Pessoas com nível universitário estão de tal modo confusas, que acreditam nas teorias conspiratórias mais estranhas. É como se tivessem perdido os valores, as normas de referência, a confiança nas instituições, a esperança no futuro. Quando tento falar com alguns amigos que se encontram nesse tipo de encruzilhada acabo por ficar sem palavras, incapaz de vencer esse pessimismo. E os políticos oportunistas, bem como os tontos que estão em posições de poder, acabam por tirar proveito dessa confusão. Estamos, assim, num período bastante perigoso da nossa história. As redes sociais, as televisões inspiradas na técnica dos chouriços, que de meia em meia hora reforçam as ilusões ditas anteriormente, os palhaços dos circos onde reside o poder, tudo isto contribui para aumentar a confusão, as fantasias e o nosso tribalismo.
A cegueira partidária manifesta-se frequentemente. A seguir às autárquicas, houve quem dissesse “o meu partido perdeu votos, mas está cada vez mais forte”. Agora, que o ministro da Defesa parece ter metido os pés e pelas mãos, e depois do responsável pela associação de oficiais no activo ter dito que Cravinho é arrogante e não ouve ninguém, apareceu gente a dizer que a embrulhada foi uma conspiração do pessoal da Armada para embaraçar o governo e criar divisões entre António Costa e o Presidente da República. A querela pública entre o ministro das infraestruturas e o das finanças também deve ser uma conspiração. Só que não se percebe quem poderá ser o autor, a não ser que seja o António Costa para atrapalhar o primeiro-ministro. Tudo é possível, sobretudo nas mentes inventivas dos teóricos das conspirações.
O Presidente turco mandou bombardear um campo de refugiados curdos localizado bem no interior do Iraque. Estes curdos fugiram de perseguições na Turquia, tendo encontrado protecção no país vizinho, com o apoio de várias agências humanitárias e da ONU. Ao ordenar o ataque de hoje, Erdogan violou aspectos importantes da lei internacional e cometeu vários crimes, incluindo o crime gravíssimo de matar e ferir refugiados instalados num campo reconhecido pela comunidade internacional. A NATO não pode ter um membro assim.
Do outro lado do mundo, nos EUA, o ex-presidente Donald Trump falará daqui a pouco aos militantes do Partido Republicano. Espera-se todo um chorrilho de mentiras e de falsas acusações. Entretanto, o partido está mais louco do que nunca. Completamente dominado pelas fantasias de Trump, fez circular uma nova teoria conspirativa: durante a eleição de Novembro, os italianos enviaram drones que iam transformando cada voto por Trump num voto para Biden. É mais uma invenção extravagante, mas a verdade é que muitos eleitores republicanos acreditam nestas idiotices. O partido está num estado absolutamente lamentável. E Trump aproveita-se disso.
Mais ao sul, no martirizado Burkina Faso, aconteceu um novo extermínio de civis indefesos. A sua aldeia foi atacada por terroristas durante a noite passada. Ainda não se sabe exactamente quantas pessoas foram mortas, mas o número é superior a 135. Este ataque lembra-nos o drama que certas populações do Sahel estão a viver. Também nos diz que a insegurança continua a crescer. Com ela, vem mais miséria, deslocamentos de população, mais sofrimento.
Entretanto, decorreu a reunião dos ministros das finanças do G7. Houve acordo quanto à urgência de fazer pagar impostos às grandes corporações mundiais. É um passo em frente. Mas há que tornar a decisão efectiva. E isso irá demorar.
Hoje vi muita gente a apanhar sol, um pouco por toda a parte em Lisboa. Parecia que tínhamos voltado à normalidade que nos era habitual. Mas era uma situação estranha. As esplanadas, os cafés e restaurantes estavam fechados, e isso faz parte da normalidade num dia de sol. Amanhã entramos num outro ciclo. Espero que o façamos com toda a prudência necessária, que a pandemia ainda não está controlada. É importante que a comunicação social os líderes e quem conta falem de prudência e de comportamentos que respeitem a saúde de cada um e a da comunidade.
