No seguimento da decisão anunciada sobre a possível presença de militares em situação de reserva nos recreios e outros recintos das escolas, é evidente que não cabe aos elementos das forças armadas prestar serviços de segurança interna, dentro da normalidade constitucional. Há pouco que discutir sobre isso.
O que me parece extremamente preocupante é a situação a que se chegou em muitas das escolas públicas. A indisciplina, a violência entre os alunos, a destruição de equipamentos, as ameaças à integridade física dos professores, dos trabalhadores escolares e dos colegas, tudo isto está mais ou menos fora de controlo. Só assim se compreende que tenha aparecido a ideia de trazer os reservistas para os estabelecimentos de ensino. Esta resposta, que não é nem pode ser solução, mostra bem que temos um enorme problema de respeito pelas pessoas e pelas práticas de cidadania nas escolas.
Um país que não consegue resolver este tipo de problemas é um país com um futuro muito triste. Ou estarei enganado?
Infelizmente, tenho que voltar a escrever sobre o bullying nos meios escolares. Não apenas por causa do novo caso que chegou à comunicação social – os maus tratos inaceitáveis contra um rapaz de 12 anos, no autocarro do colégio, em Leiria. Nem mesmo porque o condutor do autocarro fingiu que não era nada com ele e por a directora do colégio ter tentado esconder o incidente. Volto ao assunto porque um imbecil de um comentador numa rádio de prestígio veio dizer que o bullying sempre existiu, dando a entender que não há razão para tanto alarido. Ou seja, procurou fazer em público o que muitos fazem pela calada: banalizar a coisa, achar normal que jovens abusem física e psicologicamente de outros jovens.
É contra este tipo de cretinismo opinativo que me bato. É a razão de ser deste blog. E faço-o por saber que estas barbaridades de opinião são moeda corrente, aqui por este país. Noutros países, que conheço e frequento assiduamente, a tolerância em relação aos comportamentos violentos nas escolas é zero. Não se aceita. Responde-se a cada caso de violência com firmeza e celeridade. E fazem-se repetidas campanhas de esclarecimento sobre o respeito pelos outros, os direitos de cada um e os valores da cordialidade e da compreensão em relação aos que são diferentes. A verdade é que essa maneira de tratar o problema dá resultado.
Portugal precisa de levar uma grande volta. Incluindo nesta área e no domínio mais vasto da educação. A permissividade e a passividade actuais estão a dar espaço e a criar os primários de amanhã, os portugueses do subdesenvolvimento, que pouco mais saberão fazer na vida do que dar bofetadas, dizer palavrões, protestar a torto e a direito, e votar pelos partidos radicais, na vã esperança que a sociedade assuma o encargo de tomar conta deles, das suas frustrações e das suas incapacidades.
De vez em quando, nestes escritos que aqui vou deixando, chamo a atenção para a problemática do bullying nas escolas portuguesas, incluindo sob a forma de praxes académicas. É um problema sério, frequente e, tantas vezes, propositadamente ignorado. Ou seja, quem tem responsabilidades finge que não sabe, que não vê. E deixa andar.
O que se passou na Figueira da Foz – a agressão em grupo de um aluno, de modo prolongado e criminoso – é mais um triste e chocante exemplo da violência que existe nos meios escolares ou na proximidade. Neste caso, ninguém pode acreditar que não se tenha sabido do incidente durante um ano. Mas a verdade é que foi necessário que aparecesse um vídeo no Facebook para que se visse algum tipo de resposta por parte das autoridades, dos pais e das testemunhas do acontecimento.
Vamos agora estar atentos ao seguimento que o caso irá ter. Teremos a resposta que se impõe ou ficaremos, uma vez mais, no reino do indefinido e da irresponsabilidade?
O Ministério da Educação não dá a atenção devida à violência entre alunos. Tem sido assim já há alguns anos. Quando aparece um caso mais público, inventam-se escusas e aposta-se no tempo, que tudo faz esquecer. Das duas ou três vezes que falei sobre o assunto com responsáveis do ministério, houve uma espécie de reacção epidérmica, um tendência para negar a existência do problema
O “bullying”, como é conhecida a prática de humilhar, ofender e agredir alguns alunos por outros, precisa de ser tratado com mais seriedade. É algo que deve ser objecto de uma tolerância zero.
As praxes académicas têm, elas também, muitos aspectos que são actos de “bullying”. Nestes casos, e tendo em conta que são da responsabilidade de alunos com idade para serem responsabilizados criminalmente, o recurso à justiça deve ser uma das maneiras de responder a esses atentados à integridade das vítimas.
Continuar a fingir que o problema não existe é inadmissível
Não podemos aceitar que muitos se comportem, em sociedade, sem qualquer respeito pelos outros. O mesmo se passa na política. Tem que haver maneiras e decoro. Cada um, no seu domínio e no seu papel, tem que estar à altura das suas responsabilidades. Um dirigente político que não se sabe comportar é, antes de tudo, um mau exemplo. Manter a calma é uma virtude.
A riqueza de um país também depende do grau de civismo com que cada cidadão encara a sua relação com os outros. O consenso que resulta do diálogo é um bem precioso.
No nosso caso concreto, enquanto nação, temos ainda muito que fazer. Os comportamentos inaceitáveis continuam a preencher-nos o quotidiano. É preciso mudar este estado de coisas. Ninguém quer ter um polícia em cada esquina. Mas mais educação e mais controlo ajudam a melhorar o que está errado. O reforço da autoridade é, por isso, uma preocupação que não devemos esquecer nem ter medo de afirmar.
Durante as minhas viagens de ontem, pensei muito na tragédia daquele menino de 12 anos que, em Mirandela, se lançou às águas bravas do Rio Tua. Embora muito longe de Portugal, Mirandela, bullying nas escolas portuguesas, e o gesto desesperado do Leandro, preocuparam-me. Mais. Revoltaram-me.
Penso que as escolas do nosso país não têm sabido tratar da questão muito grave que é o bullying. Não é dada orientação sobre o assunto. Os políticos, por seu turno, a começar pelos diferentes ministros e secretários da Educação, não entendem, nem nunca quiseram compreender, a gravidade do problema. Como em muitas outras áreas, deixam andar. Não se sentem responsáveis. Não vêem. Não estão à altura. Temos uns políticos que voam ao nível baixinho da mediocridade. Até nesta área tão evidente, que é a violência contra as nossas crianças.
O bullying, e todas as formas que as praxes escolares tomam, sejam elas praticadas na adolescência ou no início da juventude, nos institutos militares, de polícia, nas universidades, e noutros locais de aprendizagem e de formação de jovens, são práticas inaceitáveis. Devem ser vistas como indicadores de um povo primitivo, sem elevação moral, velhas reminiscências de um gosto por barbaridades. Violam a dignidade da pessoa e os direitos humanos. Têm que ser proibidas. E severamente punidas.
Estamos no Século XXI, meus senhores e minhas senhoras.