O Presidente da República teve hoje uma série mini-encontros com os partidos políticos representados na Assembleia da República. O assunto era a data das eleições legislativas antecipadas. Ouvir os partidos foi claramente uma formalidade, exigida pela Constituição, mas sem qualquer outra substância. Tratou-se de uma etapa, e nada mais.
No essencial, ficou visível que a data preferida seria 16 de Janeiro. Essa preferência tem toda a lógica. Não estraga o Natal e o Ano Novo de muitas famílias e permite começar o novo ano com alguma clareza. A não ser que não haja um resultado suficientemente claro. O povo é quem mais ordena, mas são os líderes políticos que na realidade mandam no sistema. O povo vota e os chefes interpretam a vontade popular. Cada um puxando a brasa para o seu lado.
De qualquer modo, se é para ir a votos, que se vá tão depressa quanto possível. Cabe a cada partido arrumar a casa antes, se puder. Se o não fizer, irá para a campanha numa situação de confusão e debilidade. Isto é especialmente verdade no caso do PSD. Esse partido está fragmentado e vai ter muitas dificuldades para colar os cacos a tempo.
Quanto ao CDS, não há problema. O resultado eleitoral servirá para confirmar o seu apagamento do mapa político nacional.
A direita política portuguesa, incluindo a sua versão extremada, está num processo de redefinição. Os principais protagonistas são o CDS e o Chega. A Iniciativa Liberal não parece contar, tem um cunho demasiado elitista e cheira a privilégios de gente da cidade grande. Não terá muito que ver com o que, por convenção, se apelida de povo. Os outros dois partidos têm um carácter mais terra a terra. Mas aí quem parece poder vir a ganhar mais terreno é o Chega. Tem muito mais protagonismo que o CDS. A isso, junta um discurso básico, anti-políticos profissionais e com umas boas pitadas de antagonismo contra certas minorias. Poder-se-á transformar num movimento Le Pen ou Salvini à portuguesa. A decisão do seu líder se candidatar às próximas presidenciais é mais um golpe político cheio de oportunismo. O candidato vai aparecer numa série de palcos, onde se poderá mostrar e fazer a propaganda que é a sua. Há que estar atento.
Estamos agora na ponta final deste ano. É a altura de fazer as contas, de proceder ao balanço dos últimos doze meses. Ora, balanços há muitos e cada um fará o seu.
Aqui, em Portugal, em matéria política, 2019 foi um ano de viragem. Um período de rearranjo do xadrez partidário.
O PS manteve a dianteira, acima de tudo porque as pessoas não querem grandes alterações nem querem ouvir falar de austeridade. Não entusiasma o povo, mas também não faz ondas. Deixa andar e mantém a fachada. António Costa é, acima de tudo, um gestor de efeitos luminosos. À sua esquerda, temos um PC que envelhece. Convence apenas os convencidos, que não são muitos. O tempo fará o resto. Os amanhãs que cantam estão agora arrumados nos livros de história que ninguém lê. O BE termina o ano à procura de si mesmo, como um fantasma perdido nos corredores de um emaranhado de ilusões. É, cada vez mais, o partido do irrealismo, dos líricos e dos frustrados sociais.
À direita, o CDS termina o ano em estado de coma. Não sabe para que serve. Sem liderança e sem bandeiras, apertado entre o PSD e a nova direita – liberal ou populista – o CDS é agora sinónimo de irrelevância. Quanto ao PSD, as divisões internas, as ambições das diferentes facções, o cinzento da sua liderança, tudo contribui para que o partido se reduza aos que não querem votar PS e também não querem ir para os extremos. É um escanzelado político, com fome de poder, mas sem forças nem artes para chegar à gamela. Fecha o ano com uma corrida à liderança interna que faz pensar numa caldeirada de peixe que já perdeu a frescura.
Temos ainda as novas representações. Aqui, quem irá marcar pontos, aglutinar a direita e o sentimento anti-PS, poderá ser o Chega. O problema é que se trata de uma banda de um só solista. Quem anda só, pode acabar por se perder. Dizem que o Chega é da extrema-direita. Eu vejo-o mais como uma agremiação populista e oportunista, radical, claro, como um possível viveiro de todo o tipo de direitistas frustrados e combativos. Quanto o Livre, é uma botija de gás que se esvazia rapidamente. Não tem pernas políticas capazes de criar um movimento de apoio suficiente. Durou quatro ou cinco semanas, e já está.
