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Vistas largas

Crescemos quando abrimos horizontes

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Crescemos quando abrimos horizontes

A igreja grande

 

Copyright V.Ângelo

 

Neste Domingo de Páscoa convido o leitor a visitar a Igreja Matriz de Birao, capital da região de Vakaga, na República Centro-Africana, bem perto da fronteira com o Sudão.

 

Com o tempo, a igreja, que como deve ser, está situada na zona central de Birao, perdeu os fiéis. Hoje é um edifício sem vida, numa terra que é cada vez mais islâmica. O Islão conseguiu penetrar ao nível popular, ganhar raízes locais, sobreviver às crises políticas e aos conflitos armados. A região está, hoje mais do que nunca, virada para o Sudão muçulmano. Bangui, a capital da RCA, fica longe, o cristianismo é uma religião de brancos e de gentes das cidades, um mundo distante, estranho, nestas terras bem estranhas.

 

 

Tempos acelerados

 

Era suposto ser um Domingo tranquilo. O céu estava de um azul sem manchas. Faz sonhar. Mesmo nestas terras. O harmatão, este ano, tem-nos poupado. Não tem havido a poeira no ar, habitual nesta estação. Os dias começam frescos, com cerca de 16 graus, aqui na capital do Chade, depois aquecem, vão aos trinta e cinco ou isso por aí à volta. Hoje era dia de escrever a minha prosa para a Visão desta semana. Tinha combinado que continuaria a reflectir sobre o terrorismo.

 

O embaixador inglês, residente em Youndé, chegou a meio da manhã. Para umas reuniões comigo e com outros embaixadores. Pedi ao meu director de gabinete que o recebesse. Uma colega sénior das Nações Unidas havia chegado ontem à noite. Está de passagem, a caminho de Bangui. O meu protocolo teve a missão de se ocupar da colega. Tudo para me permitir alguma pausa.

 

Acabou por não ser bem assim. Depois do incidente no campo de refugiados de Gaga, ontem, havia que iniciar um inquérito, hoje. Mandei uma equipa de investigadores. O Leonardo, um Subintendente da PSP aqui em serviço, fazia parte da equipa. É um excelente profissional, que muito honra a presença portuguesa. Entretanto, mais a Norte, em Iriba, a base de CARE, uma ONG com quem trabalhamos, foi atacada por homens armados, para roubar o que fosse possível, incluindo as viaturas. A nossa Polícia (DIS) saiu em perseguição. Um dos agentes foi ferido num pé. Lá foi preciso organizar uma evacuação sanitária para Abéché, por helicóptero.

 

No sector Sul, em Birao, as tropas do governo, um pelotão, foram atacadas por cerca de cem homens armados. 45 quilómetros ao Norte da cidade, a caminho da fronteira com o Chade. Uma zona com mais rebeldes do que habitantes. Um recorde. Mais uma intervenção a prever, do nosso lado.

 

Entretanto, o texto para a Visão lá foi avançando. Ao princípio ficou muito técnico, quase parecia um míni relatório sobre a problemática da análise das informações de segurança. Tive que fazer várias passagens, cortar a torto e a direito, que 3500 caracteres não dão muito espaço. Continuei essa tarefa, até me lembrar que havia prometido telefonar à minha filha mais nova, que está a residir em Espanha. Segunda ou o mais tardar, Terça, prometera eu. Com todas as surpresas da semana, a coisa passou-me. A promessa tornou-se uma de mau pagador. Peguei no telefone e pedi que me desculpasse. É que eu tenho alturas em que nem sei a quantas ando.

 

 

No seguimento dos raptos de Birao

 

Despachei para Bangui o meu director de gabinete e o o conselheiro político sénior. No seguimento das minhas conversas telefónicas de ontem com o Primeiro-Ministro Toadera, os enviados especiais reuniram-se, esta tarde, com o PM e uma equipa de crise. Estiveram também com a embaixador francês e com as ONGs que operam em Birao. Lancei, entretanto, um apelo para que os reféns sejam libertos sem demoras. São jovens de bem, dedicados e com reconhecido trabalho social de apoio às comunidades de Birao.

 

Entretanto, a notícia dos raptos foi título grande nos meios de comunicação social franceses. O facto de os raptores procurarem vítimas dessa nacionalidade foi o tema central.

 

Enquanto tratava deste assunto, a tripulação do helicóptero que havia sido enviado para Birao, como apoio à procura dos criminosos, teve ontem uma noite muito dramática. Um dos pilotos faleceu, três outros estão em estado grave. Em coma. Beberam um líquido adquirido sabe-se lá onde, mas que tinha um rótulo de uma bebida espirituosa normal.

 

Foi o segundo incidente do género em duas semanas. Com pessoas da mesma nacionalidade. Embora estivesse em Vevey, por outros motivos profissionais, passei uma parte da manhã a falar com Moscovo. Mais tarde, com Nova Iorque e com a minha área de operações. A pedir que as autoridades do país dos pilotos sensibilizem as suas gentes, para que estes casos tão trágicos não voltem a acontecer.

