Transcrevo abaixo o texto que hoje publico na revista Visão.
Segregação, vidros partidos e cheiro a droga
Victor Ângelo
A edição mais recente do semanário Le Journal du Dimanche identifica 64 bairros franceses como sendo altamente problemáticos. Repartidos por 38 cidades, desenham uma mancha que mistura exclusão e violência. São bairros em que a média dos rendimentos declarados é baixa; a taxa de desemprego é elevada – 23%, quando a média nacional se situa nos 9,7%; e o desemprego dos jovens de menos de 25 anos ronda os 45%. Mais ainda: uma boa parte dos seus residentes é de origem estrangeira e uma proporção significativa das famílias é monoparental, desestruturada. Os dados mostram igualmente que a periferia de Paris forma uma constelação de aglomerados de alto risco, uma espécie de garrote pronto para asfixiar a capital.
O estudo surgiu no seguimento de uma declaração pública de Manuel Valls, o primeiro-ministro, sobre o “apartheid territorial, social, étnico e religioso” que existiria em França. E serviu, em grande medida, para dar um conteúdo às palavras de Valls. Também não difere muito da análise feita pelos serviços nacionais de polícia, que trabalham na base do conceito de Zonas de Segurança Prioritárias. No entender da polícia, a França tem 80 áreas residenciais que devem ser objeto de uma atenção especial.
Perante tudo isto é preciso, no entanto, uma certa prudência, em França e noutros países similares. Seria um erro amalgamar, sem melhor ponderação, imigração, etnicidade, pobreza, dificuldades de integração social, discriminação, por um lado, com focos de criminalidade ou de terrorismo, por outro. O desejo natural de cada pessoa é que tenha uma vida normal. As falhas na integração das populações estrangeiras, as dificuldades da vida e as desigualdades sociais, mesmo a marginalização racial e cultural, não são, nem só por si nem necessariamente, autoestradas para a violência. São questões políticas que exigem respostas políticas, quer ao nível local quer nacional. Respostas que deveriam começar por ser dadas nas escolas, no combate ao insucesso escolar – um problema muito sério para as crianças oriundas de famílias imigrantes –, na reforma do ensino público de modo a torná-lo mais adequado às exigências de um mundo em mutação contínua, passando igualmente pelo restabelecimento da autoridade dos professores e da disciplina nas escolas. Respostas que deveriam ser completadas pela promoção dos valores da tolerância, da aceitação da diversidade e do respeito pela dignidade e a liberdade de cada cidadão. E pela tomada de consciência dos desafios que resultam da presença nas nossas sociedades essencialmente agnósticas ou pouco praticantes de comunidades estrangeiras com uma cultura e um modo de vida muito marcados pela religião. Este é, aliás, uma contradição central de que mal se fala.
A complexidade política não pode, no entanto, ser uma escusa. O clima de insegurança nesses bairros é inaceitável e precisa de ser resolvido com firmeza. As polícias têm que estar preparadas para o efeito e começar pelo princípio, ou seja, no viveiro e sustentáculo financeiro do resto, que é o tráfico de drogas. Tem que haver também uma maior presença nas ruas, uma ligação mais forte com os dirigentes comunitários, bem como uma admissão de agentes com raízes nos grupos sociais minoritários, sem esquecer um trabalho mais sistemático de recolha e análise da informação, incluindo a que aparece nas redes sociais. Passa igualmente por uma reestruturação das polícias, integrando serviços e unificando as cadeias de comando. Tudo isto deve ser feito com rapidez, discrição e afoiteza. Em política, oportunidade, bom senso e coragem são ingredientes indispensáveis para obter resultados.
Muito ocupado, nestes últimos dias. E hoje tive que ir a uma reunião no Luxemburgo. O leitor talvez não saiba, mas certas estradas do grão-ducado estão permanentemente engarrafadas. Quaisquer 10 quilómetros podem demorar cerca de 45 minutos a fazer. Assim, fiz 200 quilómetros em duas horas e os 20 marcos que faltavam davam a impressão de nunca mais acabar.
Fiquei a pensar, uma vez mais, que a gestão da circulação nas grandes cidades vai ser um problema muito sério nos próximos muitos anos.
Tive a oportunidade de observar duas turmas de uma escola primária pública, no centro de Bruxelas. Das trinta e pouco crianças, dir-se-ia, à primeira vista, que nenhuma era de origem belga em termos de etnia. Muitas teriam a nacionalidade, mas as suas raízes familiares pareciam estar em outras partes do mundo.
A presença "estrangeira" no centro da capital da Europa é uma das características da cidade.
