Hoje, às 04:00 da tarde, fiquei com a impressão de que a população de Lisboa, da Amadora e arredores estava toda na loja gigantesca que uma marca internacional de quinquilharia e tudo o resto tem em Alfragide. Estacionar, apesar de ser possível nos seus imensos parques, requeria quase tanta sorte como acertar na aposta ganhadora. Lá dentro, havia gente por todos os cantos. E, no final, as filas para as caixas de pagamento eram um outro exercício de espera e paciência. Distância entre as pessoas era coisa que ninguém parecia saber o que significa. E os carros de compras, de uma boa maioria dos clientes, davam a impressão de que o confinamento transformou os cidadãos em artesãos nas suas próprias casas. Também faziam pensar que as famílias andam todas em remodelações, obras e pinturas. O casal à minha frente comprara duas instalações de sanitas completas, com autoclismos incorporados e tudo o mais.
E convenci-me que, na verdade, mudámos muito nestes últimos meses, pelo menos em termos de habilidade para fazer biscates pessoais e passar uma parte da tarde de trabalho à procura da prateleira dos parafusos, do verniz para a madeira ou da lixa forte.
Neste período de reabertura gradual das actividades económicas e outras, convém observar o que está a acontecer nos países que iniciaram o desconfinamento antes de nós. A China é o exemplo em que se pensa de imediato. E o que verificamos é uma quebra do consumo das famílias, na ordem dos 35 a 40%. A paralisação económica , que nalguns sectores foi quase total, teve um impacto enorme nos orçamentos familiares, cortando-lhes uma fatia importante do poder de compra. Por outro lado, as exportações, que são um dos principais vectores do crescimento da economia chinesa, diminuíram de forte substancial, à medida que os principais clientes da China entravam no pico da crise. Neste momento, a quebra do consumo e a travagem das exportações estão a provocar um desacelaramento da produção industrial.
No caso português, para além da questão do consumo das famílias e do poder de compra, temos pela frente uma crise muito grave em vários sectores, como o turismo, a hotelaria e a restauração. A quebra de receitas nessas áreas é significativa e não vejo uma retoma rápida. Entretanto, assistimos nos últimos meses a um endividamento insustentável de muitas das empresas, sobretudo das de média e pequena dimensão. Esses níveis de dívida, que na maioria dos casos não poderão ser cobradas, têm um impacto vastíssimo sobre a saúde da economia.
Por outro lado, o endividamento do Estado está a adquirir proporções nunca vistas. Para as atenuar, é fundamental que o fundo de recuperação europeu esteja a funcionar já em Junho e que o Estado deixe as empresas trabalhar, sem grandes empecilhos e burocracias absolutamente inúteis. Esta é uma excelente oportunidade para abolir muitas das regras e procedimentos administrativos que para nada servem excepto para alimentar todo um corpo de inspectores e de empurra-papéis.