Raptos de trabalhadores humanitários

 

Tivemos, na noite passada, mais dois raptos. Homens armados atacaram as residências de duas ONGs em Birao. Uma operação bem planeada. Levaram dois jovens agentes humanitários, gente que conheço bem, muito dedicada, que estavam há meses na zona do Nordeste da República Centro-africana. Participavam regularmente na distribuição de assistência alimentar, nos projectos de abastecimento de água e de saúde pública, tinham sobrevivido as crises violentas de Junho e Julho.

 

Os raptores só levaram os que tinham nacionalidade francesa. Deixaram para trás três outros estrangeiros.

 

A nossa força militar e os nossos serviços de segurança estão inteiramente mobilizados.

O último canto

 

O diabo do galo começou a cantar antes das quatro da manhã. Não muito longe da minha tenda de campanha. Mais tarde, tive que recomendar ao comandante do Sector Militar de Birao, um major togolês, que pensasse na hipótese de oferecer um relógio ao dito bicho plumado. Ou, que, pelo menos, os seus homens o tentassem educar, de modo a respeitar as visitas vindas de longe.

 

Depois do pequeno almoço, às seis, fiquei a saber que o galo, as galinhas e mais umas cabras, todos muito vivos, tinham as horas contadas. Estavam no menu de hoje à noite. Sem serem convidados. Seriam o prato forte, na comemoração das medalhas da ONU que haviam sido atribuídas por mim aos militares do Togo, ontem ao fim do dia.

 

Excelentes militares, sempre de faca afiada, que em Birao, no centro de África, cada um trata de si.

 

Cortinas de água

 

 

Cheguei a Birao às 09:45, depois de duas horas de voo, a partir da capital do Chade.

 

Birao é talvez a terra africana que mais longe fica do mar. Qualquer que seja a direcção que se siga, é floresta e mais floresta. Se o nosso popular Isaltino precisasse de se esconder da justiça, o que no caso português não é necessário, este seria o sítio ideal. Para mais, Birao está sem presidente do município há meses, no seguimento das últimas investidas rebeldes. O nosso herói teria emprego de imediato.

 

Mesmo no centro de África, às portas do Darfur do Sul, no triângulo de fronteira entre a RCA, o Chade e o Sudão, a muitos dias de viagem de qualquer outra localidade importante. Mas apenas no tempo seco. Não nesta altura, claro, que agora, em plena estação das chuvas, só é acessível de avião.

 

Tive sorte. Logo após a aterragem começou a chover. Um dilúvio. A água caía como se estivéssemos na parte inferior, no sopé, de Victoria Falls, no Zimbabwe. Cortinas espessas, que fechavam o espaço à nossa volta e faziam o dia parecer-se com a noite. Às 11:00 estava escuro, parecia noite. Ou um daqueles dias fechados de Inverno da Escócia do Norte.

 

Quando o céu desabou estava em reunião com o Governador da região. O homem tinha vestido um fato, para me receber. De fato, em Birao. Chegou há duas semanas, para tomar conta de uma área que equivale a metade de Portugal. Tem um adjunto e dois ou três funcionários. E um pequeno gerador, que já está avariado. A residência oficial, bem como o edifício do governo, haviam sido pilhados durante as incursões rebeldes de Junho. Mas conseguiu pedir emprestadas umas cadeiras de madeira, feitas localmente, para que o nosso encontro pudesse decorrer sentado. Com alguma dignidade.

 

Com a chuva a bater no zinco, no chão, nas árvores onde vivem os antepassados, os relâmpagos e trovões, a nossa conversa sobre a guerra e a paz acabou por ser feita de um modo patético. Eu a gritar na orelha do Governador, e depois a encostar a minha à boca do senhor, os meus colegas quase a cavalo em cima de nós, para tentar apanhar as palavras e tomar notas. Correu bem, claro.

 

Vamos fazer sair de Birao, por três meses, os seis políticos mais importantes. São estes políticos que estão na origem das guerrinhas. Das mortes, torturas e misérias. O tempo de ausência será aproveitado para fazer as pazes entre as tribos, as pessoas simples.

 

Afinal, em Birao, como por estas terras lusitanas, são os políticos que complicam as coisas. Como me dizia o Governador, com o bater da chuva como pano de fundo, cada político só luta pelos seus interesses pessoais. E manipula os outros, com palavras que enfeitiçam o povo.

 

A chuva podia ter continuado por vários dias, como muitas vezes acontece. Mais uma vez, tive sorte. À tarde, parou.

 

Não há guerras de religião

 

 

Copyright V. Ângelo

 

O Imã e o Pastor. As duas autoridades religiosas de Birao. Lado a lado, a discutir como resolver a crise político-militar. A questão não é religiosa. A sabedoria destes dois homens impressionou-me. Não tomaram partido. Não fugiram para o mato. Estão nos seus postos, prontos para agir. Gente de coragem.

