Não me cabe fazer comentários sobre a política interna de Espanha, no dia seguinte a um acto eleitoral especialmente importante para o povo espanhol. Digo isto sobretudo por duas razões: o país tem um contexto político muito complexo, que tem as suas raízes na cultura nacional, nas décadas de franquismo e na existência de profundos sentimentos nacionalistas; por respeito para com o povo de Espanha, a começar pelo pai do meu neto e o meu neto, que são sevilhanos de gema e patriotas como é frequente no país aqui ao lado.
Mas quero, apesar de tudo, fazer três observações genéricas: primeiro, terá de haver um governo de coligação, que consiga reunir a maioria nas Cortes que será necessária para funcionar; segundo, acho um erro qualquer coligação que englobe a extrema-direita ou partidos que são contra a unidade nacional; terceiro, o povo espanhol quer um governo ao centro, capaz de representar quem votou pelo centro-direita e pelo centro-esquerda.
Na realidade, a política na União Europeia precisa de ultrapassar os velhos conceitos do século passado e criar uma governação menos antagónica e mais equilibrada.
Essa é a leitura que cada vez mais me parece evidente. E que é difícil de aplicar por duas razões: os políticos continuam a pensar segundo esquemas mentais passados; os partidos estão mais interessados nos seus próprios interesses, no oportunismo dos seus dirigentes, que no futuro das suas populações.
A eleição do ministro das Finanças da Irlanda, Paschal Donohoe, como líder do Eurogrupo e sucessor de Mário Centeno deve ser vista como uma vitória das ideias económicas e orçamentais liberais. Também representa um triunfo para os países do Norte da Europa, que defendem uma linha de menor intervenção estatal na economia e impostos mais baixos para as empresas. Donohoe é um político do centro-direita, a família política que neste momento mais pesa na União Europeia. É muito vivo e explica-se bem. Por isso e por ter o apoio dos Estados economicamente mais saudáveis, pode-se esperar que desempenhe um papel activo na presidência do Eurogrupo. Terá, no entanto, que encontrar um ponto de equilíbrio entre a sua preferência pelo liberalismo económico e as políticas mais intervencionistas preconizadas pela França, Itália e Espanha.
Segui cada palavra do Presidente Emmanuel Macron, que este serão se dirigiu aos franceses, para falar da luta que o governo e a nação estão a travar contra a pandemia. Falou bem e de maneira completa, não esquecendo nem a dimensão europeia nem a necessária solidariedade para com África. Mencionou igualmente as desigualdades sociais, que permitem a alguns passar um longo período de confinamento de modo mais aceitável ou dar a oportunidade aos seus filhos de melhor aproveitar as aulas à distância. Também procurou definir, tanto quanto é possível neste momento, uma perspectiva temporal, uma visão de como se irão passar as coisas nos próximos tempos.
O que a mim pareceu equilibrado e claro não foi bem aceite por metade dos franceses. Uma sondagem feita minutos depois da comunicação ao país mostrou antipatia e falta de confiança nas acções do Presidente. Apenas 41% dos eleitores acham que a resposta do governo à calamidade é adequada. Emmanuel Macron não consegue ganhar terreno para além das profissões liberais, dos quadros e de uma certa elite urbana. As pessoas comuns, o cidadão da baguete, não vê o Presidente como alguém próximo das preocupações populares. Esta crise poderia ter dado a volta a essa fraqueza política, mas não está a dar. É algo de preocupante, na medida em que as alternativas são populistas e ultranacionalistas. A França continua insatisfeita.
Na Grécia, o Partido Syriza ganhou a batalha da austeridade mas perdeu hoje na luta pelos votos dos eleitores. Amanhã haverá um novo Primeiro Ministro, o líder da Nova Democracia, Kyriakos Mitsotakis.
A Nova Democracia é o rótulo do partido do centro-direita. Veremos o que consegue fazer, num país que precisa urgentemente de investimentos e de criação de emprego, enquanto prossegue o programa financeiro que Tsipras assinou com a União Europeia. Não vai ser fácil cumprir as promessas feitas durante a campanha eleitoral. A esperança que surgiu hoje poderá murchar muito rapidamente.
