O que continua a acontecer à volta de Boris Johnson é uma vergonha, excepto que ele não sabe o que essa palavra significa. Mais de 40 membros do governo e da política conservadora abandonaram o barco que Boris pilota – ou melhor, que já não pilota, que se está a fundar. E ele continue agarrado ao poder. Sem se demitir, terá provavelmente que sair quando for votada uma moção de censura. O regime é profundamente parlamentar e só o parlamento o poderá fazer sair, seja por perder a confiança dos deputados do seu partido, seja por virtude de uma derrota, aquando de uma moção de censura. 69% dos eleitores pensam que Boris Johnson deveria pedir a demissão.
De qualquer modo, já garantiu o seu lugar na história britânica: por mentir, na altura do referendo sobre o Brexit; e por continuar a mentir e fazer trapalhadas desde que está no governo.
Sebastian Kurz demitiu-se do posto de chanceler da Áustria. A razão é clara e de peso: está acusado de corrupção na utilização de fundos públicos para promover a sua candidatura à chefia do seu partido e à chancelaria. Há uns quatro anos.
Kurz tem aparecido, ao longo deste ano, como um dos duros na família conservadora europeia. É um jovem – 35 anos de idade. Tem ambições muito grandes, que vão para além das fronteiras austríacas. Tem sido visto como um dos possíveis líderes de uma União Europeia profundamente de direita, eurocêntrica e moralizadora. Essa imagem sofreu agora um golpe.
Mas ele não se dará por vencido. A não ser que venha a ser condenado pela justiça do seu país. Nesse caso, será sido um meteorito que passou pelo firmamento europeu, mas que desapareceu.
Aposto com quem queira apostar que as regras orçamentais do Tratado de Maastricht – dívida pública abaixo dos 60% do PIB nacional e défice orçamental anual inferior a 3% − voltarão a estar em cima da mesa das discussões. E que a austeridade será um tema que os países apelidados de “frugais” irão de novo inscrever na agenda económica europeia. A chamada “bazuca” é uma oportunidade única para diminuir a distância entre os níveis de vida dos diferentes países europeus. Quem não a souber aproveitar terá perdido uma oportunidade que não voltará a surgir, a não ser que apareça uma crise tão profunda como a da pandemia.
Os indícios que começam a aparecer mostram que, em matéria económica, entraremos, depois da pandemia, numa fase nacionalista.
Observar o que se passa na Convenção Republicana, que hoje confirmará Donald Trump como candidato a um segundo mandato, requer muito autodomínio. Os diferentes oradores inventam uma realidade que não existe, toda cheia de cores brilhantes e depois felicitam o Presidente pelos sucessos que são puras invenções. Os temas são sempre os mesmos: a habilidade na gestão da economia, a manutenção da ordem pública e a capacidade para fazer frente a potências estrangeiras. Depois, inventam um falso programa que dizem ser o que os Democratas defendem, um programa sem sentido, e atacam, com unhas e dentes, essa falsidade como se fosse verdade.
A Convenção está a levar a política americana para novas profundidades. Manhas e mentiras, são os ingredientes da nova política dos republicanos. E os nossos pequenos Trump vão tomando nota, para fazerem igual, aqui por estas bandas.
Boris Johnson ganhou as eleições legislativas britânicas. De uma maneira clara, seja qual for o prisma de análise dos resultados. Tem o poder nas mãos, de modo absoluto. É ele quem manda, no governo e no Parlamento. E isso poderá continuar assim, nos próximos quatro ou cinco anos de mandato. O que mostra que um líder forte, na chamada democracia britânica, usufrui de um nível incontestável de autoridade. Os outros poderão dizer o que entenderem, fazer o barulho que quiserem, no Parlamento ou fora dele. Mas quem manda é o Primeiro-Ministro, quando esse lugar é ocupado por uma personalidade como Johnson e, por outro lado, quando dispõe de uma maioria muito folgada, em Westminster.
