A decisão da construção e o custo exorbitante do altar papal são dois erros políticos enormes. Carlos Moedas, os vereadores da CM de Lisboa que aprovaram o projecto e a Igreja Católica mostraram uma enorme falta de sensibilidade política e uma total ausência de prudência orçamental. A cidade tem vários recintos que podem ser utilizados para a missa papal, sem custos adicionais ou com ligeiras adaptações, com orçamentos modestos. Por isso, a decisão deve ser anulada e a questão pensada noutros moldes.
Sou simplesmente ateu. Sem militância. Por isso, de um ponto de vista religioso, a próxima visita do Papa Francisco ao Santuário de Fátima deixa-me indiferente.
Reconheço, no entanto, que estas matérias têm outras dimensões, para além das relacionadas com a fé. Mesmo quando se trata de uma peregrinação, como é o caso desta vez. Assim, há o lado político da visita. O impacto económico. A dimensão securitária. A questão da imagem de Portugal.
Por todas estas razões, a visita do Papa deve merecer uma atenção especial. É fundamental que corra bem.
Depois, cada um poderá voltar à agitação dos seus estados de alma.
Nesta Sexta-feira de Páscoa, lembrei-me da visita recente que fiz ao Buda Deitado (ou Reclinado) em Yangon, a capital económica da Birmânia. E na importância da religião nesse país, incomparavelmente mais crente do que nosso caso. E, nalguns casos, tão intolerante como nós. Nomeadamente em relação aos muçulmanos de certas regiões da Birmânia.
Ora, num dia como o de hoje, a tolerância e aceitação das diferenças são dimensões que convém sublinhar.
O meu texto na edição de hoje na Visão reflecte sobre o discurso do Papa Francisco ao parlamento Europeu.
Transcrevo, de seguida, o manuscrito.
O Papa e a velha senhora
Victor Ângelo
Seria tentador tratar o discurso que o Papa Francisco pronunciou recentemente no Parlamento Europeu com ironia. A ironia e a superficialidade constituem, aliás, moeda corrente na opinião pública nacional. Nessa perspetiva, as palavras ditas em Estrasburgo não passariam de uma lengalenga ininteligível sobre a Europa. Além disso, a experiência lembra-me que a escrita de um discurso demora dias, para depois ser lido em quinze minutos e esquecido após o almoço. Ou, na melhor das hipóteses, acaba reduzido a duas ou três meias-frases mais ou menos distorcidas e ponto final.
Foi assim no caso do Papa. A comunicação social pegou num par de imagens de fácil entendimento e passou rapidamente ao tema seguinte. Ora, a extensa intervenção de Francisco levanta algumas questões de fundo sobre a política europeia. Vale a pena ler o texto na íntegra. Poderemos não estar de acordo com tudo o que disse ou deixou entender, mas não seria acertado ignorar a mensagem central: a UE precisa de se interrogar sobre si própria e o seu papel no mundo.
É verdade que existe um défice de reflexão estratégica sobre a essência da Europa e as suas circunstâncias internas e externas atuais e futuras. A crise económica dos últimos anos abalou a coesão e o entendimento da relevância do projeto comunitário. Mais grave ainda, a Europa saiu do centro das atenções de uma boa parte dos cidadãos – falo aqui dos moderados, dos que não se identificam com os extremismos nacionalistas. Passou a ser algo distante e vago, pouco mais que uma moeda ou um espaço de viagens sem passaporte. E essa é hoje a maior fraqueza, a maior ameaça à construção de um futuro partilhado: a indiferença dos europeus face à UE.
O Papa referiu-se igualmente aos desafios relacionados com a estabilidade das famílias, a educação – um serviço público que está em declínio em vários países europeus, em termos de qualidade e adequação às exigências da vida moderna –, o meio ambiente, o emprego e ao que designou por “cultura do desperdício”, do consumismo imoderado e insustentável. E, como não podia deixar de ser, falou de valores e ética, coisas raras nestes tempos em que a ação política assenta, tantas vezes, no oportunismo, na vaidade e no aproveitamento pessoal.
Lembrou-nos ainda que é urgente olhar para os países dos Balcãs. São nações socialmente frágeis e inseguras, terras de ódios ancestrais, politicamente instáveis, economicamente atrasadas. Poderão ser, de novo, focos de conflito e, acrescento eu, fazer parte das próximas áreas de fricção aberta entre a UE e a Rússia. Para além da Europa, voltou a dar uma ênfase especial à questão da imigração. O Papa tem mostrado uma preocupação coerente pela sorte dos imigrantes que atravessam todos os perigos e nos chegam continuamente através do Mediterrâneo. Sublinhou, e bem, que este é um problema comum, um assunto que diz respeito não apenas aos estados ribeirinhos, mas a todos os europeus. A imigração descontrolada e em larga escala é, na minha opinião, um dos maiores desafios que a Europa tem pela frente. É, também, uma área política sem estratégia nem resposta adequada. Podemos estar em crise, mas outros, muitos, fora da Europa, vivem situações bem piores, de grande desespero humano. Em África e no Médio Oriente, e mais longe ainda, temos milhões de jovens sem futuro mas com genica e ilusões suficientes para achar que vale a pena arriscar a travessia. A Europa pode ser uma velha senhora, como disse o Papa. Contudo, para muitos jovens, vista de longe, noutros continentes, ainda é suficientemente sedutora.
