A nova cimeira do Quad – EUA, Austrália, Índia e Japão – teve hoje lugar em Tóquio. E vale a pena ler o comunicado final, que fala da Ucrânia, mas não ataca nominalmente a Rússia. Prefere falar da inviolabilidade das fronteiras nacionais e do respeito pela lei internacional. Que é uma maneira indirecta de falar da agressão russa.
Curiosamente, enquanto decorria a reunião, bombardeiros russos e chineses realizaram um longo exercício aéreo ao longo da fronteira com o Japão. Esse exercício só pode ser visto como uma manifestação de força e de cooperação entre as duas potências. E ser interpretado com alguma preocupação, por mostrar que a tensão existente é muito maior do que aquilo que muitos pensam.
A Conferência de Munique sobre a Segurança é um evento anual. A deste ano, começou ontem e termina amanhã. Na imensa floresta de conferências que ocorrem em cada ano, a de Munique sobressai. É actualmente um ponto alto nas discussões e encontros internacionais sobre segurança. Os discursos e documentos apresentados na conferência são uma referência para quem segue este tipo de matérias.
A reunião deste ano é um encontro entre ocidentais. Nos anos anteriores não tem sido assim. Agora os tempos são outros. A tensão entre os grandes Estados é enorme. Por isso, os russos e outros não vieram, desta vez, a Munique. Esse facto mostra claramente a gravidade do momento, os riscos de confrontação que existem. Há décadas que não se assistia a uma crise tão acesa e tão perigosa entre as grandes potências.
Falou-se muito, durante os últimos dois anos de pandemia, que iríamos depois construir um mundo novo. Aparentemente, não será bem assim. Estamos, em matéria política, a voltar a um tempo passado, de rivalidades e de ameaças militares. E em matéria económica e social, também não me parece que se esteja a formar uma realidade melhor. Parece-me que estamos a voltar aos velhos hábitos de consumo, à competição económica e ao uso e abuso de matérias não renováveis.
Este é o link para o meu texto de hoje no Diário de Notícias.
A tese essencial é a seguinte: perante os enormes desafios que temos pela frente, digitais, ambientais, pobreza, competição internacional, segurança, etc, as democracias devem ser governadas por coligações tão amplas quanto possível.
A administração Biden percebeu que não se pode ir para a guerra se as balas são fabricadas no país adversário. E é isso que se passa com sectores estratégicos da economia americana: a produção é feita além-fronteiras, na China e não só. Por isso, Biden está a preparar uma Política Industrial – um conceito que havia desaparecido do debate económico há décadas.
Um dos elementos mais importantes do plano diz respeito à produção nos Estados Unidos de semicondutores (chips). Cerca de 50 mil milhões de dólares serão investidos nessa área. Actualmente, a fabricação de chips está concentrada em Taiwan. A China, entretanto, começou a investir forte e feio nesse mesmo sector.
Com a automatização em ritmo acelerado, os chips serão um produto estratégico. Mas atenção. O avanço que Taiwan ganhou é imenso. E montar essa indústria nos EUA – ou mesmo na China, demora cerca de dez anos. Ao ritmo a que as coisas vão e o agravamento da competição entre os EUA e a China fazem-me dizer que dez anos é uma eternidade. Controlar Taiwan talvez seja mais fácil. Quem irá ganhar esse controlo?
Não vi o jogo de Portugal contra a Hungria. Mas pessoa amiga foi-me mantendo ao corrente. E lembrava-me, cada vez que me enviava uma mensagem, que o futebol é de facto um grande aglutinador. E os adversários são tratados como se fossem inimigos vitais. Perante isso, e face à insistência com que Joe Biden falou sobre a China, pensei que seria uma excelente iniciativa tratar dessa rivalidade entre os dois gigantes num campo de futebol. E os adeptos teriam assim a oportunidade de se insultar mutuamente. O problema é que os americanos não são grandes praticantes da modalidade e os chineses estão apenas agora a descobrir – e a investir a sério – nesse desporto. Dantes foi o ping-pong que aproximou essas duas grandes nações. Agora poderia ser a bola.