Entretanto, seria apropriado deixar um palavra de apreço pelo trabalho feito por Tsipras. Alguns dirão que traiu a causa popular que o levara ao poder. A verdade é que mostrou uma boa dose de realismo político. A política é a arte do possível, como todos sabemos. Foi o que ele tentou mostrar.
Temos estado a assistir, em vários países da União Europeia, a uma fragmentação da cena partidária. Os eleitores dividem o seu apoio por toda uma série de facções políticas. Por exemplo, na Holanda o maior partido tem 14% dos votos. Em Espanha, o partido mais votado nas últimas eleições gerais, o PSOE, ficou-se nos 28,7%. Em França, o movimento que apoia Emmanuel Macron faz frente a uma série de pequenos partidos, à excepção da formação de Marine Le Pen, que consegue cerca de 22% dos votos. Na Alemanha, as sondagens mostram um reequilíbrio político, com os votos a serem distribuídos por várias famílias políticas. Idem, na Dinamarca e noutras terras da UE.
A fragmentação também chegou ao Parlamento Europeu.
De um modo geral, a fragmentação faz-se à custa dos partidos tradicionais, do centro-direita, de inspiração democrata-cristã, ou, então, da social-democracia e do socialismo moderado.
O corolário da fragmentação é a coligação. Vários governos assentam hoje em coligações de partidos, algumas delas bem complexas, como é o caso belga. Sem coligação não haveria um governo viável. E as coligações nem sempre unem movimentos políticos próximos, da mesma área ideológica. Exigem, em alguns casos, uma ginástica política inabitual.
Aqui surge uma outra dimensão da vida política europeia de agora, a indefinição ideológica. A análise das ideologias dos partidos está a complicar-se. O velho esquema esquerda-direita já não funciona com a simplicidade de outrora. Certos partidos têm, ao mesmo tempo, propostas de direita e de esquerda, numa amálgama que mistura populismo com nacionalismo, reivindicações progressistas com conservadorismo, liberalismo com o reforço do Estado social, ambiente com radicalismos.
Precisamos de novos prismas de análise. Também, de compreender que a política de hoje já pouco ou nada tem que ver com a que se praticava nos anos oitenta ou noventa do século passado. Estamos num cenário muito diferente, com outros enredos.
As eleições europeias são uma ilusão perigosa. Na maioria dos países, os eleitores votarão por razões de política interna. Muitos dos votos serão actos de protesto contra o presidente, o primeiro-ministro ou o governo no poder. A escolha pouco ou nada terá que ver nem com o projecto comum nem com os grandes desafios que a UE deverá enfrentar nos próximos cinco anos. Talvez os populistas anti-Europa e os liberais federalistas sejam os únicos a votar por um motivo europeu, uns com o objectivo de destruir a União Europeia, outros porque acreditam na força do destino comum.
O resultado é claro, mesmo antes da votação. O Parlamento Europeu vai estar mais fracturado do que nunca. E ainda mais preocupado com as agendas nacionais do que o Parlamento que agora cessa funções.
Nada disto é de bom agoiro. E não se vê liderança capaz de se erguer acima deste panorama fragmentado e de vistas curtas. A grande esperança era Emmanuel Macron. Mas o movimento Coletes Amarelos criou uma clima de oposição e de desconfiança que o enfraqueceu. Os outros partidos franceses vão aproveitar a onda para a tentar surfar a seu favor. É um jogo oportunista e irresponsável, mas assim é a política, de um modo geral.
Mesmo assim, a família centrista que Macron representa vai conhecer um acréscimo do seu número de deputados no Parlamento Europeu. Não será suficiente para fazer inflectir as grandes escolhas. Poderá, todavia, ter um impacto na escolha das personalidades que irão ocupar os cargos de importância. Na Comissão Europeia, no Conselho, na sucessão de Federica Mogherini, como também no que respeita a Mário Draghi.