Não estarei de acordo com muito do que disse o Papa, no seu discurso de hoje, no Parlamento Europeu em Estrasburgo. As ideias sobre o aborto e a eutanásia, por exemplo, fazem parte de uma concepção filosófica que não partilho.
Sei, por outro lado, que a visita tinha, acima de tudo, uma dimensão política, favorável a ambos os lados: à Igreja, que precisa de ser vista num dos centros de poder da Europa, e para os deputados europeus, que têm que encontrar todo o tipo de maneiras para ganhar credibilidade aos olhos dos eleitores.
Mas reconheço que a presença do Papa teve o mérito de chamar a atenção sobre a necessidade de uma visão “ética” da política. A política deve voltar a assentar na procura do bem colectivo, no espírito de missão e nos valores da justiça social e do respeito pelas pessoas. O Papa fez-nos pensar nessas coisas.
É verdade que tais pensamentos são sol de pouca dura. Mesmo assim, é importante que alguém com autoridade moral nos lembre como deveria ser a acção política de gente séria.
O Cardeal-Patriarca, envergando a sua mitra de líder religioso, falou hoje sobre uma decisão política recente do Presidente da República. O homem da Igreja criticou o Chefe do Estado, através da Rádio Renascença, uma emissora católica portuguesa, por este ter homologado a lei que autoriza os casamentos entre pessoas do mesmo sexo. As suas palavras tiveram um impacto político de alguma relevância. Podem, amanhã, ser exploradas ainda mais a fundo.
Nestas coisas de fé e de política, a melhor solução é a separação. Quando os políticos se metem na religião e os padres se perdem na política, estão ambos a contribuir para aumentar a confusão, que no nosso País, neste momento, já é bem grande.
Agradeço a todos os que, de um modo ou de outro, tiveram em conta a questão que ontem trouxe à consideração de quem me segue, neste blog. Respostas certamente interessantes, muito no sentido de apoiar o primeiro tema. Assim será. Terei em conta. Mas gostaria de lembrar a importância do tópico número três, sobre a igualdade entre os homens e as mulheres. Mesmo na Europa mais avançada, é assunto ainda não resolvido. Veja-se, por exemplo, o caso do novo governo britânico. São poucas as mulheres na fotografia, em número quase sem significado, com excepção do ministério do interior, um departamento muito importante na estrutura governamental da Grã-Bretanha. David Cameron podia ter feito melhor.
Já que estou em maré de agradecimentos, queria aqui reconhecer o esforço das diferentes secções da PSP que contribuiram, com muito profissionalismo, para a segurança do Papa, durante a sua visita a Portugal. Quem está por dentro dos sistemas de segurança sabe que a PSP fez um trabalho excelente. Os riscos existiam, mas tudo correu bem. A PSP que se vê na rua é apenas uma pequena parte de uma estrutura complexa, que vive da dedicação dos seus elementos, mulheres e homens. Uma dedicação que vai muito além das parcas compensações que usufruem.
Este blog não se mete em questões do foro religioso. Nem mesmo numa Sexta-feira santa, em tempos de Páscoa. A religião é vista como uma decisão pessoal. O que conta é a liberdade religiosa, que inclui o direito e o respeito pelos que não têm fé, e a igualdade das religiões perante a lei. O velho princípio de dar a César o que é de César lembra-nos que é fundamental separar a religião da política. Cada coisa na sua esfera.
É verdade que o Vaticano também funciona como um Estado. E como Estado independente, não deve intervir na política interna dos outros Estados. Mesmo se o Vaticano é representado por um dos melhores serviços diplomáticos que conheço, sempre bem informado e com uma grande capacidade analítica. Durante os meus anos de diplomata, tive a oportunidade de ter um número incalculável de discussões com vários Núncios Apostólicos. Fiquei, aliás, amigo pessoal de um deles, que, como eu, tinha uma grande paixão por barcos e pelo mar, além de ser um excelente velejador e um tenista de competição.
Mas não é essa faceta da Igreja que sobressai, para o comum dos mortais que nós somos. Para cada crente, é a parte religiosa que é valorizada, que toma a primazia.
Sem violar a minha regra, penso que a Igreja Católica está, neste momento, a enfrentar um problema muito sério, à volta das questões da pedofilia. A hierarquia deve debruçar-se sobre o assunto e tomar uma posição inequívoca. É preciso definir uma posição oficial e assumir as responsabilidades. Esta não é uma matéria de fé. É uma questão legal e social da maior importância.