No meio de tudo isto, continua a faltar um movimento de cidadania que marque pontos. Temos, nas associações de cidadania, gente com cabeça. Mas não conseguem ultrapassar as audiências de grupos de amigos. Esta é uma área que vejo, com pena, arrastar os pés e não ser capaz de mobilizar mais energias.
Advogo o reforço da autoridade do Estado. Acrescento, porém, que seria um erro confundir a ideia de um Estado forte com a promoção da burocracia. Sou contra a burocracia inútil e tentacular, omnipresente e burra. O excesso de regras e regulamentos, de actos administrativos absurdos, consome recursos, complica a vida dos cidadãos, favorece as práticas corruptas e desvia o Estado do seu papel estratégico que é o de criar as condições para que a criatividade e o progresso floresçam.
Sou a favor de um Estado eficaz naquilo que devem ser as suas funções estratégicas de ordenação e protecção da vida da nação bem como na defesa dos interesses colectivos na arena internacional. Um Estado capaz de proteger cada cidadão dos diabos que sempre existem, de promover a igualdade de oportunidades e de projectar uma imagem positiva daquilo que somos enquanto povo.
Não se trata de uma deriva autoritária. Nem a defesa de um regime centralizador. Antes pelo contrário, na minha concepção, o reforço do Estado passa pela descentralização da autoridade administrativa, pela transferência de competições para níveis próximos do quotidiano das pessoas, pelo reforço do poder autárquico e pela criação de espaço e poder para as organizações de cidadania, para a sociedade civil. Sem esquecer, claro, o empreendimento económico e empresarial.
Também sou contra a apropriação do poder do Estado por um partido político, por mais hábil que o seu grupo dirigente possa ser. A “mexicanização” da vida política, com um partido a ganhar sucessiva eleições, leva, sempre, à corrupção, ao nepotismo, às teias de familiares e amigos que passam a controlar vastas áreas da governação, ao descrédito da acção política. A alternância partidária faz parte do reforço do Estado. Quando a oposição anda anos e anos pelas ruas da amargura, à procura do tempo perdido, em nítido desnorte, fico profundamente preocupado. Apetece-me, então, gritar que sem partidos à altura não pode haver um Estado como deve ser.
Numa sondagem de opinião que hoje veio para os jornais, fica claro que a direita tradicional portuguesa está em crise. Representada pelo PSD e CDS, não conseguiria hoje mais do que 28% dos votos. 23% para o PSD e o resto para o CDS, que sofre uma queda acentuada. A agremiação de A. Cristas anda mais às aranhas do que a de Rui Rio, o que é muito significativo.
Estes resultados mostram que não há uma mensagem política à direita que cative. Não há fôlego nem bandeiras.
É evidente que a responsabilidade cai, acima de tudo, nos ombros dos líderes primeiros desses dois partidos. Num mundo a sério, ambos deveriam reconhecer que não têm garras para a música que se lhes pede que toquem. Isto é ainda mais evidente se se tiver em conta o desgaste político que caracteriza o governo de António Costa.
Do outro lado, quem aproveita são o BE e PAN. As razões serão motivo para outra conversa.
A referência feita pelo Primeiro-Ministro António Costa “à cor da sua pele”, insinuando assim que a líder do CDS estaria a mostrar um comportamento racista em relação à sua pessoa, foi injustificada e muito infeliz. Não é para repetir.
Assunção Cristas, quer se goste muito ou nada dela, tinha todo o direito de pedir a António Costa que esclarecesse se apoia ou não a actuação da PSP. Era um pergunta legítima e de actualidade. A resposta deveria ser dada com calma. E de modo inequívoco, expressando claramente que é preciso respeitar a Polícia, quando esta está a cumprir a sua missão dentro dos parâmetros da lei.
Perder as estribeiras, quando se é Primeiro-Ministro, e quando não há razão para tal, acaba por ser visto como um sinal de fraqueza. Ou, pelo menos, de cansaço, de quem anda a precisar de descanso e de mudar de vida. Em ambos os casos, fica uma imagem tremida.
Vi num jornal impresso, não vale a pena lembrar-me em qual, uma fotografia da dirigente do CDS, tirada na altura do encerramento do congresso do seu partido. Os comentários que acompanhavam a foto ilustravam bem a palermice a que se chegou, no terreno fértil da política à portuguesa.
