O link acima dá acesso ao meu texto de hoje na revista Visão.
Escrevo sobre a Cimeira Europa-África, que acaba de ter lugar em Bruxelas. Procura sublinhar que esta é uma relação estratégica, mas em relação à qual há muito ruído, muita coisa lateral e cada vez menos atenção ao que é de facto essencial para o futuro de ambos os Continentes.
Transcrevo em seguida o texto original:
Europa e África: paradoxos e interdependência
Victor Ângelo
Dias atrás, mais de 60 líderes africanos e europeus estiveram reunidos em Bruxelas, para fazer um balanço e olhar para o futuro. Foi a IV Cimeira UE-África. Em retrospetiva, é fácil cair no comentário azedo e dizer que estas “grandes missas solenes” não servem para nada. Ou então, do lado oficial, proclamar que se tratou de um imenso sucesso.
A verdade é que nem oito nem oitenta. As cimeiras são importantes. As relações internacionais têm evoluído no bom sentido graças, nomeadamente, à pressão entre pares, ao mais alto nível, que está subjacente ao trabalho de preparação e à realização de encontros deste género. A insistência na boa governação, nos direitos humanos, na paz, na segurança e na luta contra a pobreza, entre outras questões, pode não converter um ditador à democracia. Mas tem contribuído para a melhoria do clima político nestas e noutras paragens. Do lado europeu, este tipo de eventos permite à sociedade civil, à comunicação social, aos centros universitários e outros grupos de reflexão chamar a atenção, em Bruxelas e nos estados membros, para a importância estratégica da interdependência entre a Europa e África.
A cimeira ofereceu igualmente a oportunidade de ver o continente africano com outros olhos. Não sei se os europeus souberam aproveitar a ocasião. A declaração final, extensa de 10 páginas, tem todavia muitos aspetos positivos. É uma boa agenda para os diálogos que se seguirão. O problema nestas coisas é que muitas vezes o acordo formal passa rapidamente a letra morta e as partes voltam ao velho hábito de sublinhar sobretudo os pontos de divergência. No passado, a exclusão ou não de Robert Mugabe desviou as atenções do essencial. Agora, o assunto não passou de um parêntesis sem relevo, embora desse um pretexto ao presidente da África do Sul para não estar presente. Uma posição que teve mais que ver com os desafios de política interna que Zuma enfrenta que com qualquer real simpatia pelo vizinho do Zimbabué.
Desta vez, um dos pontos de fricção ancorou-se nos direitos das minorias sexuais. Os europeus aproveitaram a ocasião para censurar os estados africanos que recentemente criminalizaram a homossexualidade. Visaram, sobretudo, o Uganda, a Nigéria e a Etiópia. No caso do Uganda, a Dinamarca e a Holanda decidiram mesmo suspender os seus programas de cooperação. O que permitiu a alguns dizer, nos sussurros maliciosos que preenchem as pausas para café, que a ajuda ao regime de Museveni deveria ter sido travada há mais tempo, quando este andava assaz ocupado com a repressão dos seus opositores políticos. E a outros acrescentar que o surto de ébola na região da Guiné também deveria ter merecido uma réstia de atenção e uma resposta rápida da UE, que teria marcado pontos.
Do lado africano, as recriminações foram outras. África não aceita que chefes de Estado, como é o caso de Omar Al-Bashir do Sudão, possam ser levados perante o Tribunal Penal Internacional, enquanto estiverem em funções. E não vê escusa para a falta de apoio da Europa. Sobretudo depois de ter havido um fechar de olhos face a um caso semelhante, o do presidente do Quénia, Uhuru Kenyatta. Como também não compreende um outro exemplo de dois pesos e de duas medidas: estando ambos suspensos pela União Africana, a UE convidou o grande Egipto e excluiu a pequena Guiné-Bissau.