Trazer a rivalidade com a China para o campo militar é um erro. Se há críticas a fazer, que sejam feitas nas áreas dos direitos humanos e da liberdade, bem como em matérias de competição comercial desleal. Ou ainda, quando a China leva certos países a um endividamento excessivo, com investimentos em infraestruturas que servem, acima de tudo, os seus próprios interesses.
A Cimeira do G7 terminou esta tarde. De uma maneira geral, a atmosfera e a retórica foram positivas. Mas genéricas, mais promessas do que verdadeiros compromissos. O único pacto concreto foi o das vacinas, a disponibilização de mil milhões de vacinas para serem aplicadas nos países mais pobres até finais de 2022. É, no entanto, uma decisão insuficiente. A OMS estima que seria necessário disponibilizar cerca de 11 mil milhões, para que a humanidade possa de facto vencer a pandemia. Estar longe desse número e demorar muito tempo até se atingir uma percentagem global de 70% de vacinados, quererá dizer que a saída da crise não acontecerá num futuro próximo. As variantes irão continuar a aparecer. E o mundo viverá, durante um longo período de tempo, em bolhas isoladas, de um lado países com a maioria da população vacinada e do outro, vários agrupamentos, segundo o avanço dos programas de vacinação. Ou seja, uns a avançar e outros a ficar para trás.
A segunda grande prioridade deveria ter sido sobre a protecção do ambiente. Esta é uma área de grande urgência. Os líderes deveriam ter indicado quais são as grandes linhas que irão defender na conferência de Glasgow sobre o clima, no final do ano. Essa indicação teria permitido uma maior focalização dos trabalhos preparatórios. As promessas feitas hoje são pouco claras e insuficientes em termos financeiros. É verdade que os diferentes líderes mostraram compreender a importância e a urgência da matéria. Isso já não é mau. É, porém, necessário agir, criar parcerias, definir melhor os planos de acção e financiar.
Estas e outras medidas foram profundamente influenciadas pela posição norte-americana em relação à China. O Canadá e o Reino Unido seguiram sem hesitações a linha americana. Já do lado europeu, houve muitas reticências. Com o tempo, a brecha entre as duas partes irá ficar mais clara. E a própria China irá adoptar contra-medidas que agravarão a fractura.
Estamos perante uma dinâmica nova, foi o que ficou claro com este encontro do G7. Mais do que nunca, é preciso muito cálculo e muita prudência.
Este é o link para o meu texto de hoje no Diário de Notícias.
"Realiza-se hoje a primeira cimeira do Quad, uma nova plataforma de consulta estratégica entre os Estados Unidos, a Austrália, a Índia e o Japão. Quad resulta da abreviatura de quadrilateral."
O discurso do Presidente norte-americano perante a Assembleia Geral das Nações Unidas teve praticamente um só tema: a China. Foi uma intervenção curta, à volta de sete minutos, para não deixar espaço para desvios para outros temas. A China foi apresentada como a causadora da pandemia e da crise económica associada, uma crise global. Numa outra época, um discurso assim seria visto como uma declaração de guerra. Hoje, é visto como fazendo parte da campanha eleitoral de Donald Trump. Penso, no entanto, que tem consequências mais profundas. Veio agravar a tensão que já existe entre os dois países. Uma tensão que se agravou durante o mandato de Trump e que irá provavelmente marcar os anos vindouros, esteja Trump ou não à frente dos Estados Unidos. Ao escrever isso, faço-o com muita preocupação sobre as consequências futuras dessa rivalidade.
O meu texto de ontem no Diário de Notícias tinha várias mensagens, o que na realidade era excessivo para um escrito com um limite máximo de caracteres não muito alto. Para além do resto, a mensagem fundamental era simples: existe um risco de descarrilamento e conflito na competição por hegemonia entre os Estados Unidos e a China. Essa competição está a agravar-se e nenhum dos lados quer dar parte de fraco. Existe, além disso, o risco da Europa ser apanhada na engrenagem deste processo de confrontação aberta. Seríamos arrastados para uma crise grave que não é no nosso interesse.
A Europa deveria definir uma política externa mais clara e independente, face às duas potências em disputa. Infelizmente, não existem condições para que isso aconteça. A política externa europeia continua dividida, quer no que respeita à China quer aos Estados Unidos. Fica, assim, enfraquecida e vulnerável às pressões vindas de um lado e do outro. Sobretudo, às que vêm de Washington.