A crise criada pela clique que controla o poder na Rússia põe em causa o futuro pacífico da Europa, para além da destruição que provoca no Ucrânia. Deveria ser resolvida com um tratado de paz abrangente, que englobasse todas as partes. Mas não vejo hipótese alguma de se conseguir um tal tratado. Deve, no entanto, repetir-se continuamente que essa seria a única solução razoável e respeitadora dos direitos soberanos da cada Estado.
Um armistício e um congelamento das hostilidades é inaceitável, por beneficiar o infractor. Não é impossível de obter, mas deixaria o problema por resolver e acabaria, mais tarde ou mais cedo, por dar lugar a uma nova agressão russa e a uma nova guerra. E abriria a possibilidade de outras agressões da Rússia contra a sua vizinhança ocidental, a começar nos países bálticos ou na Polónia. A Rússia ficaria sempre a ganhar e, por isso, não hesitaria, embora se tratasse de países da NATO. Procederia a um ataque rápido e de surpresa, e depois de ocupar algum território, sobretudo um corredor que lhe permitisse ligar a província de Kaliningrado à Bielorrússia e à própria Rússia, mostrar-se-ia pronta para assinar um acordo de tréguas.
Prigozhin na Bielorrússia. Prigozhin em S. Petersburgo. Prigozhin a caminho de África. Progozhin não se sabe onde. E assim sucessivamente. Uma excelente ilustração da fragilidade do poder que reside hoje no Kremlin. Uma demonstração da fragmentação no topo da pirâmide. Uma interrogação sobre que futuro terá Vladimir Putin.
A visita de Vladimir Putin a Minsk na Bielorrússia parece uma repetição do que aconteceu há um ano, quando, a pretexto de exercícios militares, estava a preparar a invasão da Ucrânia. É muito possível que se realize uma nova investida russa de grande envergadura contra Kyiv em fevereiro de 2023. Os indícios disponíveis mostram que essa possibilidade existe. Poderá ser um erro considerar que Putin quer apenas capturar os quatro oblasts situados no Leste e que foram formalmente – uma formalidade que não tem qualquer valor legal Internacional – declarados como territórios russos.
Vladimir Putin participou na cimeira de ontem, na Arménia, dos países aliados da Rússia – a Organização do Tratado de Segurança Colectiva. E foi criticado por causa da questão ucraniana. Criticado pelos amigos, excepto pelo presidente da Bielorrússia. E a reunião terminou sem comunicado final, o que é bastante revelador. Foi mais uma prova, esta muito dolorosa, do isolamento diplomático de Putin.
Estiveram reunidos em Praga, durante o dia de hoje, 44 chefes de Estado e de governo europeus. Tratou-se da primeira reunião de uma ideia muito vaga, lançada em maio por Emmanuel Macron, a que se deu o nome de Comunidade Política Europeia. Não se entende bem o que isso significa, mas a verdade é que todos os convidados compareceram. Incluindo, por exemplo, o presidente do Azerbaijão, que não é bem um democrata, mas que quer ser visto como um líder europeu. Mas o aspecto mais importante desta reunião foi o facto de a Rússia e a Bielorrússia não terem sido convidadas. Procurou, assim, marcar-se o isolamento desses dois países. A aceitação, por todos os outros, destas duas exclusões parece-me significativa. Ninguém manifestou qualquer tipo de objeção. O importante era não perder o seu lugar na fotografia de grupo.
Este é o link para o meu texto de hoje no Diário de Notícias. Despertou muito interesse.
Cito de seguida umas linhas desse texto.
"Para mais, tudo isto tem uma conotação política muito delicada. Abre-se, deste modo, uma nova frente de confrontação direta entre a UE e a Rússia. Particularmente perigosa e que nos distrai da preocupação fundamental, urgente e prioritária, que é a de concentrar todas as energias no apoio à Ucrânia e aos seus esforços de legítima defesa. É perigosa porque oferece à Rússia um pretexto fácil de explorar para uma investida muito forte contra a Lituânia, um país membro da NATO. Ora, a Lituânia, tal como os seus dois vizinhos mais a norte, a Letónia e a Estónia, é muito difícil de defender. Vários exercícios estratégicos, simulados ao mais alto nível de comando da NATO - tive a oportunidade de participar em alguns - mostraram repetidamente a fragilidade extrema de qualquer um desses três países, no caso de uma intervenção militar hostil vinda da vizinhança. São territórios pequenos, sem profundidade estratégica, fáceis de ocupar. Abrimos, assim, um conflito num ponto fraco do nosso espaço de defesa. Não é certamente uma decisão estratégica inteligente, menos ainda sensata. Mais, não havia necessidade."
O link acima permite a leitura do meu texto de hoje no Diário de Notícias.
"As migrações em massa do Sul para o Norte serão um dos fenómenos mais marcantes desta e das décadas seguintes. A UE não pode fingir que não vê a tendência. É inaceitável deixar uma matéria dessa importância ao critério de cada Estado-membro. A questão deve ser tratada em comum. E o assunto tem de se tornar numa das principais linhas de debate da Conferência sobre o Futuro da Europa."
A crise na fronteira entre a Bielorrússia e a Polónia tem várias dimensões. A mais imediata é de natureza humanitária, com milhares pessoas, incluindo crianças, a passar fome, frio e humilhações constantes. Algumas já morreram congeladas.
Mais ainda, não se sabe quantos milhares de pessoas estão encurraladas entre os guardas de um lado e do outro. Mas sabe-se que são tratadas com violência extrema por ambos os lados. E essa é uma questão central, que toca directamente no cerne dos valores europeus, do respeito pelas pessoas e da protecção dos mais frágeis.
Alexander Lukashenko está claramente a aproveitar-se da miséria de certos povos. Mas o nosso lado não pode ficar indiferente perante o sofrimento de quem se deixou manipular, gente que vive em contextos tão complicados que qualquer promessa, por mais ilusória que possa ser, traz sempre um fio de esperança.
As forças armadas russas estão a levar a cabo o exercício Zapad 2021. Este exercício militar decorre junto das fronteiras da União Europeia. Tem lugar todos os quatro anos. O de agora é o maior exercício realizado na Europa nos últimos 40 anos. Participam nele cerca de 200 mil militares, alguns deles vindos da Bielorrússia. Segundo as normas em vigor, deveria ter observadores da NATO. Mas os russos declararam que o exercício só mobilizaria 13 mil efectivos, uma mentira que lhes permite furar a obrigação de convidar observadores ocidentais.
No essencial, trata-se de simular uma invasão do território russo por tropas ocidentais e, em seguida, treinar a resposta e expulsar os invasores. Para isso, o exercício integra cerca de 80 aviões e helicópteros, 300 tanques e 15 navios. Uma parte da simulação passa-se no Árctico, que é um novo foco de possíveis tensões entre a Rússia e o Ocidente.
É um exercício convencional, como se as guerras de amanhã fossem como as de ontem. Os russos sabem que assim não é. São, aliás, especialistas em novos tipos de agressões, híbridas e aquém do limiar que provocaria uma declaração de guerra. Mesmo assim, fazem um exercício clássico, para mostrar a todos, incluindo à sua população, que a Rússia tem poder militar para dar e vender. É uma exibição de força, tradicional mas efectiva.