Gosto de lembrar que os paradoxos fazem parte das relações internacionais. O fundamental é não perder de vista a relevância do relacionamento da Europa com a África e passar das palavras à ação. A agenda comum tem muito pano para mangas. Felizmente. Assim haja vontade política.
A crise na Costa do Marfim ganhou visibilidade internacional.
Mas Bruxelas e as capitais europeias ainda andam à procura de um mapa-mundo, para depois localizarem Abidjan e, mais tarde, dar forma a uma declaração pública sobre a situação e instruir a delegação da União Europeia na Costa do Marfim , sobre o que deve pensar, dizer e fazer.
É evidente que estas crises não deveriam acontecer ao fim-de-semana, na altura das compras do Natal. E ainda mais, quando em Bruxelas está tudo preocupado com as prendas de São Nicolau, a data é 6 de Dezembro, já na Segunda-feira, dia de dar presentes às crianças, nos sapatinhos bem aconchegados de uma Europa que não sabe bem onde o fica o resto do Universo.
Decorreu, ontem e hoje, em Trípoli, mais uma cimeira entre a UE e a África. A última havia sido em Lisboa, em Dezembro de 2007.
Desta vez, o acontecimento passou totalmente despercebido. Os media internacionais de peso ignoraram, pura e simplesmente, o encontro. Uma vez mais, África ficou nas margens invisíveis das notícias do mundo.
Em certa medida, compreende-se. Nada de novo foi discutido em Trípoli. Para a Europa, foi apenas uma formalidade, que teve que ser cumprida. E pouco mais. Os líderes mais importantes do nosso Continente não fizeram a deslocação.
Também é verdade que para ouvir, durante cerca de uma hora, o discurso de abertura de Muammar Gaddafi, é melhor ficar em casa, que a crise na Europa é grande e feia, e há muito para fazer.
Gaddafi disse que os europeus deveriam pagar um tributo anual -- 5 mil milhões de euros --, para que a Líbia controle a emigração clandestina de Africanos em direcção à Europa. Pelo meio, pediu a dissolução da Organização Mundial do Comércio (OMC) e classificou o FMI e o Banco Mundial de "organizações terroristas", nada menos. O único europeu que lhe parece ser um modelo, nas suas relações com a África, é um tal Sílvio qualquer coisa, de nacionalidade italiana. Enfim, um arrazoado que constituiu uma autêntica lição original de política internacional.
Teve, no entanto, a astúcia de manter o homem de Cartum, procurado que é pelo Tribunal Penal Internacional, longe de Trípoli. A sua presença teria trazido o pouco que havia para discutir por água abaixo. Só o ter conseguido convencer Al-Bashir a não fazer a viagem justifica a pachorra necessária para ouvir o discurso. É que o líder pode ser louco, mas tonto não é.
No VII Congresso sobre Estudos Africanos, que acaba de decorrer no ISCTE, defendi com pormenor seis teses:
1. A UE não considera as questões africanas como uma prioridade da política externa europeia
2. A influência política da Europa em África é pouco relevante.
3. A Europa não está apetrechada, do ponto de vista institucional, para fazer o seguimento das Cimeiras Europa – África.
4. A UE não tem uma estratégia coerente em relação `a cooperação Sul-Sul
5. A reflexão estratégica sobre os cenários das próximas décadas, equacionando desafios e oportunidades, é insuficiente, no momento actual.
6. A UE não compreende que as relações Europa – África do futuro terão dois sentidos, com ambas as partes em condições de beneficiar da parceria, como também não entende os riscos e as oportunidades da proximidade geopolítica com o continente africano.
O Conselho de Segurança esteve reunido na Sexta-feira à tarde com mulheres como as da fotografia na sua linha de mira.
Ao discutir a situação no Chade e na República Centro-Africana, nas zonas fronteiriças com o Sudão (Darfur) , uma das questões mais importantes foi a protecção das mulheres e das raparigas, que continuam a ser as principais vítimas dos conflitos na região. Mesmo as mulheres que vivem em campos protegidos pelas Nações Unidas temem sair do perímetro do campo. Os riscos de rapto, violações e assaltos são elevados.