 

 

 

Birao, terra mártir e perdida

 

Copyright V. Ângelo

 

Estas duas crianças foram das poucas que ficaram em Birao, cidade capital da Província de Vakaga, no Nordeste na República Centro-Africana. Vivem actualmente numa tenda, em situação de grande vulnerabilidade. Uma lona instalada nos terrenos da casa do único Deputado local.

 

O Deputado transformou o seu quintal num campo de deslocados. É um homem de grande mérito e de uma coragem exemplar. Num canto da propriedade, que está a duas centenas de metros do campo da MINURCAT, a força militar das Nações Unidas que chefio e que tem um destacamento de 300 homens, Togoleses, na zona. A proximidade com o nosso campo tornou a casa do parlamentar um sítio de refúgio.

 

Vivem cerca de 400 deslocados no interior da sua cerca. Num canto, várias famílias da tribo Rounga. Separados por cinco metros de no man´s land, estão as tendas das famílias Kara. Mais à frente, de novo separados por meia dúzia de metros que fazem a diferença, vivem as famílias da tribo Goula. No extremo do quinta, é a zona dos Haoussas. Cada tribo no seu canto.

 

O Comité Internacional da Cruz Vermelha forneceu ao Deputado umas centenas de sacos de farinha de milho. Assim se vão mantendo as famílias. Nós fazemos as patrulhas de segurança. No exterior. Pela cidade perdida.

 

Birao, um centro normalmente cheio de actividade comercial, a cerca de 60 quilómetros da cidade sudanesa de Am Dafok, está moribunda. Mais de 60% das habitações foram pilhadas, queimadas, de seguida. A grande maioria das pessoas fugiu para o mato. O primeiro ataque rebelde foi a 6 de Junho. O segundo, no Domingo, 21.

 

Estive de visita no dia 25.

 

Uma desolação. Não há autoridade na cidade. O Governador, o Presidente da Câmara, os funcionários, estão todos em fuga. Cerca de 90 militares do governo mantêm uma certa paz. Mas andam de mão dada com um grupo rebelde, que controla a cidade. Ou seja, tomaram partido, pois esse grupo rebelde é inimigo jurado do que atacou a localidade. São dois grupos, que representam duas tribos vizinhas, que  andam numa guerra sem tréguas. Gente pobre armada até aos dentes.

 

Os rebeldes aliados do governo passeiam-se em Birao como quem anda a apanhar ar fresco à beira Tejo.

 

Ninguém fala de Birao, por esse mundo fora. Bangui, a capital, fica a cinco dias de viagem por pistas quebra-espinhas. Nem da Vakaga, metade de Portugal em superfície, 38 000 habitantes, muitas árvores, pássaros exóticos e animais selvagens. Um paraíso onde se sofre todos os dias.

 

O nosso segundo campo, no aeroporto da cidade, a 12 quilómetros do burgo, fica na zona de passagem para o ponto de água de uma manada sem fim de búfalos. Nesta altura do ano, em que a água é muito escassa, os animais transitam todos os fins de tarde pela zona do campo. Convém estar atento, que os búfalos não são animais para brincadeiras. Estes não são como os pacíficos primos que se passeiam por Timor Leste. São bichos bravos a sério.

 

Como os homens.

 

Quem sabe onde fica Birao, no mapa, na vida, na morte? 

Um dia longo no mato da vida

 

É difícil ter um dia sereno.

 

Este Sábado começou com um ataque rebelde contra o campo militar das FACA (Forças Armadas da República Centro-Africana) na pequena cidade de Birao. Birao está situada no triângulo de todas as rebeliões, onde o Sudão, o Chade e a RCA partilham fronteiras comuns. É um triângulo com pouca lei e muito perigo.

 

Eram 05:37 quando os primeiros tiros foram disparados. Os últimos deixaram de se ouvir cerca das 08:00 horas. Os soldados das Nações Unidas, Togoleses, tiveram que intervir, para proteger as ONGs e as populações civis.

 

Neste momento, a situação está calma. Os capacetes azuis controlam a cidade e o aeroporto, cerca de dez quilómetros a Sul. Temos perto de trezentas pessoas acampadas junto ao nosso arame farpado, mais um certo número de trabalhadores humanitários no interior do quartel da ONU. Só o Comité Internacional da Cruz Vermelha, por razões de princípio, está fora da nossa protecção.

 

Entretanto despachei o General Comandante das nossas Forças de Abéché para Birao, bem como um avião cargueiro com rações, água e material de combate.

 

Tem sido, desde muito cedo, um tocar sem fim dos telefones, com Abéché, Birao, Bangui e N´Djaména do outro lado da linha.

 

Hoje à tarde estarei em Bangui. A escala já estava prevista. Faz parte da minha viagem para Entebbe. Verei o Ministro dos Negócios Estrangeiros. Quando chegar a Entebbe, esta noite, espero poder descansar um pouco, que bem preciso, nas margens do Lago Vitória. Uma zona bonita, com bom tempo e uma temperatura amena. A última vez que visitei foi em 1997. Vitória é um nome de guerreira, mas, esta noite, o que precisarei, será de paz.

 

 

 

 

 

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