A confrontação com a Rússia em torno da Ucrânia traz-nos novos elementos de reflexão sobre a política de defesa da União Europeia. Não se trata de discutir quem tem razão, se nós ou eles. Esse é outro debate, uma discussão sem fim, receio. Deve-se refletir, isso sim, sobre a estratégia de proteção do nosso espaço político, tendo em conta os ensinamentos que se podem desde já retirar do que tem estado a acontecer. Ou seja, a maneira como tem decorrido o confronto permite ponderar sobre os ajustes que convém introduzir na nossa estratégia coletiva, na Aliança Atlântica e no quadro mais estrito do projeto europeu. Dá-nos, igualmente, a possibilidade de identificar os acertos de segurança nacional que cada um dos nossos Estados, incluindo Portugal, precisa de ter em conta.
Por detrás destas palavras fica claro que os conceitos estratégicos em vigor estão, no geral, corretos e continuam válidos. Aqui, discordo do que se tem escrito recentemente em Portugal, e que se pode resumir numa frase do género “a Rússia torna obsoletos os atuais conceitos de defesa nacional”. Obsoletos, inadequados, fora de jogo, tudo isso me parece exagerado e trazer água no bico, ter outras intenções, como por exemplo tentar pôr de novo os gastos militares no centro dos orçamentos públicos. Mas estou de acordo que os conceitos devem ser interpretados e operacionalizados com base num olhar mais realista no que diz respeito ao nosso relacionamento com o grande vizinho que é a Rússia. A Rússia de Putin e do seu círculo, que a Rússia da geração seguinte já não será assim.
Acrescente-se que numa situação de conflito é fundamental defender, de modo razoável, os interesses próprios e chegar a um entendimento adequado com a parte contrária. Estas duas premissas são essencialmente políticas. Só quem tem legitimidade política é que pode definir os interesses que temos em jogo e, por outro lado, as condições de um acordo, melhor ou pior, com a parte contrária. O resto, as forças armadas, os serviços de inteligência, a diplomacia, a informação e a comunicação, a economia e as finanças, são instrumentos do poder político. A crise atual mostra que podem ser combinados de vários modos, na resolução de um conflito. Assim se faz, nos tempos de agora, uma política de defesa abrangente e sagaz.
(Original do texto que hoje publico no Diário de Notícias)
Tenho recebido mails sobre este texto que muito agradeço.
Cito umas linhas do meu texto:
"Uma integração mais eficaz ao nível nacional deve ser acompanhada por uma melhoria da interacção ao nível dos aliados. No que respeita às forças armadas, o investimento deve ser feito no quadro da NATO e não no da UE. As experiências recentes na Líbia e no Mali mostraram que sem o apoio de inteligência, de definição dos alvos e de logística dos Estados Unidos, enquanto parceiro na NATO, estas operações não teriam tido os mesmos resultados. Convém ser claro: sem Washington, a Europa da defesa é dificilmente defensável. Não é uma questão de cortes. Falta, isso sim, uma estratégia que tenha em conta os novos desafios, os meios prioritários e a relevância da cooperação entre os estados."
Neste dia dos amores, constato - basta ler o que se escreve nos blogs da especialidade e na comunicação social, e ser um observador atento destas coisas- que as patentes militares não morrem de amores pelo ministro da Defesa Nacional, e ainda menos, pela rapaziada que, teoricamente, lhe serve de assessores. Essa rapaziada - que só tem a vantagem de viram todos do Porto, e o "Porto é uma Nação", como diria o meu amigo Chefe Souto - entretém-se a escrever uns papéis, no segredo de gabinetes exteriores ao ministério, sem consultar as autoridades militares que sabem da poda. As únicas consultas que fazem são uns “Googles” na internet.
Depois do fiasco do processo de elaboração do projecto de Conceito Estratégico de Defesa e Segurança Nacional, o ministro está agora a meter água com a questão da reestruturação das Forças Armadas. Ou seja, com uma matéria que é muito séria. Mas, como é um homem ponderado, dizem os entendidos, talvez ainda compreenda que nestas coisas é melhor ouvir do que ditar.
Fiz uma primeira leitura do relatório do FMI sobre as Opções de Reforma da Política de Despesas Públicas. O relatório dá uma clara indicação do tipo de pressão política que se pode antecipar, vinda não só do Fundo como também da Comissão Europeia. Deve, por isso, ser estudado com muita atenção por todos os partidos políticos, para que a posição de cada um seja tão fundamentada quanto possível.
Na parte final do relatório há uma referência inequívoca ao modelo de forças de segurança que os nossos interlocutores estrangeiros irão recomendar. A escolha dos exemplos apresentados – Áustria, Bélgica, Grécia e Luxemburgo – é elucidativa do caminho que querem que optemos: a integração dos diversos serviços de polícia num serviço único nacional. Trata-se de uma posição que contraria frontalmente o que o chamado “grupo de sábios” que elaborou o Conceito Nacional de Defesa e Segurança Nacional sugeriu. Ou seja, também nesta área, vai ser interessante observar como os acontecimentos futuros se irão desenrolar.