Cada peça do vestuário dessa senhora tinha uma seta a apontar o preço, da blusa aos sapatos. Os valores seriam vistos, na maior parte dos países europeus, como moderados. Em Bruxelas, mereceriam a epígrafe de baratos. Ora, o autor da proeza construiu a imagem de modo a que se pensasse em extravagâncias, em exageros de quem tem muito para gastar.
Não sou apoiante de Assunção Cristas. E muito menos das ideias retrógradas que constituem a genética política e o sistema de valores do seu partido.
Mas quero fazer duas ou três observações.
Primeiro, creio que o jornalista não teria produzido o mesmo tipo de observações se o líder fosse um homem. Vejo aqui, francamente, mais um exemplo de discriminação contra as mulheres que ousam fazer política. Pode ter sido um erro inconsciente, mas não deixa de ser um vestígio claro de subalternização das mulheres e da difícil aceitação de lideranças femininas.
Segundo, é verdade que na política parece valer tudo. Todavia, no jornalismo responsável não deve ser assim. Sublinhar o trivial não é aceitável na comunicação social responsável.
Finalmente, em terceiro lugar, publicações assim acabam por contribuir para a expansão das vistas populistas e demagogas. Muito mau. O populismo é inimigo da democracia e do futuro.
A oposição política a qualquer governo é um aspecto essencial da democracia. Uma oposição forte, bem articulada e com substância enriquece o sistema democrático e faz progredir as nações.
O contrário também é verdade. Quando a oposição é taralhouca, perdemos todos. Incluindo quem está no poder. Um governo que não é espicaçado de modo inteligente acaba por cair no facilitismo. Passa a preocupar-se apenas com os efeitos mediáticos e a superficialidade das coisas fáceis.
Depois de duas longas ausências, duas viagens por países imaginários, que é assim que se discutem as questões estratégicas de defesa, eis-me de regresso a Lisboa, por uns dias. Depois, será a migração do Outono, a caminho do centro da Europa.
Encontrei um país à espera. E uma situação curiosa. O político que a maioria dos portugueses achou que não tinha perfil para primeiro-ministro encontra-se agora no centro das iniciativas. É uma jogada inteligente. Na nossa ordem constitucional, o que conta é reunir uma maioria de deputados na Assembleia da República. E na realidade da nossa precariedade económica e social, o que interessa é a estabilidade governativa. As diferenças programáticas, quando ninguém tem a maioria, terão tendência para se esbaterem. É tempo de compromissos. Para todos os lados, enquanto se procura uma solução.
Noutros horizontes, teríamos aquilo que muitos apelidam de uma “grande coligação”. Por aqui, os enredos são outros. Veremos. Com serenidade, que o mundo não acaba hoje ao fim do dia.
Vale a pena ver com atenção a sondagem que o Correio da Manhã divulga na sua edição deste domingo e que compara a imagem pública de Passos Coelho com a de António Costa. Como é sabido, nestas coisas da liderança política e do combate eleitoral, a imagem projectada pelos líderes tem muito peso junto do eleitorado.
A comparação é, no seu todo, francamente vantajosa para o líder do Partido Socialista. Há, no entanto, um ou outro aspecto que António Costa terá que ter em consideração. Penso, sobretudo, na questão da indecisão. Esta percepção negativa pode muito facilmente ser explorada pelos seus oponentes.
Quanto a Passos Coelho, os resultados mostram que existe um grande risco de rejeição por desgaste de imagem após quatro anos de governação em clima de crise. Para além das políticas adoptadas, fica a certeza que a máquina de informação e propaganda do seu partido e da sua governação não funcionou bem. Fica ainda uma certeza maior que diz respeito à falta de sensibilidade do Primeiro-Ministro em relação a certos aspectos marcantes da opinião pública portuguesa – a recente menção ambígua de Dias Loureiro é apenas um exemplo ainda fresco. Não se pode tratar o eleitorado com opiniões ligeiras e superficialidade. Uma das principais funções de um líder político é a de manter o contacto e a sintonia com os cidadãos.
O líder deve passar uma boa parte do seu tempo a cultivar a ligação com as pessoas. Essa é, para além de dar direcção à acção política, a principal tarefa de um bom líder. É assim que se deve exercer a liderança no mundo de agora. Curiosamente, esta verdade tão óbvia não entra na cabeça dos nossos dirigentes.