Para além do Brexit, Boris Johnson irá propor uma série de medidas, incluindo uma que reduza o poder do Tribunal Supremo, que limite a sua capacidade de controlar os abusos de poder vindos da Primatura ou do Parlamento. Também aqui fica claro que a democracia de que se fala é mais cosmética do que uma beleza política de facto.
Boris Johnson ganhou porque soube mostrar determinação, clareza, foco e repetir constantemente as mesmas três ou quatro mensagens-chave. Prometeu a Lua e mais um ilusão, mas evitou prometer um catálogo sem fim de medidas, que por serem muito diversas, perdem-se na cabeça dos eleitores e arruínam a sua credibilidade. Mas ganhou, acima de tudo, por ter sabido bater a tecla do Brexit. A opinião pública estava farta do tema, das divisões que acarretava. Votar em Johnson significaria fechar esse capítulo.
Agora que tem o poder nas mãos, Boris Johnson poderá tentar a via da moderação. Sabe que essa é a única maneira de manter o reino unido. Terá, nomeadamente, que mostrar resultados na Escócia. Mas, não será fácil. O processo de desintegração do Reino Unido – agora com maiusculas – aprofundou-se com as eleições de ontem.
Do lado europeu, há que manter uma posição que mostre interesse na continuação de uma relação privilegiada com Londres e Boris Johnson. Creio que assim acontecerá.
Boris Johnson não aceita que lhe digam que não. Exigiu aos deputados do seu partido que votassem como ele lhes mandavam. A exigência foi acompanhada de uma ameaça de expulsão do partido. Uma ameaça que põem em causa um princípio fundamental da democracia, que é o de separar o poder legislativo do executivo.
Vinte e um deputados Conservadores tiveram a coragem de ir contra o ditame do Primeiro-Ministro. Puseram o que consideram o interesse nacional acima das suas carreiras políticas.
A sua decisão foi histórica. Não é todos os dias que vemos políticos tomar decisões que lhes acabam com as carreiras. Para mim, este foi um dos factos mais salientes da votação de hoje, em Westminster.
Temos estado a assistir, em vários países da União Europeia, a uma fragmentação da cena partidária. Os eleitores dividem o seu apoio por toda uma série de facções políticas. Por exemplo, na Holanda o maior partido tem 14% dos votos. Em Espanha, o partido mais votado nas últimas eleições gerais, o PSOE, ficou-se nos 28,7%. Em França, o movimento que apoia Emmanuel Macron faz frente a uma série de pequenos partidos, à excepção da formação de Marine Le Pen, que consegue cerca de 22% dos votos. Na Alemanha, as sondagens mostram um reequilíbrio político, com os votos a serem distribuídos por várias famílias políticas. Idem, na Dinamarca e noutras terras da UE.
A fragmentação também chegou ao Parlamento Europeu.
De um modo geral, a fragmentação faz-se à custa dos partidos tradicionais, do centro-direita, de inspiração democrata-cristã, ou, então, da social-democracia e do socialismo moderado.
O corolário da fragmentação é a coligação. Vários governos assentam hoje em coligações de partidos, algumas delas bem complexas, como é o caso belga. Sem coligação não haveria um governo viável. E as coligações nem sempre unem movimentos políticos próximos, da mesma área ideológica. Exigem, em alguns casos, uma ginástica política inabitual.
Aqui surge uma outra dimensão da vida política europeia de agora, a indefinição ideológica. A análise das ideologias dos partidos está a complicar-se. O velho esquema esquerda-direita já não funciona com a simplicidade de outrora. Certos partidos têm, ao mesmo tempo, propostas de direita e de esquerda, numa amálgama que mistura populismo com nacionalismo, reivindicações progressistas com conservadorismo, liberalismo com o reforço do Estado social, ambiente com radicalismos.
Precisamos de novos prismas de análise. Também, de compreender que a política de hoje já pouco ou nada tem que ver com a que se praticava nos anos oitenta ou noventa do século passado. Estamos num cenário muito diferente, com outros enredos.