Entretanto, falaram-me há pouco de teorias conspiratórias e de outras loucuras em que alguns ainda acreditam. A nossa responsabilidade é a de não propalar essas teorias. Temos o dever de denunciar abertamente quem o faz. Uma situação de crise é terreno fértil para fantasias. Muitas dessas fantasias são construções elaboradas por quem tem como missão confundir as pessoas e influenciar a opinião pública num determinado sentido. Há que estar atento.
Este é o momento de pensar de modo construtivo. Isso não que dizer ignorar os problemas. Quer dizer que é preciso perceber bem quais são esses problemas e dar-lhes a resposta adequada.
Nos Estados Unidos, apenas três tipos de vacinas receberam a luz verde que se designa por Emergency Use Authorization (EUA), a autorização que é dada pela U.S. Food and Drug Administration (FDA): trata-se das vacinas da Pfizer, da Moderna e da Janssen (Johnson & Johnson).
As outras ainda não completaram – ou mesmo, ainda não iniciaram – o processo de aprovação. É o caso da AstraZeneca. Mas isso não quer dizer que a vacina da AstraZeneca não seja eficaz.
Os Estados Unidos não estão a importar vacinas europeias. Também não estão a exportar para a Europa.
A campanha de vacinação americana é muito eficiente. O Presidente Biden tem dado uma atenção prioritária ao assunto. Como aliás outros também o deveriam fazer. Neste momento, não há nada mais político que o sucesso de uma boa campanha de vacinação.
A quantidade de asneiras que por aí se dizem, sobre os mais variados assuntos, obrigariam um batalhão de pessoas a passar horas a desmentir ou esclarecer tudo isso. Eu, em geral, nas áreas que me tocam, finjo que não vejo, a não ser que esteja directamente a tratar desse assunto. Vou tentando esclarecer de modo genérico, sem pegar em cada caso, pois cada caso daria uma guerra e acabaria por ser uma perda enorme de tempo. Digo isto, depois de ver uns comentários que aí apareceram sobre a ajuda que a Alemanha nos prestou no combate à covid e outros sobre Joe Biden e as medidas que tem estado a tomar. Mas estes são apenas dois exemplos dos muitos temas que estão na moda e sobre os quais se diz um pouco de tudo.
Como era de esperar, o Senado norte-americano não reuniu um número suficiente de votos para condenar o antigo presidente, que era obviamente culpado de instigação à violência e à subversão da ordem democrática. Os acontecimentos de 6 de janeiro e todo o cenário de falsidades e i insurreição que fora criado antes tiveram um responsável.
Independentemente do julgamento partidário de hoje, ficará o julgamento da história. Esse não será suave. E fica ainda aberta a possibilidade de procedimentos criminais contra o ex-presidente. Esta última possibilidade é muito real. Creio que acontecerá.
O voto de hoje fecha um capítulo. Mas não encerra um processo de responsabilização. Antes pelo contrário. Creio que deixou a porta claramente aberta para que tal venha a acontecer.
O meu amigo Ray adora discorrer sobre as várias teorias conspirativas que conhece. E, na verdade, sabe de muitas. Só que eu não tenho paciência para o ouvir. Hoje, ligou-me novamente, por videoconferência, para me falar do último enredo que a malta de Davos – WEF, World Economic Forum – estaria a planear para tomar conta do mundo pós-pandémico. Eu tinha uma boa desculpa – estava a escrever a minha coluna semanal para o Diário de Notícias, com o prazo de entrega a aproximar-se e a inspiração paralisada pela confusão eleitoral americana. Disse-lhe que não tinha tempo para o ouvir em pormenor. Como ele não sabia que o encontro de Davos 2021 havia sido adiado sine die – não terá lugar em finais de janeiro como de costume, que o coronavírus não deixa – partilhei essa informação com ele. Viu logo aí uma confirmação mais da teoria que me queria explicar. E explicou-me que Mark Zuckerberg, o homem do Facebook, era um dos mestres dessa conspiração. Lembrei-lhe então que a aplicação que estava a utilizar também estava ligada a Zuckerberg e que, por isso, talvez fosse melhor que ele passasse a fazer uso de uma outra, da concorrência. Talvez a WeChat, da China. Não percebeu a ironia da minha sugestão e deixou-me voltar à escrita da minha coluna.