O Conselho de Segurança deverá aprovar um certo número de medidas para que a Missão de paz da ONU nessa área de operações, a MINURCAT, possa alargar as suas capacidades de protecção e assegurar um quotidiano mais tranquilo.
A proposta que fiz ao Conselho -- substituir a actual presença militar Europeia (EUFOR), que termina o seu mandato a 15 de Março, por uma força das Nações Unidas de 5400 militares -- está ser discutida nas diferentes capitais dos países membros do Conselho de Segurança.
Esta proposta é fortemente apoiada pela França e pelos Estados Unidos, bem como pela Líbia, a potência regional nessa parte do continente africano, e pelos dois governos em causa -- o de N'Djaména e de Bangui. Mas sofre, mesmo momento, das reticências e da falta de apoio de um membro permanente. Preocupado com a escalada de custos que as operações de manutenção de paz têm acarretado nestes últimos anos -- o orçamento anual do Departamento das Operações de Paz das Nações Unidas ronda os 8 mil milhões de dólares -- e com o facto de certas missões actualmente em curso ainda não terem conseguido reunir todas as tropas previstas, esse país julga que tem que haver muita prudência quando se trata de aprovar mais uma missão militar. Os critérios de sucesso da missão e de saída do teatro de intervenção devem estar, no seu entender, claramente definidos.
Nos próximos dias terão lugar uma série de discussões entre os membros do Conselho, quer em Nova Iorque quer entre capitais. Daí resultará uma proposta de resolução que o Conselho deverá aprovar nos primeiros dias de 2009.
Para as mulheres nos confins das areias, o que se vai decidir nas grandes capitais é vital.
O " Tribunal da Consciência " que, por iniciativa de uma plataforma de ONGs portuguesas, se havia reunido ontem e hoje, para " julgar " o Estado e outros actores na área da cooperação pela falta de cumprimento dos compromissos assumidos na Cimeira Europa-África de Dezembro de 2007, resolveu " suspender a tramitação " e dar mais um ano a todos, para que tenham a oportunidade de vir a cumprir o que havia sido acordado.
Foi uma decisão ajustada. Na verdade, depois da chamada de atenção que foi este acto simbólico de julgamento, é preciso que todos os responsáveis pelas relações com África continuem a trabalhar em conjunto, para pôr em prática as decisões da Cimeira do ano passado.
O grande risco que existe, neste momento, está relacionado com a crise económica internacional e a possibilidade de que os fundos para a cooperação venham a ser cortados de maneira drástica durante 2009.
Combater este risco é uma das bandeiras que exige a mobilização da sociedade civil.
A Plataforma de ONGs portuguesas para o desenvolvimento " Eu Acuso " (www.euacuso.com.pt) promove hoje e amanhã um Tribunal da Consciência, um ano depois da Cimeira Europa-África e do Fórum da Sociedade Civil.
O "julgamento simbólico" decorre na Fundação Calouste Gulbenkian. Aberto a todos os que possam testemunhar, as acusações põem em evidência a falta de execução dos compromissos assumidos há um ano, quer na Cimeira quer no Fórum. Os temas de fundo são as migrações, os objectivos do milénio, a cooperação, a igualdade de género, a segurança alimentar, a paz, governação e os direitos humanos.
A sentença será proferida amanhã, dia em que se comemoram os Direitos Humanos.
É de louvar esta iniciativa de um grupo de ONGs portuguesas. Trata-se de um exemplo positivo de mobilização cívica. Como muitas vezes tenho defendido, a mobilização dos cidadãos faz parte da riqueza social de um país, é um indicador de progresso e tem uma capacidade muito forte de transformação político-social. É a democracia directa, em acção, ao proveito de todos.