Theresa May anunciou hoje a sua demissão. A pressão vinda dos Brexiteiros mais duros, dentro do seu partido, acabou por derrubar a Primeira Ministra. Foram muito ajudados pelos jornais conservadores, que fizeram uma campanha diária contra May.
No fundo, como escrevi noutro lado, foi uma vitória da ala mais nacionalista, mais idealista e irrealista da classe política conservadora, que pensa que poderá restaurar a Grã-Bretanha do tempo da Rainha Victoria. Uma ilusão irracional que é muito difícil de combater com argumentos racionais, como a Primeira Ministra tentou fazer.
Boris Johnson será provavelmente o próximo líder do governo de Sua Majestade. Boris tem muitas facetas de alienado e pouca profundidade na compreensão dos problemas. É um confuso mental. A sua capacidade de mentir e exagerar é legendária. Mas fala bem, escreve à antiga mas de uma maneira que atrai algum público, é o menino querido da imprensa da direita tradicional. O principal trunfo que tem é ainda mais forte. Muitos membros do partido conservador pensam que Boris é o único líder que conseguirá derrotar Jeremy Corbyn, o dirigente trabalhista, em caso de eleições gerais. Boris irá cultivar essa crença e, por isso, deverá ser eleito chefe do partido. E, consequentemente, tornar-se o sucessor de Theresa May.
Vai também repetir, alto e bom som, que é o único capaz de fazer frente aos dirigentes europeus. Isso dar-lhe-á votos igualmente. Mesmo que se diga e repita que não há nada a que fazer frente, pois as negociações de saída estão terminadas.
Deve ficar claro que a escolha de quem manda na política britânica cabe aos cidadãos do Reino Unido. A Europa sentar-se-á à mesa com quem vier a ser escolhido. Não haja, todavia, ilusões. O lado britânico pode fazer o barulho que entender, mas isso não fará esquecer aos europeus que a saída da União tem regras e que os interesses da UE são a primeira preocupação de quem tem a responsabilidade de conduzir os destinos do projecto comum. Nós tratamos de nós, Boris ou qualquer outro que venha, que trate dos seus, se puder.
Existem razões políticas suficientes para justificar a realização de um segundo referendo sobre o Brexit. Se acontecesse, o resultado desta nova votação poderia aparecer como uma confirmação da maioria obtida em 2016, ou ir no sentido oposto. Seria, em qualquer dos casos, um referendo com base numa melhor compreensão do que está em jogo.
Poderá vir a acontecer.
Penso, no entanto, que os dirigentes europeus não devem ficar à espera por muito tempo que os britânicos decidam se realizam ou não uma nova consulta popular. Por isso, defendo que se deve dar um prazo definitivo aos políticos que estão no governo de Theresa May e no Parlamento de Westminster. Uma data final e nada mais.
A participação britânica nas eleições europeias de finais de Maio é uma aberração política. Estou hoje convencido que a Primeira Ministra e o Líder da Oposição, Jeremy Corbyn, se apercebem desse absurdo e dos custos políticos que daí decorrem. Assim, acredito que estão cientes que as discussões entre eles têm que chegar a uma conclusão em breve, não muito depois da Páscoa.
Theresa May está mais fragilizada do que nunca. Vários membros do seu governo decidiram votar contra as instruções que ela lhes tinha dado. A tradição diz-nos que deveriam, esta noite ou amanhã, pedir a demissão, abandonar as suas funções ministeriais. Não sei se isso irá acontecer. O país atravessa momentos excepcionais, nada é como dantes. Mas a verdade é simples: a Primeira-Ministra tem que manter a sua autoridade, no que respeita aos membros do governo. Se o não fizer, dará um sinal de fraqueza que será considerado como final. Em questões de liderança política, a imagem de um líder fraco é fatal. Nas circunstâncias actuais, Theresa May não pode cair nesse erro.