Passei o dia no Centro Ismaelita de Lisboa, um edifício construído de raiz, num estilo islâmico moderno, magnífico, mas onde, nesta altura do ano, faz um frio de rachar. Os delegados vindos dos países árabes e os participantes vindos do Norte da Europa, gelavam pelos cantos das grandes salas e corredores. Assim é Portugal no Inverno.
Era o primeiro dia do encontro anual do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa, desta vez com o objectivo de tentar fazer um balanço das Primaveras Árabes. Algumas dessas “Primaveras” mais se parecem com as salas do Centro, estão a atravessar um “Inverno” rigoroso. Sobretudo quando se trata dos direitos das mulheres. Um pouco por toda a parte, a Sul do Mediterrâneo, de Marrocos ao Egipto, esses direitos estão a ser cerceados. Este é um dos desafios que não pode ser ignorado.
Só que alguém disse que a UE não está a ajudar. Uma delegação europeia de alto nível, que esteve recentemente na Tunísia, colocou em cima da mesa várias condições políticas. Nenhuma delas se relacionava com a defesa dos direitos das mulheres tunisinas.
O Centro Norte-Sul do Conselho da Europa, que tem a sua sede em Lisboa, está em risco de fechar a porta. Hoje foi anunciada a saída do seu director executivo, que durante cerca de cinco anos fez um trabalho de mérito que permitiu a expansão do âmbito da instituição na direcção do Norte de África e de Cabo Verde, entre outros.
Mas o triste da história é que nos últimos doze meses, cinco estados membros, todos da Europa do Norte, resolveram deixar de ser membros do Centro. Para complicar mais a situacao, o Secretário-geral do Conselho da Europa, que é norueguês, não tem dado o apoio necessário à continuação do Centro. E o MNE de Portugal tem deixado o assunto nas mãos de funcionários diplomáticos, sem o empenho a sério do ministro. Como se o nosso país estivesse em condições de perder mais esta batalha, como já havia perdido a da NATO em Oeiras.
O Centro Norte-Sul do Conselho da Europa, que tem a sua sede em Lisboa, organiza a 3 e 4 de Novembro uma conferência internacional sobre a Europa e a Primavera Árabe.
As situações internas de Marrocos, Tunísia e Egipto serão analisadas com candura. Além disso, será feito um ponto da situação dos diferentes processos de democratização no Norte de África, dos direitos humanos e do papel dos media e das redes sociais na consolidação da democracia. Haverá um segmento especial dedicado ao papel das mulheres.
Trata-se de uma iniciativa com muito mérito. Por outro lado, é bom saber que estas coisas se debatem em Lisboa. Portugal, apesar das dificuldades actuais, tem que desempenhar um papel mais activo no Norte de África.
Na mesma onda, saber que amanhã um C130 da nossa ForçaAérea vai àLíbia buscar combatentes gravemente feridos, para que sejam tratados em Lisboa, é também uma boa notícia.
Foi um dia de exageros. A empresa a que estou ligado, de consultoria e relações internacionais, comunicou à Lusa que eu iria fazer parte de um Think Tank, um grupo de reflexão agora criado pelo Conselho da Europa para aconselhar o Centro Norte-Sul. Da comunicação em inglês, feita a partir de Londres, à tradução em português, o que era uma coisa simples, passou a ser outra. E o despacho foi enviado para os jornais, a dizer que eu iria ser o director executivo do Centro. E a imprensa pegou no assunto e a "notícia" saiu aos pulos, por toda a parte. Tudo com base num despacho equivocado, pobre jornalista que o escreveu.
Entretanto, eu estive toda a tarde fechado num aeroporto e num avião. Ao chegar ao destino, tinha uma série de mensagens de gente amiga a dizer coisas bonitas. Gosto, claro, de coisas bonitas. Mas neste caso, estávamos muito longe dos factos.
Um exagero. Um equívoco. Um erro.
Devo, no entanto, acrescentar que me sinto muito honrado por ter sido convidado para integrar este novo Think Tank. Que é uma excelente iniciativa, pois é fundamental reflectir sobre as relações entre a Europa e os países do Sul, em particular os da outra margem do Mediterrâneo.
Tudo isto aconteceu no dia em que me preparava para a reunião de planificação da formação que irá decorrer no quadro da NATO. Ou seja, numa altura em que estou muito ocupado com a manutenção da paz, o que me deixa pouco tempo para outras guerras.