Não me parece razoável comparar a situação política espanhola que resultou das eleições de domingo com a portuguesa. Estamos perante duas realidades nacionais distintas. A espanhola é muito mais complexa, em virtude das autonomias e dos movimentos independentistas, sobretudo o catalão, mas também o basco. Há que saber manter vários tipos de equilíbrios políticos. Na verdade, a Espanha tem um xadrez político muito frágil. Ou, dito de outra maneira, é uma castelo de cartas.
Por tudo isso, compreendo a posição muito cautelosa de Pedro Sánchez e dos dirigentes do seu partido socialista.
Neste momento, penso ser fundamental que Sánchez não feche as pontes possíveis, quer à esquerda quer ao centro. Deverá, ainda, procurar conseguir uma vitória razoável, no final do mês, aquando das eleições europeias, autonómicas e municipais, que terão lugar em simultâneo.
Stefan Lofven vai continuar como Primeiro-Ministro da Suécia. Será o seu segundo mandato. Lofven é dirigente do partido Social Democrata, um partido do centro-esquerda, no panorama político nacional.
As eleições tiveram lugar em Setembro de 2018. A formação do novo governo foi demorada, quatro meses à procura de entendimentos. Esse foi o tempo necessário para que os diversos partidos dos dois principais blocos de opinião, a esquerda e a direita, pudessem chegar a um acordo de governação, que assenta em 73 medidas.
A principal preocupação, de um lado e do outro, foi a de impedir a entrada dos ultra-direitistas do partido Democratas Suecos na área da governação. Os Democratas Suecos, que seguem uma linha política cegamente nacionalista e xenófoba, haviam obtido nas eleições gerais de Setembro 17,5% dos votos. Um resultado surpreendente, que faz desse partido o terceiro mais votado.
A Suécia deu-nos, assim, um exemplo que convirá repetir noutros países europeus. Ou seja, ter a coragem política e a paciência para encontrar plataformas amplas, à esquerda e à direita, que excluam os extremistas e os ultra-nacionalistas e os deixem num canto do parlamento, isolados e a falar sozinhos.
Há quem chame a essa opção política “cordão sanitário”. Por mim, vejo aí apenas bom senso político. Os extremistas fazem parte da paisagem política das democracias europeias. Não deve haver dúvidas sobre isso. Mas abrir-lhes as portas do poder, como aconteceu num ou outro país da UE, está errado. Como também não é aconselhável o oportunismo de alguns do centro-direita ou do centro-esquerda, que, para estarem no poder a qualquer preço, fazem pactos e usam os extremistas como bengalas parlamentares.
A quem me perguntou hoje, disse que, no meu entender, Portugal precisa de um governo ao centro. Um governo que esteja assente numa maioria de deputados do PS ou do PSD, ou numa aliança de ambos. Aquilo a que noutros céus se chama “uma grande coligação”.
A "grande coligação" seria, de longe, a minha preferida. Só assim se poderiam adoptar as reformas que o país precisa, com o equilíbrio que necessário. Ou seja, dando ao mesmo tempo atenção à modernização da economia e das instituições e às condições sociais dos cidadãos. Seria igualmente uma maneira de atrair os investimentos que o desenvolvimento nacional requer.
O resto não passaria de experiências de laboratórios políticos, nalguns casos, ou de mais do mesmo, noutros. Dito de outra maneira, tratar-se-ia de idealismos sem asas para voar, num dos modelos. Ou de parvoíce conservadora e insensível às realidades sociais, no outro.
Quando a SEDES sai ao terreiro e critica de modo arrasador a política do governo, como o fez num documento que ontem publicou, há motivo para dizer que esta governação tem os dias contados. Assim foi no passado. E creio que ainda assim é. A crítica da SEDES é, em grande medida, representativa da elite urbana do centro e do centro-direita e de vastos sectores mais liberais dentro da Igreja Católica. A sua tomada de posição parece revelar que sectores que são chave para o apoio a um governo PSD-CDS estão agora na oposição. Este facto novo vai aumentar ainda mais a confusão e as incertezas nas hostes governamentais.