parte americana? Ou mesmo, de outros serviços de informações europeus, que estão certamente muito “conectados” com o que se diz e passa no seio da Comissão e devem ter “ouvidos e olhos” em vários sítios, a começar pelo gabinete de Barroso.
Cabe à Comissão Europeia não ser ingénua e proteger-se. Ou então, fazer como eu sempre fiz na ONU e partir do princípio que nestas organizações internacionais não há segredos, tudo acaba por se saber, hoje ou amanhã.