Os analistas sociais revelam-nos que as teorias conspiratórias atraem sobremaneira pessoas com estudos superiores. A razão é que se consideram mais espertos do que os outros. Justificam assim construções mentais que não têm mais do que uma ténue ancoragem na realidade. A partir dessa ponta de verdade partem para um edifício conspiratório que é apenas possível por não conhecerem a sério o fundo da questão. Certas análises produzidas por serviços secretos também caem frequentemente nesse erro. A atracção da coisa é a de parecerem mais perspicazes do que os seres normais. É uma questão de ego, de falsa superioridade. E muitos políticos deixam-se enganar assim. Quando isso acontece, é difícil voltar atrás e tentar explicar a coisa de outra maneira. Não passa. As fantasias têm muita força junto de certos intelectuais da área social e no mundo da política.
Não ficaria admirado se alguns obcecados das conspirações vissem a mão maquiavélica de Robert Mugabe na caçada que vitimou Cecil. Para eles, a morte do célebre leão teria sido arquitetada pelo velho ditador, como um novo enredo para aviltar os brancos e os americanos. Esta versão teria os ingredientes de uma boa teoria conspirativa: um político diabólico; um drama que captou a imaginação popular, com um desfecho passível de interpretações; e uma narrativa consistente com a prática habitual do vilão da história. Sem esquecer que Mugabe sempre me pareceu um especialista em estratégias complexas e obscuras. Deste modo, bateria tudo certo…
Cecil poderia fazer as delícias dos espíritos conspirativos neste mês de agosto. No entanto, o caso mais recente diz respeito ao partido trabalhista do Reino Unido. Vários dos seus membros, incluindo antigos ministros, acham que está em curso uma conspiração para manter o partido na oposição por uma eternidade de anos.
A história é simples. Tem que ver com a eleição, que começa este fim-de-semana, do novo líder trabalhista. Jeremy Corbyn, um franco-atirador que votou mais de quinhentas vezes no Parlamento contra a linha oficial do seu partido, é dado como favorito. Ora, o homem é um esquerdista notório, um porta-estandarte de posições extremas, alheias às escolhas habituais da maioria do eleitorado britânico. Se se confirmar a sua seleção como líder – existem outros três candidatos, com ideias bem mais consentâneas com a modernidade do centro-esquerda – a conspiração terá ganho, dir-se-á... E quem seriam os cérebros do terramoto político que se anuncia? Os senhores da finança aliados aos matreiros patronos da imprensa conservadora e popularucha, gente que se nutre de um ódio visceral antissocialista. Não poderia deixar de ser assim, na fantasmagoria dos que acreditam na maquinação. A cabala, dizem, consiste em financiar, ao preço de saldo de três libras por cabeça, que é quanto custa a inscrição com direito a voto nas eleições internas, uma amálgama de trotskistas e de militantes fanáticos do ar fresco e dos passarinhos dos campos, também conhecidos por “verdes”. Serão esses infiltrados que tornarão a vitória de Corbyn possível. Depois, este e as suas ideias fora da corrente acabarão por colocar os trabalhistas numa posição de marginalidade eleitoral. Tudo isto a favor das hostes de David Cameron e dos interesses que os cabalistas representam.
As teorias conspirativas são sempre assim: os maus e poderosos de um lado, a planear uma intriga mirabolante, e uns paranoicos do outro, que se acham por demais espertos e capazes de ver para além das aparências. No meio estão os simples dos miolos, prontos para engolir mais ou menos cegamente a fantasia.
Cuidado, porém, que a coisa nem sempre é divertida. Ainda recentemente, trabalhadores da saúde perderam a vida no Paquistão, por causa de uma teoria que propagava que as vacinas contra a poliomielite eram uma artimanha do Ocidente para esterilizar o povo. Como também se verificou que a luta contra o ébola na África Ocidental foi prejudicada por haver quem ligasse a pandemia a uma tramoia contra os africanos. Bem mais perto de casa, há por aí quem veja nas nossas dificuldades um conluio de outros, um estratagema urdido no estrangeiro contra nós. Esse é o perigo destas teorias: arranja-se umas narrativas bem articuladas e desvia-se os olhares das verdadeiras interrogações.