A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) deu um parecer negativo sobre o projecto de lei relativo ao acesso a dados de tráfego de localização e outros dados provenientes das telecomunicações dos cidadãos.
Priva, assim, os nossos serviços de informações de um instrumento de trabalho de investigação que se tem revelado particularmente importante, noutros países do nosso espaço europeu, no combate ao terrorismo.
Uma vez mais, Portugal surge perante os parceiros exteriores, como o elo fraco em matéria de informações de segurança.
A CNPD tem uma sensibilidade “democrática” que não entendo. Parece estar congelada no tempo, há trinta ou quarenta anos atrás.
Alguém me dizia hoje em Genebra, que a Constituição Portuguesa está inspirada num modelo dirigista e intervencionista que não se enquadra na maneira actual de ver as coisas, que prevalece na UE. É uma constituição, acrescentou o meu interlocutor, que ainda acredita que o Estado deve ser o principal actor económico. Ou seja, é a única constituição, na Europa, que continua inspirada numa visão marxista da sociedade e da economia. Para rematar, referiu que o nosso país é um caso singular em termos de peso eleitoral de forças políticas, como o Partido Comunista e certas formações da Esquerda radical, que no resto da Europa já passaram à história.
Resumi a minha resposta a uma frase bem curta: é a originalidade portuguesa. E expliquei as nossas circunstâncias históricas. Com cuidado, pois não queria ser entendido como quem está a dizer, é a nossa sina.
O Conselho de Estado é um mero orgão formal, que nada acrescenta de significativo à ordem constitucional existente. Um dia, quando houver condições para um debate a sério sobre uma Constituição virada para o Século XXI, esta terá que ser uma das matérias em cima da mesa. Entretanto, haverá de vez em quando uma reunião do dito Conselho, como a que agora acaba de ter lugar, sem que esses encontros acrescentem o que quer que seja à resolução dos desafios que temos pela frente.
O julgamento que o Tribuna Constitucional acaba de anunciar baseia-se numa interpretação de um ou dois princípios doutrinários genéricos. Não se baseia numa norma ou artigo concreto da Constituição. A interpretação de princípios gerais é uma matéria muito delicada, na fronteira da opinião jurídica com a política. Por exemplo, dizer que os cortes atingiram um nível inadmissível é uma questão política. Ao Tribunal cabe dizer se esses cortes respeitam a ordem constitucional e jurídica existente. E dizê-lo de modo fundamentado.
É verdade que uma decisão legal pode ter mais do que uma interpretação. Por isso, e tendo em conta a natureza das matérias em análise, o Tribunal Constitucional é constituído por um colectivo de juízes. O facto de haver juízes que interpretam de uma maneira e outros que fazem uma leitura diferente mostra a complexidade do que está em jogo. No caso concreto, houve quem votasse a favor e com votasse contra. Ambos os lados fizeram o que tinham a fazer. Tenho a certeza que cada um fez o que tinha que fazer, com o elevado grau de profissionalismo que se espera da instituição.
Depois disso, a rua e os partidos farão a leitura que entenderem e que melhor sirva os seus interesses específicos. Mas, a objectividade recomenda que se lembre que há sempre duas faces em cada moeda. E a visão estratégica das coisas que são importantes recomenda que abordem estes temas, mesmo na rua, com uma certa serenidade. Ou seja, a decisão foi tomada por quem a autoridade constitucional para o fazer e depois cumpre-se.
A crise e os ajustamentos das finanças públicas dividem a sociedade, extremam as posições e levam muitos ao desespero. Têm, igualmente, um impacto apreciável sob a saúde mental e física de um número significativo de cidadãos, que sofrem de um stress agudo, com todas as suas consequências.
Constituem, na vida de um país, um momento de uma grande complexidade, que requer muito tacto político e um grande sentido das responsabilidades.
Exigem, igualmente, que as instituições da República funcionem e sejam minimamente respeitadas. Incluindo, claro está, os titulares das mesmas.
Assim deve ser, num Estado de direito e numa democracia constitucional.
Por isso, apelos a acções políticas violentas e incitamento à violência contra os titulares dos órgãos de soberania são inaceitáveis, por mais críticas que se possam fazer a essas personalidades.
Sugerir que os governantes irão ser corridos “à paulada” é uma visão troglodita da política. Ameaçá-los com rufiadas populares violentas corresponde a uma concepção da democracia que muitos estragos fez ao nosso país, nas décadas de dez e vinte do século passado. Em ambos os casos, trata-se de instigação à violência contra as autoridades democraticamente constituídas. Ou seja, trata-se de crimes públicos. Que, no Portugal de direito que sempre será o meu, devem ser objecto de procedimento judicial. São casos de tribunal.
É que, ao fim e ao cabo, sair da crise passa, igualmente, por uma firmeza sem hesitações no cumprimento das regras democráticas e por uma clareza absoluta em relação a quem pisa o risco.