A capital é a vitrina de um país. Muitos estados, mesmo os mais pobres, procuram dar uma imagem enobrecida de si próprios através de um investimento na renovação e embelezamento da cidade que lhes serve de capital política e económica. Tantas vezes, a imagem de um país é apenas o resultado de uma visita rápida à urbe principal. Dizemos, depois, que o país parece funcionar bem e é agradável simplesmente porque a capital nos pareceu assim.
É, por isso, importante ter uma boa sala de visitas. É a reputação nacional que está em causa.
O município de Lisboa não entende esta maneira de ver as coisas. A cidade parece ser gerida por uma turma de incompetentes, apoiada por um governo de indiferentes e despreocupados.
O meu texto da Visão debruça-se, hoje, sobre esta questão. Está disponível no sítio:
As estradas do Luxemburgo, durante as horas de ponta, são um inferno. Fazia-se, hoje, uma média de 12 km por hora na autoestrada que saía da capital com destino à Bélgica. As vias secundárias estavam, de igual modo, saturadas. Não havia por onde escapar.
A gestão do trânsito automóvel é um dos grandes quebra-cabeças do mundo de agora, quer num país rico como o Luxemburgo quer em Freetown, na Serra Leoa.
Há um ano, a velocidade média a que circulava, com o meu carro, em Bruxelas, era de 19 km/hora. Actualmente, estou a circular a 16 km/hora. No mesmo período, com o mesmo carro e nas mesmas condições, passei de um consumo médio de 5,5 litros de gasóleo por cada 100 km, em Maio de 2010, para 6,6 litros, agora.
Circular de carro nas grandes cidades é cada vez mais lento e mais caro. E menos ecológico.
Sem contar com os radares por todo o canto, a apanhar quem tenha dificuldades com os amarelos e outras cores mais vivas...
Visitei, esta tarde, o vazadouro público da Região de Bruxelas. É o local onde as famílias e as microempresas podem (e devem) despejar gratuitamente tudo o que não é recolhido porta-a-porta. Móveis, o que tenha sobrado de obras em casa, latas de tinta, aparelhos electrodomésticos, velhas bicicletas, grandes quantidades de papel, malas de viagem, metais, pneus, enfim, tudo aquilo que enche as caves e os sótãos dos agregados domésticos. Não aceitam, no entanto, os restos da política que nos confunde todos os dias. Nem as decisões opacas dos eurocratas. São matérias dificilmente recicláveis.
Aberto cinco dias por semana, presenciam-se, a todo o momento, filas de carros particulares à espera de vez.
É impressionante e preocupante ver a quantidade de lixo que as famílias urbanas europeias produzem.
Mas é interessante ver o início dos processos de reciclagem, com imensas oportunidades de negócio, que começam no vazadouro da grande cidade. Como também é curioso ver a disciplina das famílias, que aderem ao programa sem hesitações.
Passei o dia a andar de um lado para o outro, em Bruxelas. A cidade está cada vez mais internacional, diriam os que vivem à volta das instituições europeias. Mais pubs, mais europeus do Norte, mais inglês a ser falado nas ruas, nos restaurantes, nos escritórios, até mesmo nas consultas hospitalares. Mais recursos financeiros, poder de compra. Mas quem vive nos bairros mais afastados da zona UE vê as coisas de outra maneira. Pensa em termos de véu integral, de bairros imigrantes, do Islão que se torna cada dia mais visível, dos africanos que fazem barulho nas ruas, das gentes que não têm um ar local. Descurtina pobreza, violência e insegurança. O cidadão sente que a cidade se transformou numa torre de Babel, numa selva estranha. A cidade passa a ser uma aglomeração de ghetos, em que cada identidade procura refúgio no seu bairro e aí encontra força para recusar os outros. É uma caracteristica nova, que se está a tornar frequente em certas urbes desta parte da Europa.
A cidade continua a dar o ar de ser um sítio de gente nova. Mais uma vez, esta foi a primeira impressão com que fiquei, ao chegar ontem à noite. Uma cidade que se mexe a passos rápidos, em que se tem que ser ágil das pernas e da mente.
Agilidade é uma característica essencial. Os reumáticos como eu, e os mais velhos, acabam por girar apenas à volta do seu bairro e pouco mais. A não ser que tenham muito dinheiro para gastar. Então, tudo é fácil e acessível. Com dinheiro, abundante, é o melhor local para viver, se gosta de cidades. E se se consegue viver em caixas de fósforos.
Mas Nova Iorque está cada vez mais cara. Essa é a segunda impressão com que se fica. Mesmo o trivial é caro. Está ali, disponível a dois passos, mas os preços têm subido de modo bem sensível.